Em Tishá B’Av, o “dia mais triste do calendário judaico”, nossa tradição dita que guardemos luto pela destruição dos Templos em Jerusalém e consideremos a causa dessa destruição.
Nós tomamos este dia todos os anos para lembrar um tempo em que o centro de gravidade do povo judeu foi destruído brutalmente. Este ato doloroso de recordação serve como um exercício difícil de empatia: colocarmo-nos no lugar de nossos ancestrais para entender nosso passado perdido.
Este dia de jejum não é apenas um dia de luto, mas também um dia de arrependimento coletivo e introspecção, porque, conforme nossos sábios, as tragédias de Tishá B’Av não foram mera coincidência, mas resultados do sin’at chinam (ódio gratuito) entre judeus.
O ódio sem motivo abrange atos nascidos do rancor e coisas odiosas feitas apenas para causar dor ou humilhação a Outro. Conforme o Talmud, um ato de ódio gratuito entre dois judeus desencadeou uma cadeia de eventos que levaram diretamente à destruição do Segundo Templo. Esta parábola não é dirigida a apontar para aquele ato como excepcional, mas é uma representação de como o ódio infundado abundou na comunidade judaica e trouxe consigo o desastre.
Durante um tempo em que recordamos a destruição do mundo de nossos ancestrais, talvez possamos empreender a difícil tarefa de empatizar com os Outros cujos mundos foram destruídos, de forma que possamos ajuda-los a reconstruí-los, como nós o fizemos. Esta pode ser uma experiência intensamente dolorosa.
O recente assassinato de Iyad Hallak, um homem palestino autista, foi brutal e errado, que forçou israelenses e judeus da Diáspora a confrontar o frequente abuso de força por autoridades israelenses.
Mas, num sentido mais amplo, muitos palestinos estão vivendo num mundo quebrado, e aqueles que esperavam por seu próprio Estado estão lutando para construir algo com os escombros das suas esperanças. E mesmo que a empatia seja mais uma questão de sentimento do que ação, seu exercício pode nos estimular a agir em nossas próprias comunidades. Ao nos colocarmos no lugar do Outro, podemos entender melhor a nós mesmos e os nossos erros.
Nós podemos e devemos dar um passo adiante.
Enquanto judeus, reconstruímos após muitas destruições e traumas; parte desta reconstrução se deu às expensas das aspirações nacionais dos palestinos. É difícil pensar em nós mesmos como gente que prejudica Outros, como ocupantes, ou mesmo como espectadores culpados. No entanto, ao entender a raiva e a angústia dos palestinos, podemos ganhar a determinação, a vontade política, para ajudá-los a reconstruir seu mundo. Afinal, somos reconstrutores experientes.
O domínio de Israel sobre outro povo, na perpetuidade, prejudica não apenas os palestinos, mas representa uma ameaça existencial ao próprio futuro de Israel, não menos do que isso. Portanto, ajudar a reconstruir o mundo destroçado dos palestinos implica reconstruir a democracia, a segurança e o caráter moral de Israel.
Neste Tishá B’Av, vamos cultivar a empatia em nossas comunidades e extirpar o ódio rancoroso contra os palestinos, que às vezes envenena nossos discursos e ações.
Enquanto guardamos luto pela destruição de um mundo antigo, podemos encontrar as ferramentas para reconstruir ruínas mas recentes e evitar mais tragédias e regressões na democracia. Mesmo que este dia seja um dia triste, um tempo para lidar silenciosamente com os traumas passados, precisamos aproveitar a urgência deste momento, para despertar para a ação e levantarmos nossas vozes juntos com todos que estiverem dispostos a se unir na busca da Justiça e da Paz.
B’ Shalom,
[ por Michael Walzer | Membro da Diretoria do APN – Americans for PEACE NOW | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
A Bomba-Relógio de Israel
Mesmo que o « plano de anexação » não se tenha materializado no 1º de julho, como o primeiro-ministro Netanyahu prometera, a idéia não está fora da agenda. Está lá ainda e ainda é uma bomba-relógio. Seus parceiros de coalizão do Azul e Branco se creditam por sustá-lo, mas o que realmente suspendeu a implementação é o desacordo entre os assessores de Trump na Casa Branca.
Numa entrevista à Rádio do Exército em 20|7, o ex-assessor para Segurança Nacional dos EU, John Bolton, explicou por que a anexação ainda não aconteceu: “Acho que existe um desacordo óbvio, Jared ainda está tentando sustentar seu plano de paz e está preocupado com ações unilaterais ou reconhecimento americano de ação unilateral”.
Mesmo que temporariamente suspenso, entretanto, o prejuízo já foi feito. O Ministro da Defesa Benny Gantz e o Ministro do Exterior Gabi Ashkenazi deram no passado legitimidade a Netanyahu para o engodo conhecido como “anexação”. Mas vamos chamar uma espada de espada: Não é “anexação” – é apartheid.
Zulat, um novo think tank que dirijo, publicou recentemente seu primeiro relatório: “Lavando [Whitewashing] o Apartheid: Como Netanyahu manipulou a linguagem para esconder as consequências da anexação unilateral”. O Relatório expõe como, em menos de uma década, a anexação dos territórios se transformou de uma noção alucinatória adotada pelas margens delirantes da sociedade israelense numa política declarada do governo de Israel, através do uso de uma linguagem lavada que normalizou o conceito. Se implementados, tais passos devem resultar numa escalada nos territórios, a degradação da democracia israelense.e até sanções internacionais ao país. No entanto, após uma campanha de longo prazo e calculada, que pitorescamente embrulhou o plano para presente, Netanyahu conseguiu “vende-lo” ao público israelense como um passo legítimo, razoável, e quase obrigatório.
Por isto, o Zulat identificou a necessidade de contar o que ele realmente é. Para começar a entender qual realidade pode existir aqui no futuro, precisamos falar como ela é hoje. É preciso entender que 53 anos de ocupação representam uma severa e constante violação dos direitos humanos de palestinos.
Israel pode torturá-los, prender seus filhos, prendê-los sem julgamento e mantê-los em custódia por anos a fio. Pode roubar suas terras e invadir suas casas na calada da noite, sem mandado ou causa provável. Tais operações de rotina têm lugar também na ‘Área A’, onde a Autoridade Palestina está encarregada da segurança.
Entretanto, a anexação unilateral como resultado de legislação ou decisão de governo mandaria para o espaço o assim chamado “princípio da temporalidade”, que permitiu tal domínio sobre milhões de palestinos nos territórios, e estabeleceria um regime discriminatório com bases étnicas. A soberania se aplicaria só a cidadãos israelenses (i.e. judeus) moradores das áreas anexadas, enquanto os palestinos viveriam em Bantustões, sem direitos políticos.
A mudança transformaria Israel, de um Estado que sustenta um regime de ocupação com características de apartheid, em um Estado de apartheid.
Netanyahu está no poder há uma década, mas nunca antes promoveu a anexação de territórios. Duas coisas mudaram: Donald Trump, que lhe deu legitimidade de fora, e o Azul e Branco, que lhe forneceu serviços de lavanderia que lhe deram legitimação interna.
E assim, após anos dizendo que a ocupação e o controle dos territórios era uma “situação temporária” e que uma decisão sobre soberania deveria ser feita através de negociações entre as partes e com suporte internacional, Netanyahu – talvez pela primeira vez em sua vida – decidiu parar de mentir e explicou à nação que mesmo que a data-alvo de 1º de julho tenha passado, discussões com o enviado americano ao Oriente Médio Avi Berkowitz e o embaixador David Friedman, sobre a implementação da anexação, estão continuando.
Netanyahu teme que Trump possa perder as eleições em novembro. Por isto, constantemente manda o embaixador israelense Ron Dermer à Casa Brana para assegurar a luz verde para a anexação. Essas travessuras visam distrair a opinião pública: primeiro, dos seus problemas legais (que devem ser discutidos na Corte três vezes por semana a partir de janeiro) e segundo, pela situação econômica que tem disparado manifestações ruidosas contra ele, enquanto mais de um milhão de pessoas estão desempregadas pela crise do corona.
E, não conte com Gantz e Ashkenazi e suas lindas palavras de esperança. Eles querem nos fazer acreditar que o que vemos não é a uma cortina negra para um Estado de apartheid, mas uma marcha ordeira baseada num plano elaborado concebido pelas melhores mentes do mundo. Ambos foram chefes do Estado Maior e sabem bem que não há como o Rei Abdallah da Jordânia concordar com a anexação do Vale do Jordão. Ou que o líder da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas concorde com uma anexação de 30% da Cisjordânia, o que acabaria com a contiguidade territorial necessária para estabelecer um Estado Palestino.
Ambos também estão cientes das advertências dos líderes mundiais contra a anexação unilateral e leram que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, considerado como amigo de Israel e apoiador de Netanyahu, disse ao jornal israelense Yedioth Ahronoth: “A anexação representaria uma violação da Lei Internacional” e que ”o Reino Unido não reconhecerá quaisquer mudanças nas linhas de 1967, exceto as acordadas entre ambas as partes”.
Eu sei que os israelenses têm uma dificuldade com apartheid – com a palavra, não com a política. Mas apartheid é a palavra exata para a “anexação” que Binyamin Netanyahu tem em mente para nós.
Zehava Galon foi presidente do Partido Meretz e deputada do Knesset por 16 anos. É fundadora e presidente da nova ONG israelense ZULAT | IGUALDADE E DIREITOS HUMANOS – http://zulat.org.il/
[ por Zehava Galon | publicado no The Times of Israel em 28|07|20 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]