CORONAVÍRUS E POLÍTICA NÃO DEVERIAM SER MISTURADOS – MAS ESTÃO SENDO
Quando Pessach chegou ao fim na noite de quarta-feira, o primeiro-ministro de Israel tinha uma missão importante: tuitar fake news.
Usando a conta em hebraico @IsraeliPM_Heb – uma das três que ele administra – Benjamin Netaniahu tuitou para os seus 53.000 seguidores um link para um artigo no site da Forbes, acrescentando: “Forbes também publicou: Israel é o lugar mais seguro do mundo na luta contra o coronavírus”.
Ao mesmo tempo, na sua conta mais popular @netanyahu, o primeiro-ministro tuitou para os seus 1,8 milhões de seguidores uma foto do artigo on-line – não um link – com o texto : “A revista internacional Forbes ranqueia Israel como o país mais seguro do mundo na luta contra o coronavírus”.
A conta que ele não usou , foi sua página oficial em inglês, @IsraeliPM. Lá, os 881.000 seguidores foram deixados no escuro sem as notícias sobre o incrível sucesso de Israel.
Por que essas coisas são importantes? Porque não são verdade. A Forbes não ranqueou Israel como o país mais seguro, nem publicou um ranking de países.
Quem fez isso?
Uma mulher chamada Margaretta Colangelo, que escreveu um post em um blogue, que apareceu na seção de blogues da Forbes. Colangelo é co-fundadora do Deep Knowledge Group, uma pequena e desconhecida empresa de capital de risco baseada em Hong Kong, que Itzik Ben-Israel, um general aposentado e chefe da Agência Espacial de Israel, chamou de a mãe das fake news.
Como sabe qualquer pessoa que já trabalhou numa edição ou lê jornais, quando um colaborador escreve alguma coisa para uma publicação, essa opinião não se torna a opinião do jornal ou site.
O blogue de Colangelo não é a opinião da Forbes e a revista publicou um tuíte na quarta-feira à noite esclarecendo exatamente isso: “Para nós é importante esclarecer que não se trata de um ranking produzido nem pela Forbes Israel nem pela Forbes USA, mas uma coluna de uma convidada, escrita por um membro da equipe que conduziu a pesquisa e assim isso deve ser visto”, tuitou o escritório israelense da revista em sua conta oficial.
Essa não é a primeira vez que Netaniahu compartilha uma pesquisa do Deep Knowledge Group. No início de abril, Netaniahu compartilhou um gráfico mostrando que Israel conduz mais testes de coronavírus per capita do que qualquer outro país.
O problema é que o gráfico se referia somente a um ínfimo intervalo de tempo, e que na realidade, como todo mundo sabe em Israel, o país fracassou consistentemente em aumentar seus testes, devido à má gestão, falta de materiais e a falha em reconhecer no início da crise que os testes são uma ferramenta essencial para o país poder voltar a trabalhar (voltaremos a isso mais abaixo).
O fato de que isso não era uma estória da Forbes não impediu Netaniahu ou Yaakov Litzman – seu ministro da saúde em quarentena – de alegar que a Forbes ranqueou Israel como o país mais seguro. Litzman citou o estudo em um comunicado à imprensa sob o título: “A revista Forbes ranqueia Israel no. 1”; a estória em si não é verdadeira e é um exemplo quintessencial de fake news.
Por que tudo isso é importante? Porque no momento em que o país está paralisado e fechado, com mais de um milhão de pessoas sem trabalho e 142 mortos até a noite de quinta-feira, é com isso que nossos líderes se ocupam: espalhar fake news, manipular a realidade e tentar marcar pontos políticos baratos com base em uma coisa que não é real. Basicamente, eles estão tentando criar uma realidade alternativa.
A única conclusão é que Netaniahu pensa que somos todos estúpidos e que ninguém perceberia que seus tuítes e alegações sobre a Forbes são falsos. Por essa razão, ele provavelmente não tuitou isso para seus seguidores de fala inglesa; eles teriam percebido imediatamente a fraude.
O fato de a revista depois lhe ter chamado atenção publicamente também não fez nenhuma diferença. Outros políticos poderiam ter pensado em fazer um esclarecimento ou uma correção. Mas não Netaniahu. Por que ele faria isso? Quase dois milhões de pessoas o seguem nas contas que ele utilizou para disseminar as fake news. A conta da Forbes Israel tem apenas 411 seguidores.
Pela mesma razão, Netaniahu não se desculpou por ter recebido seu filho Avner no Seder de Pessach na semana passada, em violação direta das regras que ele impôs ao público. O Presidente Reuven Rivlin também recebeu familiares e apesar de ser igualmente errado, pelo menos teve a decência de se desculpar. Netaniahu não se importou nem em dizer que sente muito. Por que o faria?
A razão pela qual deveria é porque Israel merece um governo que coloque o povo em primeiro lugar e porque os israelenses merecem um primeiro-ministro menos focado em criar uma realidade alternativa e mais interessado em como melhorar aquela em que vivemos. Sem falar em seguir as regras nacionais estritas emitidas para todos.
Tudo isso importa porque embora a taxa de mortalidade entre os israelenses seja 1% – que é relativamente baixa em comparação com outros países – existem ainda grandes problemas com a forma como a crise está sendo tratada. Pegue como exemplo os testes.
Desde o início, o Ministério da Saúde se opôs aos testes em massa. Toda noite, depois de Netaniahu ensinar aos israelenses como assoar o nariz, pegar um lenço e juntar as mãos em um gesto de Namastê em lugar do aperto de mãos, o Diretor Geral do Ministério da Saúde Moshe Bar Simantov, ou a chefe do Departamento de Saúde Pública Prof. Sigal Sadetsky, sobe ao púlpito e explica por que os testes não são efetivos.
Seus comentários eram impressionantes, porque vinham no momento em que os outros países estavam provando a efetividade dos testes, especialmente em relação à reabertura de suas economias. Esse foi o caso da Coréia do Sul, Singapura e agora da Alemanha. Testes, testes e mais testes. Essa é a forma de saber efetivamente quem está doente, quem não está e quem pode voltar para o trabalho, para a escola ou simplesmente sair na rua.
A testagem em Israel tem sido um fiasco total. No meio de março, Netaniahu anunciou que Israel alcançaria 10.000 testes por dia em duas semanas. Em lugar disso, levou cerca de um mês e depois caiu para 6.000 há alguns dias atrás. Em cada passo no caminho havia uma nova desculpa.
Primeiro, Israel não tinha número suficiente de hastes de testes. Depois, não tinha reagentes em quantidade suficiente, os produtos químicos necessários para os testes de laboratório. Não foi permitido aos laboratórios trabalhar à noite, nos finais de semana ou nos feriados e as universidades e laboratórios privados que ofereceram ajuda foram rejeitados. O Instituto Weizmann é um exemplo perfeito. Ele tentou durante semanas receber a aprovação do Ministério da Saúde para realizar testes, mas foi repetidamente rejeitado até que finalmente recebeu permissão. Por que teve que esperar? Por que demorou tanto?
Aqui existem duas escolas de pensamento. Uma é que o Ministério da Saúde sabia que não possuía o material e não poderia aumentar os testes, então pressionou pelo isolamento e a quarentena como alternativa. A outra, mais preocupante, é que possivelmente o Ministério da Saúde simplesmente não acredita em testes. Nos dois casos há um problema, especialmente considerando que quase todos os especialistas concordam que testes em massa são necessários para reativar a economia,
Outro mistério é por que Netaniahu recusou continuamente usar o Ministério da Defesa e as FDI mais efetivamente. O Ministro da Defesa Naftali Bennett tem pressionado para assumir a responsabilidade pelos testes, o mesmo que o chefe do exército General Aviv Kochavi, que enviou uma carta na semana passada exortando o primeiro-ministro a permitir que o exército assuma a responsabilidade. Seu vice, General Eyal Zamir, disse em uma entrevista na semana passada que se as FDI estivessem a cargo dos testes, eles poderiam chegar a 30.000 testes por dia em uma semana.
Em vez de aceitar a oferta dos militares – que afinal são a maior organização do país, com capacidades logísticas e recursos humanos sem paralelo – Netaniahu continua a marginaliza-los. Semanas atrás as FDI pediram para deixá-los cuidar da quarentena de cada pessoa que aterrisa em Israel vinda do exterior. Netaniahu recusou até a semana passada, quando o número de pessoas infectadas entrando em Israel saiu de controle.
Em outras palavras, só depois de tudo dar errado o exército foi chamado. Isso é o que aconteceu em Bnei Brak e outras cidades de Haredim (ultraortodoxos) onde os prefeitos não conseguiram administrar a crise por si mesmos e isso foi o que aconteceu com pessoas em quarentena vindas do exterior. O mesmo aconteceu com os centros geriátricos e casas de idosos – somente depois de tudo mais fracassar é que chamaram o exército.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde alega que o coronavírus é uma crise civil e nem todas as crises precisam ser administradas pelos militares. Isso pode ser verdade, mas colocar o exército a cargo dos testes não muda isso. Com todo o respeito a Bar Simantov e Sedetsky, que fazem o melhor que podem nas atuais circunstâncias, eles não sabem gerir emergências a nível nacional. O que eles podem é fornecer orientações profissionais, mas a implementação real deveria ter sido passada para os militares há várias semanas.
Já que estamos falando sobre realidade alternativa, vamos imaginar por um momento que Netaniahu ainda fosse o Ministro da Defesa e não tivesse nomeado Bennett para o posto em novembro para mantê-lo no seu campo político. Netaniahu não teria usado o Ministério da Defesa? Ele ainda estaria marginalizando o exército?
Tristemente, parece que em alguns dias ele está simplesmente focado em combater Bennett em lugar de combater o vírus. Ele não quer compartilhar o palco com seu inimigo político. Mas como, você se pergunta, isso pode ser possível? Durante uma pandemia, o primeiro-ministro não utilizaria o Ministério da Defesa e todas as suas ferramentas por causa de política? Impossível.
Infelizmente, não é. Essas mesmas considerações políticas estão por trás do anúncio, duas semanas atrás, de dar a cada israelense 500 shkalim por cada criança, sem coordenar com o Ministério das Finanças.
Como pai de quatro crianças, fiquei feliz em receber 2.000 shkalim, mas eu realmente precisava disso? Felizmente ainda tenho um emprego. Por outro lado, há mais de um milhão de pessoas que não têm e eles precisam mais desse dinheiro. Então, por que não foi dado de forma escalonada – se você ganha menos que X você recebe e se ganha mais que X não recebe?
A razão é pelo truque político barato (na verdade caro), que visa melhorar sua popularidade, não pela distribuição de renda.
O mesmo pode ser dito das negociações correntes entre o Kachol Lavan e o Likud. Tomara que seja alcançado um acordo e seja evitada a quarta eleição, mas o fracasso até aqui em finalizar um acordo por causa de assuntos como a composição do Comitê de Nomeação de Juízes mostra o que está realmente sendo negociado: não o estabelecimento de um governo estável para conduzir Israel na crise, mas um governo que mantenha Netaniahu longe dos tribunais.
É hora de isso mudar. Precisamos de um governo que cuide e trabalhe para melhorar nossa realidade, não de políticos focados em criar uma realidade alternativa.