Se as últimas declarações inflamatórias do primeiro-ministro causarem ferimentos naqueles que ele alega que conspiraram contra si, seus apoiadores não poderão dizer que não sabiam que isso aconteceria.
Todos esses membros do Likud que respaldaram o Primeiro-ministro Benjamin Netaniahu durante a conferência de imprensa, que aconteceu uma pouquinho antes da abertura do seu julgamento por corrupção, – é para vocês que estou escrevendo – o grupo submisso, porque eu estou preocupado com as possíveis ramificações com o contínuo desfile de divisões e incitamento de Netaniahu, tentando transformar seu processo criminal em político.
Para esse efeito, ele está disseminando amplamente teorias conspiratórias, de acordo com as quais um grupo de jornalistas, promotores e policiais conspiraram para levar a cabo um golpe contra ele e a direita.
Em suas próprias palavras: “Cidadãos de Israel, o que está em julgamento hoje é a tentativa de subverter a vontade do povo. Para tirar do poder a mim e a direita. Por mais de uma década, a esquerda não conseguiu fazer isso através das urnas. Nos últimos anos eles encontraram uma nova patente. Algumas pessoas na polícia e na promotoria juntaram forças com a mídia esquerdista, para me processar com bizarras acusações falsas, para depor um primeiro-ministro da direita. Por sinal, eles não se importam se algum poodle obediente da direita assumir o meu lugar. Vocês sempre os encontrarão, mas eu não sou um poodle”.
Não subestimem a severidade dessas acusações inventadas e manipuladoras e, principalmente, suas potenciais ramificações.
Atos de violência e terror entre judeus ou contra árabes inocentes costumam vir em resposta a eventos políticos ou ataques terroristas.
Esses eventos não ocorrem em um vácuo. Por trás deles, quase sempre há um discurso público acalorado como resultado de incitamento por parte de líderes políticos ou religiosos, cujas declarações foram interpretadas como um chamado ao derramamento de sangue.
Isso levou um bando de “maçãs podres” – alguns extremistas de direita, alguns com registro criminal ou problemas de saúde mental – a tomar a lei nas próprias mãos e ferir pessoas inocentes. O resultado é sempre trágico, tanto no nível pessoal quanto no nível nacional
Agora de volta a vocês, os amordaçados e cabresteados. Vocês estavam lá numa demonstração de total solidariedade com um litigante criminal, o qual, para sua consternação, é também um primeiro-ministro em exercício, enquanto ele propagava desavergonhadamente uma absurda teoria conspiratória para distorcer a percepção dos cidadãos do Estado de Israel.
Entre os “conspiradores”, Netaniahu apontou um dedo acusador ao ex-chefe de polícia Roni Alsheikh – um colono religioso sionista que foi nomeado pelo próprio primeiro-ministro.
Então o nome de Avichai Mandelblit também foi jogado no éter – um homem religioso de uma família fortemente afiliada ao movimento direitista Beitar.
Mandelblit foi nomeado consultor jurídico do Estado pelo próprio acusado, contra a forte objeção de seu predecessor, Yehuda Weinstein, que criticou a conduta de Mandelblit em seu cargo anterior de secretário de gabinete de Netaniahu e alegou que sua adequação ao cargo deveria ser cuidadosamente examinada.
Por que então Netaniahu ignorou os estilingues e flechas de Weinstein e correu para nomear o mesmo Mandelblit como Consultor Jurídico do Estado – uma posição muito mais sensível do que a de secretário do gabinete?
Aqui está a esfregada no comportamento do primeiro-ministro. Ele jamais nomearia um consultor jurídico cuja roupa suja não conhecesse.
Então, o que fez Mandelblit – que se especializou em encerrar casos contra a esposa de Netaniahu, Sara, e foi estranhamente rápido em anunciar que Netaniahu não era suspeito no duvidoso caso dos submarinos, também conhecido como Caso 3000 – se voltar contra o líder do Likud e indicia-lo em três acusações sérias?
Muito provavelmente, foi uma combinação de uma rigorosa investigação policial, o número de testemunhas do círculo íntimo de Netaniahu e a severidade das evidências, que o deixou sem opção a não ser os indiciamentos contra seu criador.
Pela minha experiência pessoal, acredito fortemente que a campanha de incitamento de Netaniahu contra esses “conspiradores” imaginários pode terminar em derramamento de sangue.
Para quem de vocês que esqueceu: durante os protestos contra os acordos de Oslo no meio dos anos 90, com Netaniahu como um dos seus mais proeminentes líderes, o incitamento contra o falecido primeiro-ministro Ytzchak Rabin era desenfreado. Imagens dele vestido com uniforme nazista eram exibidos para quem quisesse ver.
Foi assim que eles conseguiram transformar Rabin, um dos maiores generais de Israel, em um inimigo do Estado.
A retórica violenta e as imagens adulteradas de Rabin fizeram o seu trabalho. As demonstrações se tornaram gradualmente mais e mais violentas, até que uma “maçã podre” atirou em Rabin pelas costas.
Desta vez , entretanto, não estamos falando de um primeiro-ministro com uma ilustre carreira militar, mas “apenas” de um grupo de servidores públicos.
Então, se eles conseguiram converter Rabin em um alvo do ódio cego – Mandelblit, Alsheikh e outros não têm nenhuma chance.
A influência de Netaniahu, carregada no ar pela eterna admiração de seus apoiadores, é muito maior do que era naqueles dias obscuros e esta campanha de incitamento pode definitivamente terminar em derramamento de sangue mais uma vez.
Não há mais freios para impedir nosso país de escorregar no abismo para o qual Netaniahu nos está arrastando. Não há uma única alma nesta enorme coalizão que saia contra esse incitamento.
Mesmo nossa Suprema Corte foi provavelmente dissuadida por essa campanha de deslegitimação, o que deve ser o por quê de o painel de 11 juízes ter decidido por unanimidade deixar um litigante criminal servir como primeiro-ministro.
Mesmo quando consideramos as ramificações de uma intervenção da corte em uma votação da maioria de 120 deputados, ainda não existe explicação legal ou de outra ordem, para como é possível que o primeiro-ministro israelense possa enfrentar três indiciamentos sérios, enquanto em qualquer outro setor – seja defesa, negócios ou educação – uma pessoa com acusações até menos graves não estará habilitada para assumir um posto sênior.
Peço-lhes para não realizar protestos do lado de fora do tribunal durante o julgamento de Netaniahu. Isso é exatamente o que ele quer. Seu sonho é transformar seu julgamento criminal em um julgamento político, enquanto grandes manifestações contra ele ou a seu favor ocorrem fora das paredes do tribunal.
Esse é um julgamento criminal. Ponto. Os indiciamentos, testemunhos e evidências contra Netaniahu serão examinados pelos juízes.
Se condenado, Netaniahu deverá pagar o preço, da mesma forma que outras figuras públicas, de todos os lados do mapa político, pagaram antes dele.
Então, apoiadores de Netaniahu, se qualquer desses “conspiradores” for ferido por um extremista, vocês não poderão dizer que não sabiam que ia acontecer.
Qualquer sangue derramado estará também nas mãos de vocês.
[ por Yuval Diskin* | Publicado no Ynet em 12|06|20 | traduzido por José Manasseh Zagury ]
- Yuval Diskin foi Diretor Geral do Shin Bet, serviço de segurança interna de Israel
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