Para evitar seu maior pesadelo, o primeiro-ministro israelense tem que se segurar um pouco.
Benjamin Netaniahu pode ser um um lituano, mas há 17 meses atrás, enfrentando um impasse eleitoral, seguiu o conselho do rabino hasidico da velha estória: ele introduziu um bode.
Você conhece a estória. O Hasid vai ao seu rabino se queixar sobre suas condições de vida numa casinha pequena e sufocante, com uma esposa reclamona, crianças barulhentas, genros e noras. O rabino o aconselha a colocar um bode dentro da casa e, na semana seguinte, o Hasid volta se queixando que agora, além de tudo, ele tem um bode balindo, fazendo suas necessidades em todo lugar e mascando tudo que pode. Retire o bode, lhe diz o rabino, e você vai finalmente apreciar sua casa como ela é.
Desde que a introduziu pela primeira vez em uma entrevista no Canal 12 nas vésperas da primeira das três eleições consecutivas, a anexação tem sido o bode de Netaniahu. Foi e continua sendo uma excelente distração para o eleitorado israelense da corrupção do primeiro-ministro e seu modo cada vez mais autoritário e agora de seu fracasso em planejar adequadamente uma estratégia de saída do isolamento do coronavírus, causando uma crescente segunda onda da pandemia e sem um caminho claro para sair da crise econômica.
A anexação lhe serviu na arena internacional também. Por décadas, a chamada comunidade internacional tem pressionado Israel, em vários graus, para encerrar a ocupação, se retirar dos territórios e permitir o estabelecimento de um Estado palestino. Desde que a anexação se tornou assunto, o discurso mudou para um muito mais confortável para Netaniahu: simplesmente se livre desse bode. Podemos conviver com a ocupação.
Então agora chegou julho e, com ele, a data arbitrada prevista no acordo de coalizão entre o Likud e o Kachol Lavan, pelo qual Benjamin Netaniahu pode trazer o tema da anexação para o gabinete ou a Knesset. O fato de que até a hora desta publicação nada aconteceu ainda nessa frente, tem pouco significado. Deveria ter ficado claro desde o princípio que Netaniahu teria grande dificuldade em cumprir suas promessas eleitorais das três campanhas consecutivas. Mesmo a inclusão da anexação de 30% da Cisjordânia no acordo do século de Donald Trump não facilitou para ele, pois sempre haverá o outro lado do acordo, um lado que Netaniahu não pode forçar sua base de direita a engolir.
Netaniahu e seus procuradores continuarão a alegar que 1o. de julho nunca foi a data pretendida para a anexação, mas tão somente o começo do período no qual o assunto pode ser considerado formalmente. Tecnicamente, eles não estão errados. Mas a propaganda em torno da data criou uma dinâmica própria. Quanto disso foi planejado?
Netaniahu certamente não planejou a anexação. Não há mapa. Não há cronograma. Não há rascunhos de documentos legais para serem levados ao gabinete ou à Knesset. Tudo isso, reforça a impressão de que a anexação, ao menos durante uma parte significativa dos últimos 17 meses, não foi mais que uma vaga promessa eleitoral para mobilizar sua base de direita. Mas muitos dos que conversaram com Netaniahu nos últimos meses ficaram com a impressão de que em algum momento, ao menos depois que ele conseguiu subornar Benny Gantz para servir em seu governo e garantiu seu novo mandato como primeiro-ministro, ele se apaixonou pela ideia. A anexação, ou como ele a chama, a aplicação da soberania israelense, expandindo as fronteiras de Israel para incluir pelo menos uma parte da pátria bíblica, seria seu legado histórico.
Esse período não parece ter durado muito. O entusiasmo de Netaniahu pela anexação está em declínio. Ele não vai admitir publicamente, é claro. Isso afetaria sua credibilidade com a direita e além disso o bode ainda é uma distração útil. Mas as chances de acontecer uma anexação significativa ou mesmo de uma pequena e “simbólica”, agora está diminuindo a cada dia.
Muitos tentarão levar o crédito por pressionar Netaniahu a desistir com sucesso. Benny Gantz, que finalmente descobriu seus testiculos esta semana quando disse em uma entrevista que 1º de julho não é “uma data sagrada” e que “um milhão de israelenses desempregados” que perderam seus postos por causa do coronavírus não poderiam se importar menos com anexação, será um deles. Todos os tipos de pequenas organizações de esquerda e grupos de reflexão darão tapinhas nas próprias costas. Como fará o primeiro-ministro Boris Johnson, cujo apelo de última hora foi publicado na edição de 1º de julho do Yediot Ahronot. Todos eles tiverem muito pouca influência no assunto, se é que tiveram alguma.
A pessoa que mais influenciou Netaniahu a segurar a anexação é um homem de 77 anos, abrigado atualmente da pandemia em sua casa em Wilmington, Delaware. Joe Biden é a principal razão pela qual Netaniahu não está anexando.
Há muito poucos políticos com mais entendimento sobre pesquisas eleitorais do que Netaniahu. Ele tem vários grupos de pesquisadores nas suas folhas de pagamento oficiais e extra-oficiais e mantém contato com outros. Seus especialistas em pesquisas são principalmente americanos e apesar de o terem enganado ao menos uma vez no passado, quando ele pensou que Mitt Roney tinha chances de impedir o segundo mandato de Barack Obama em 2012. Ele está totalmente consciente agora de que as chances de Donald Trump ganhar em novembro estão desaparecendo.
Até muito recentemente, Netaniahu estava convencido não apenas da sua própria invencibilidade, mas também da do seu amigo de cara alaranjada. Mas quando Joe Biden abriu uma vantagem convincente nas últimas semanas, essas crenças evaporaram. Netaniahu tem visto como todos os seus aliados na administração, com exceção do embaixador americano em Israel David Friedman, estão agora distraídos em tentar fortalecer uma campanha perdedora. Não apenas ele não está a ponto de conseguir o respaldo inequívoco que queria para anexar, mas está tendo que enfrentar a crescente percepção de que uma permissão para seguir com a anexação o colocará em choque com a potencial nova administração Biden, desde o primeiro dia.
Biden fez saber, por sua própria voz e através de representantes, que ele se opõe enfaticamente à anexação. Ao mesmo tempo, entretanto, ele resistiu à pressão da ala esquerda do Partido Democrata em ser duro com Israel em outros assuntos e até insinuou que, se eleito, não vai reverter a decisão de Trump de mudar a embaixada americana para Jerusalém.
O maior medo de Netaniahu é que a nova administração restaure o compromisso americano com o acordo nuclear com o Irã, a pedra angular da política externa de Obama. Ele espera pelo menos ter a chance de discutir seu caso com o novo presidente para continuar com as sanções e uma posição americana mais dura nas negociações. Adiar a anexação lhe dá uma abertura com o Presidente Biden. Se a diferença nas pesquisas eleitorais entre Trump e Biden continuar a aumentar, a possibilidade de anexação ficará cada vez mais distante…
[ por Anshel Pfeffer | publicado no Haaretz em 2/7/20 | traduzido por José Manasseh Zagury ]
… Mas não podemos baixar a guarda