Os Protestos em Israel são o ‘Voto de Não-Confiança’ no seu Sistema Democrático Corrupto
A situação em Israel após 12 anos do domínio de Benjamin Netanyahu é similar, em certo sentido, à dos países árabes que conseguiram derrotar suas ditaduras em 2011, apenas para ver o caos reinar em seu lugar. Essas ditaduras suprimiram qualquer forma de organização política, de modo que quando a virada chegou, não existiam partidos estabelecidos para governar o país.
A crédito de Netanyahu, deve ser dito que ele não suprimiu organizações políticas. Ele simplesmente neutralizou seus líderes com posições ministeriais e administrativas. E, ao mesmo tempo, as fragmentou.
Veja só o Partido Trabalhista, que fundou o Estado, mas desaparecerá na próxima eleição, mesmo tendo dois ministros gordos e felizes. Similarmente, quando o Yesh Atid [Existe Futuro] foi fundado, representava a melhor promessa para a classe média. Mas o partido rapidamente se uniu a um dos governos de Netanyahu e, na eleição seguinte, perdeu metade de suas cadeiras no Parlamento. Incidentalmente, partidos de direita também receberam o mesmo tratamento de Netanyahu.
Assim, a grande questão é como Israel chegou a uma situação na qual dezenas de milhares de manifestantes tomando as ruas – e cercando a residência de um primeiro ministro que goza do apoio da maioria dos membros do Knesset – com o propósito de removê-lo, mesmo que a tarefa de tirar um primeiro-ministro supostamente caiba ao Isto representantes do povo, que foram eleitos em eleições democráticas.
Isto mostra que a revolução juvenil não é apenas contra Netanyahu; é um tipo de voto de não-confiança no sistema democrático corrupto de Israel. E está acontecendo porque a maioria das pessoas que nos governam não representam de fato a população. Em vez disso, o fato é que entram no Knesset através de todo tipo de truques e por intenções individualistas.
Afinal, se eles fossem verdadeiros representantes de uma nação que quer substituir Netanyahu, nada poderia ser mais fácil. Eles poderiam votar pela não-confiança no governo e, voilá, haveria um novo primeiro-ministro.
Sob seu segundo chapéu, este protesto enorme é também contra o partido Kahol Lavan. Num dia não muito belo, Benny Gantz foi eleito para o cargo de presidente do Knesset, e desde então, o povo perdeu a fé no sistema partidário.
Gantz, com suas próprias mãos, vaporizou a alternativa a Netanyahu, e uma maioria de membros do Knesset acabou sob as asas de um primeiro-ministro processado por grandes crimes. E se os deputados do partido Yamina não tivessem sido humilhantemente exilados, a coalizão governante teria hoje 80 dos 120 deputados do Knesset.
É refrescante e restaurador ver milhares de jovens tomando corajosamente as ruas, enfrentando os perigos, tanto dos canhões de água da polícia, quanto da violência de gangues da extrema-direita, em prol de um país mais justo e mais igualitário. Mas devemos admitir que, comparada à beleza das ruas, a situação no Knesset é miserável, mesmo quando se trata do líder da oposição Yair Lapid, que não aprendeu nada.
Agora, existe até uma conversa sobre renovar a aliança entre o Yesh Atid de Lapid e o Yamina, que, em todas suas encarnações anteriores, ficava à sombra de Netanyahu. E não é preciso elaborar sobre as doutrinas racistas do Yamina.
Finalmente, este enorme processo é também contra o sistema judicial. Boa parte da população depositou suas esperanças numa salvação vinda do templo brilhante da Justiça. Acreditavam que a Suprema Corte proclamaria a auto evidência numa voz potente – que um acusado criminal não pode servir como primeiro-ministro.
Mas, quando a promotora Dafna Holz-Lechner citou o ex-primeiro-ministro Menachem Begin, que disse que “quando a cidadela da Justiça cai, não existe mais ninguém para salvar o homem preso entre os moinhos do poder”, ela foi rebatida pela presidente da Suprema Corte, que disse: “Nenhuma cidadela caiu”.
Onze juízes disseram em unanimidade ao povo, que vinha buscar justiça, que eles deviam curar as feridas sozinhos, porque os juízes obedecem à letra da lei e não se engajariam ao seu espírito de justiça. E quando o povo que confiava na justiça viu que nada viria de lá, foi procurá-la nas praças e cruzamentos.
Quando eu digo « a nação se levantou », digo “nação” não em seu sentido cívico, nem étnico. Sim, os cidadãos árabes de Israel devem ter perto do coração as mudanças que estão tomando forma nesses dias, mesmo que seus aliados de hoje os tenham desapontado ontem. Porque o importante é o futuro.
E só caso o futuro incluir a todos, ele será radiante e promissor.
[ por Odeh Bisharat | publicado no Haaretz | 12|07|2020 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]