O Insustentável Preço da Anexação

Com o governo estabelecido e o auxílio da epidemia do coronavirus, e ainda com o apoio do Secretário de Estado americano Mike Pompeo e as ameaças da União Européia, o tema da anexação foi novamente alçado orgulhosamente como bandeira do novo governo israelense. A maioria da população, que pode não saber das implicações práticas de uma anexação unilateral sobre nossas vidas diárias, não é consciente das ameaças embutidas em tal mudança, incluindo a desestabilização e a quase certa escalada de hostilidades entre israelenses e palestinos.

Mais de 60 projetos e planos para anexações de territórios na área C foram levados ao Knesset desde 2019, mas só três desses incluíram um mapa. Eu gostaria de analisar e acessar o plano do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu para anexar o Vale do Jordão, baseado no plano do presidente Trump. Conforme o mapa apresentado por Netanyahu, ele pretende anexar 1.200 m², equivalentes a 20,5% da área da Cisjordânia. Quais as decorrências disto para vida das pessoas?

Para começar, 23% da área a ser anexada são terras de propriedade privada de palestinos. Se Israel não emendar suas leis relativas a terras de propriedade de “ausentes”, todos esses palestinos perderão suas terras, que serão gradualmente transferidas para assentamentos israelenses. Se Israel emendar esta lei, como fez na Jerusalém Oriental, ainda poderá expropriar a terra para “uso público”, que nesse caso será exclusivamente para o público judeu. Foi isto que ocorreu em Jerusalém Oriental, onde o Estado confiscou 7.000 acres, a maior parte de propriedade árabe, e ali construiu 60.000 unidades habitacionais para judeus e apenas 1.000 para árabes.

Anexação do Vale do JordãoMapa mostrando o plano de anexação do Vale do Jordão – Crédito: Shaul Arieli

Até que a desapropriação seja implementada, Israel terá que dar aos proprietários palestinos acesso para cultivar suas terras, como acontece atualmente ao longo da “costura” entre Jerusalém Oriental e Ocidental. Isto será feito através de dezenas de portões, operados por soldados.

A título de comparação, a terra sob propriedade palestina no Vale do Jordão é sete vezes maior do que todas as áreas privadas situadas a oeste da Barreira de Separação, que também usa tais portões.  O Exército de Israel já não dá conta de responder aos problemas advindos da operação desses portões, apesar de todas as petições apresentadas à Suprema Corte. Uma batalha palestina sobre essas terras começará.

Mais ainda, o mapa mostra 12 vilarejos palestinos com 13.500 habitantes na área B, vivendo em 1.050 acres, que serão anexados a Israel. A Autoridade Palestina irá perder instantaneamente sua autoridade e responsabilidade sobre esses vilarejos. A autoridade que sobre eles recebera nos Acordos de Oslo será assumida por Israel.

Israel dará a essas pessoas o status de residentes, como dá aos palestinos de Jerusalém Oriental, seguida de cidadania. Deverá prover todos serviços também. Israel não está preparado para isto. Outra batalha palestina por serviços municipais e transferências do Seguro Nacional começará.

Terceiro. A área de Jericó (atualmente na Área A) e suas redondezas tornar-se-á um enclave palestino cercado por uma área sob soberania israelense. Este enclave cobrirá 17.300 acres, onde vivem 43.000 palestinos em seis diferentes comunidades. Cada saída ou entrada ao enclave irá demandar a passagem por checkpoints israelenses, e as pessoas que cruzarem pelo território israelense serão acompanhadas. Jericó, um centro turístico e a principal área na Cisjordânia de cultivo de tâmaras, será cortada na prática do resto da Cisjordânia e rapidamente declinará economicamente. Uma batalha palestina pela sobrevivência começará.

Quarto, a anexação acrescentará uma nova fronteira de 124 milhas entre o Vale do Jordão e o resto da Cisjordânia. É a mesma distância que a fronteira de Israel com o Egito. Além disto, outras 37 milhas de fronteira ao redor do enclave de Jericó – quase o comprimento da fronteira de Israel com a Faixa de Gaza. Na ausência de uma cerca, uma caçada a terroristas e residentes ilegais começará.

Outra questão é que a área anexada é atravessada por duas rodovias importantes de norte a sul.  A Highway 90 no vale e a Highway 80 (Rodovia Alon) – assim como a rodovia leste-oeste, Highway 1, no seu trecho mais a leste. Todas elas serão removidas da rede de transporte palestino que, na ausência de outras alternativas, serão concentrados na Highway 60. Uma batalha palestina sobre liberdade de movimento começará.

Além disto, moradores da Cisjordânia viajando para a Jordânia, se autorizados pelo reino, terão que passar por território sob soberania israelense, com todas implicações de segurança.  No Mar Morto, os penhascos que o costeiam e a reserva natural de Ein Feshkha (Einot Tzukim) serão removidos das áreas acessíveis por palestinos para recreação e turismo. Sua batalha por algum ar para respirar começará.

De onde vem a ansiedade de Netanyahu e sua turma para anexar? Todas as razões que dão, são meros pretextos, sem base na realidade.

Bibi visita o Vale na véspera de eleição

Não houve nenhuma mudança da ameaça de segurança em nossa fronteira oriental. A Jordânia está cumprindo meticulosamente o Tratado de Paz com Israel, continuando a prover Israel com tranquilidade ao longo da fronteira, assim como uma profundidade estratégica até a fronteira do Iraque. Síria e Iraque, que estão competindo com os resultados da guerra civil, não têm uma capacidade militar significativa que ameace Israel, e não devem tê-la num prazo curto ou médio. Os palestinos estão implementando rigorosamente a coordenação de segurança com Israel.

Existem 28 pequenos assentamentos na área a ser anexada, onde vivem 13.600 colonos. Sua área construída é muito pequena e cultivam menos de 20.000 acres, que não lhes pertencem. A idade média é alta, porque os seus moradores são parte da primeira onda de assentamentos na Cisjordânia, chegada na primeira década que se seguiu à Guerra dos Seis Dias.

Pesquisas de opinião mostram que esta população preferiria sair se um acordo de paz fosse assinado, em troca de uma compensação justa, para frustração do chefe do conselho regional da área, que também é o chefe do Yesha, Conselho Regional da Judéia e Samária.

A anexação não mudaria sua situação, exceto em termos de planejamento e construção. Mas, por ora, não foi a salta disso que sustou o crescimento da população do Vale do Jordão, que por 50 anos não passou de poucos milhares de moradores.

A carga sobre o Exército cresceria substancialmente e injustificadamente. Teria que adicionar forças substanciais para garantir fronteiras e cruzamentos entre o vale e o resto da Cisjordânia, e em torno do enclave de Jericó. Teria que acompanhar os palestinos que entrarem em Israel, operar portões para terra agrícola e garantir a fronteira com a Jordânia, frente a uma desestabilização nas relações com o reino.

O objetivo dos que desejam anexar é claro. Querem anular os Acordos de Oslo e frustrar qualquer chance de uma solução de Dois Estados para Dois Povos, violando a lei internacional e os tratados que Israel assinou.

É óbvio que desejam deslocar os palestinos para a Jordânia ao leste, num momento oportuno, e realizar seus sonhos messiânicos ultranacionalistas. Nas palavras de Naftali Bennett, o objetivo é “fazer de Judéia e Samária [nomes bíblicos da Cisjordânia] partes do Israel soberano”.

O preço que Israel teria que pagar a curto-prazo por essa aventura messiânica, carregada de intoxicação pelo poder, seria intolerável para a sociedade israelense.

No longo prazo, essa anexação destruiria a visão sionista. E os EUA perderiam o pilar de sua política para o Oriente Médio – a estabilidade, baseada nos acordos de paz assinados por Israel com Egito e Jordânia.

[ por Shaul Arieli | Publicado no Haaretz em 25|05|20 | Traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

 

Dr. Shaul Arieli escreveu vários livros sobre o conflito israelense-palestino, como “A Border between Us and You” e “All of Israel’s Borders”.   Participou da negociação do Acordo de Genebra, tendo liderado a delegação israelense na negociação de fronteiras.

 

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