Da Ocupação à Anexação?

Da Ocupação à Anexação?

Dentro de poucos dias, completaremos 53 anos após a guerra dos Seis Dias. Uma eternidade! Iniciada como guerra de defesa (“milchemet ein breirá” – sem alternativa), ela terminou com uma vitória incontestável, mas portando um vírus de alta periculosidade, particularmente contaminante, a ocupação.

Tumulto entre palestinos e soldados israelenses no vilarejo de Tormusayya, a nordeste de Ramallah. Cisjordânia, 17|10|19

53 anos mais tarde, conforme as recentes declarações de B. Netanyahu, como último equívoco após o resultado dos Seis Dias, Israel deverá entrar na era da anexação.

Certamente, já passamos por anexações (Jerusalém, Golan…) mas de forma geral – malgrado o desenvolvimento dos assentamentos e o aumento da população judia na Cisjordânia -, o caráter temporário da ocupação e o princípio de Dois Estados para Dois Povos não estavam postos em questão,  sejam quais fossem as reticências recíprocas na “confiança no outro” e as interrogações quanto à viabilidade dessa solução.

A anexação constitui uma mudança de paradigma incontestável. O que era transitório até então, torna-se definitivo. Aquilo que era não-dito se torna texto de lei, pondo fim a um futuro nacional para os palestinos.

Os perigos são conhecidos: riscos de incendiar as ruas palestinas, fragilização da Autoridade Palestina, colocação em perigo dos tratados com a Jordânia e o Egito, de importância estratégica indiscutível,  enfraquecimento da colaboração tácita com outros países árabes frente à ameaça do Irã e seus aliados, piora do posicionamento de Israel perante a comunidade internacional, impactos sobre os judeus da diáspora em sua solidariedade com um Estado-pária…

Nós sabemos que o establishment de segurança israelense não é favorável a tal medida, sabemos que o governo israelense acaba de demandar do exército sua avaliação da situação e como ele deve se preparar. Sabemos que o governo americano está reservado, mas dividido.

Com efeito, a anexação unilateral resulta de uma leitura não menos unilateral que o “plano do século”, que não assegura a viabilidade de um Estado palestino.

Mas, para parte do governo americano, a oposição à anexação nesta etapa não é um princípio mas um calendário. O timing não é bom. Essa anexação pode intervir mais tarde e ter uma extensão limitada, durante a campanha eleitoral de Trump, para, notadamente, lhe obter o apoio certo dos evangélicos, enquanto que no contexto da crise econômica pós-corona, sua reeleição está longe de assegurada.

Netanyahu estaria determinado a estender a soberania israelense a certas partes da Cisjordânia já em julho, uma anexação “doce”, não tocando o Vale do Jordão, limitando-se aos assentamentos israelenses. Tal anexação seria de ordem simbólica, não mudando nada concretamente, ou muito pouco, no terreno: apenas os assentamentos seriam afetados. Uma colina lá, uma cimeira aqui, poderiam igualmente ser inclusos para prefigurar uma continuidade, no momento oportuno.

Mas a regra do jogo já foi anunciada por Netanyahu: os palestinos residentes no Vale do Jordão anexado não obteriam a cidadania israelense. Os palestinos não teriam qualquer direito. Nada de seguridade social, nada de apoio hospitalar, nenhum status de residente, nem nacionalidade israelense.

Eles viveriam em bantustões, ou mais precisamente – para retomar a fórmula do célebre jornalista Nahum Barnea -, dentro de “bibistões”.

É a isso que se opõe a maioria, sem dúvida, do povo israelense, lamentavelmente ocupado por outras preocupações e do qual apenas uma parte se mobiliza. É a isso que se opõem numerosos judeus em todo mundo, amigos de Israel e apegados a seus valores. Cinquenta de suas associações estão se coordenando numa rede internacional, o  J-Link. A nova rede lançou um apelo que repercute na França, através do “France JCall” e do “La Paix Mantenant”, cujo título não tem ambiguidade:

“A Anexação põe em perigo a segurança e a democracia de Israel”.

 

Alain Rozenkier, sociólogo, é presidente e um dos fundadores do “La Paix Maintenant”  [Amigos do PAZ AGORA na França].

[ Publicado no Times of Israel em 04|06|2020 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]


Os Amigos Brasileiros do PAZ AGORA  são co-fundadores da rede internacional J-Link


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