O TEMPO DE GANTZ ESTÁ TERMINANDO E NETANIAHU NÃO TEM MAIS PRESSA PARA FORMAR UM GOVERNO DE “EMERGÊNCIA”
Minutos antes de assinar o acordo da coalizão de união, Netaniahu exigiu o controle para apontar juízes. Os dois lados não tiveram mais contato desde então.
Na segunda-feira, o acordo de coalizão entre Benjamin Netaniahu e Benny Gantz estava completamente decidido. Os cartuchos de tinta estavam carregados e só faltava apertar o botão de Print e assinar.
Na seção relativa à anexação de partes da Cisjordânia, a única questão que restava era se numa determinada frase apareceria “e” ou “e/ou”. As duas partes concordavam que o acordo seria assinado independente disso e a discordância seria resolvida mais tarde e corrigida à mão.
Netaniahu estava em casa, cercado e isolado na residência do primeiro-ministro, imunizado do vírus mas envolto pelo veneno de sua ilustre família. Hod Betzer, o chefe da equipe de Gantz, estava sentado no hall esperando o ok final. E aí alguém apareceu e disse a Betzer que o primeiro-ministro mudou de ideia sobre a seção referente ao Comitê de Nomeações de Juízes, uma seção que já estava acordada e finalizada. Betzer estava em choque. O representante lhe explicou que Netaniahu passou por uma crise interna e não podia concordar com esse ponto.
Netaniahu provou que quando a balança política se inclina em seu favor, a “maior crise de saúde desde a idade média” (nas suas próprias palavras) pode esperar. Ele simplesmente não pode resistir à tentação de fazer uma manobra transparente com a finalidade de ganhar tempo, irritar seus supostos parceiros no tal “governo de emergência” e talvez até encerrar as negociações.
Gantz não tem estrutura para lidar com esse tipo de fenômeno. Em sua ingenuidade, ele decidiu de repente pular na cama com Netaniahu sem garantias – e ao fazer isso ele despedaçou seu partido. Ele tentou jogar limpo contra um competidor para quem tal princípio desperta nada mais além de profundo desprezo.
A exigência de Netaniahu, diante disso, é manter o status quo no processo de nomeações de juízes, de acordo com uma lei de 1953. Mas de fato ele fez uma demanda inconcebível: seu partido determinará quando o comitê se reunirá e não o ministro da justiça, do Kachol Lavan, que preside o Comitê de Nomeação de Juízes. Em outras palavras, se ele quiser, Netaniahu pode adiar a nomeação de juízes em Israel como arma política contra seus oponentes e contra o judiciário.
Bastante choque e pesar foi sentido na direita – no Likud e principalmente entre os líderes dos colonos – por Netaniahu ter se “rendido” no assunto do Comitê de Nomeações de Juízes. O feroz desprezo pelo estado de direito e a Suprema Corte de Justiça se tornou importante e fundamental para a direita ideológica em Israel, mais ainda do que a anexação da Cisjordânia. Durante a guerra pessoal de Netaniahu contra essas instituições, o ódio ao sistema legal se expandiu enormemente e escorreu para seus apoiadores.
O partido de direita Yamina, que tem muitos caciques e poucos membros e deputados, deu uma contribuição importante ao protesto. Quando o Ministro da Defesa Naftali Bennett e a ex-ministra da justiça Ayelet Shaked abraçam Netaniahu com um abraço de urso pela direita, o primeiro-ministro normalmente faz uma meia-volta.
O companheiro de Gantz deixou claro que essa exigência surpresa quebraria o acordo, mas por respeito escutou o mensageiro. Escutou mas não cedeu sobre o tema. O mesmo vale para o homem de Netaniahu. Betzer se levantou e foi embora da residência, deixando atrás de si quatro cópias envergonhadas do acordo de coalizão. Desde então, até onde se sabe, as duas partes não estão mais em contato.
A suposição comum nos círculos políticos é que Netaniahu ainda está interessado em um acordo com Gantz, mas em completa contradição com a urgência do coronavírus que ele publicou inicialmente. Quando o Presidente Reuven Rivlin deu a Gantz a missão de formar o novo governo e a “oposição” ameaçou promover uma legislação impedindo um indiciado criminal de formar um novo governo, Netaniahu sentiu a pressão. Mas agora, depois que Gantz quebrou seu partido e seu tempo está acabando, Netaniahu não tem mais pressa nenhuma.
Cada dia que se arrasta sem assinar o acordo de coalizão é mais um dia em que Netaniahu continua primeiro-ministro. Cada dia sem um novo governo adia a grande crise real desde a idade média – a saída de Netaniahu da residência do primeiro-ministro. É possível imaginar uma onda gigante, um asteróide colidindo com a Terra – até mesmo um ataque de zumbis – mas imaginar sua esposa Sarah fazendo as malas, mesmo que seja para mudar para outra residência oficial paga com dinheiro público, é inimaginável.
De fato, Gantz praticamente terminou o período de seu mandato dado por Rivlin para formar um governo. Vai terminar no dia 13 de abril. Ele planeja pedir uma extensão por mais 14 dias. É muito improvável que Rivlin concordará com isso, porque Gantz não tem um governo possível, nem mesmo no papel. O governo de união em discussão tem Netaniahu na cabeça e dos 61 membros da Knesset que recomendaram Gantz para primeiro-ministro depois da terceira eleição, menos de 20 ainda o apoiam.
O presidente terá duas opções: pedir para Netaniahu formar o novo governo ou pular esse estágio e enviar a decisão diretamente para a Knesset, pelo período de 21 dias. Se um novo governo não for empossado até lá, Israel uma vez mais enfrentará novas eleições, desta vez em meados de setembro ou na primeira data possível em função da pandemia. Até lá Netaniahu continua primeiro-ministro.
[ por Yossi Verter | publicado no Haaretz em 9|4|20 | traduzido por Jose Menasseh Zagury ]