Tentativa de Golpe

 

Yuval Noah Harari

Yuval Noah Harari

Como sabemos que uma tentativa de golpe está acontecendo no país? Não é simples. Não aparece escrito em letras grandes no céu “Golpe!”. O sol continua a nascer, as crianças continuam a brincar, as pessoas continuam a comer. Tudo parece normal. Quando tentaram realizar um golpe na ex-União Soviética em 1991, os cidadãos entenderam que alguma coisa mal-cheirosa estava acontecendo, porque na televisão transmitiam o “Lago dos Cisnes”. Em todos os canais. Uma e outra vez, um blefe sem fim. Não importava a que horas assistiam ou a qual canal – viam só balé.

Entre nós [em Israel], temos agora na televisão o “Lago da Conversa Fiada” (no original, em hebraico, o autor faz um trocadilho entre ‘barburim = cisnes’ com ‘birburim = conversa fiada’ -N.T.). Mais e mais conversa fiada sobre o coronavírus. Em todos os canais, um blefe sem fim. E sob patrocínio dessa conversa fiada acontece uma tentativa de golpe.

Sem dúvida que o coronavírus é muito importante. Mas o coronavírus no final vai passar, enquanto nós ficaremos por muitíssimos anos com as consequências das decisões que estão sendo tomadas agora. São decisões sobre vida e morte, sobre os limites da nossa liberdade e sobre a distribuição de dezenas de bilhões. No momento, quem toma essas decisões é uma só pessoa, que está indiciada por corrupção, fraude e quebra de confiança. E que no último ano fracassou três vezes em receber a confiança do povo.

Os representantes do povo não supervisionam o que essa pessoa decide, porque essa pessoa paralisou a Knesset [valendo-se do Estado de Emergência que decretou em função da pandemia]. Se essa pessoa decidir distribuir alguns bilhões para seu amigo Ytzchak Tshuva (famoso magnata israelense que está em dificuldades financeiras -N.T.) – quem vai supervisionar isso? Se ele decidir fechar meios de comunicação para “evitar a propagação de pânico”, quem o impedirá?

Essa tentativa de golpe é possível impedir. Em Israel, como em Israel, até os golpes são feitos pelo “método se colar colou”. Fecha-se a Knesset por alguns dias e espera-se para ver o que acontece. Se a imprensa calar, se Gantz se contiver, se o Supremo Tribunal hesitar e o público ignorar, então deixa-se a Knesset fechada. O golpe deu certo. Se a imprensa gritar, Gantz ficar furioso, o Supremo Tribunal fizer um estrondo e o público sair às ruas, então dirão “por que vocês estão fazendo de uma mosca um elefante? Foi apenas um pequeno mal-entendido”. Não podemos deixar que o método se colar colou dê certo.

É responsabilidade de todos nós frustrar esse golpe. Ao menos por um dia precisamos parar de olhar o “Lago da Conversa Fiada” e voltar os olhos para a Knesset. Isso deve ser suficiente. E se Netaniahu e seus mensageiros ainda assim ousarem seguir com a tentativa de golpe, mesmo com todos os holofotes sobre eles, então a única coisa que pode parar isso será se os cidadãos saírem às ruas.

[ por Yuval Noah Harari* | Publicado no site Mehazkim | traduzido por Jose Menasseh Zagury‎ ]

Yuval Noah Harari, o famoso autor de “Sapiens – Uma breve história da humanidade” e “Homo Deus”, entre outros, enxergou com clareza incomum a tentativa autoritária de Netaniahu logo que o coronavírus se espalhou entre nós. As pessoas o escutaram, saíram às ruas e mobilizaram as instituições. Neste momento em que já se fala da segunda onda e o governo já cogita novamente medidas de exceção, precisamos estar novamente atentos para evitar o pior.

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