O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fez uma visita surpresa ao Knesset. Enquanto os foguetes da Jihad Islâmica paralisavam o sul e Israel tendia para uma operação de larga escala em Gaza, o chamado urgente que tirou Bibi do seu posto não foi uma demanda militar. Foi atacar os 13 candidatos da Lista Unida por sua aberta oposição ao assassinato dirigido do comandante da Jihad Islâmica, Baha Abu al-Ata.
Netanyahu tomara conhecimento de uma manifestação na noite de terça-feira na qual dois membros da Lista Unida – Ofer Cassif e Aida Touma-Sliman – o acusaram de “instigação à guerra” e Benny Gantz de apoiar “assassinatos calculados”. Suas diatribes enraiveceram os poucos israelenses judeus que ouviram a manifestação, antes que Netanyahu a tornasse uma causa célebre. Através de seus porta-vozes e na sua visita ao Knesset, Netanyahu espalhou as novas ampla e rapidamente, alimentando as chamas da hostilidade contra a Lista Unida, partido apoiado pela grande maioria da comunidade de israelenses árabes.
A crítica da Lista Unida ao assassinato e suas consequências, por mais dura que tenha sido, dificilmente pode ser descrita como uma prioridade nacional urgente. Se não fosse por Netanyahu, a maior parte dos israelenses não teriam reagido com mais do que uma careta.
Mas serve aos seus interesses políticos e pessoais distanciar a opinião pública judaica da Lista Unida apoiada pelos árabes, bloqueando qualquer possibilidade de se aliarem com Gantz para formar um governo de minoria que o deporia. E como Netanyahu muitas vezes fez no ano passado, seus interesses pessoais, envelopados como prioridades nacionais, ditam suas políticas de governo.
De fato, é a cínica exploração por Netanyahu do assassinato em Gaza, que avançou seus interesses políticos, que provocou suspeitas de que o timing da operação foi influenciado por fatores políticos, mais do que por imperativos militares. Mas, dado que a maioria dos israelenses em geral apoiam respostas duras a ataques de foguetes de Gaza, os minions de Netanyahu logo sufocaram argumentos de que tinham sido influenciados por considerações políticas, como traição em tempo de guerra.
Tendo sido intencional ou não, o plano atingiu seus alvos. A possibilidade de uma coalizão de minoria apoiada de fora pela Lista Unida foi rapidamente abandonada por Gantz e seus colegas, deixando os líderes do Kachol Lavan com duas fortes opções: ou se unir a um governo de base ampla nacional chefiado por Netanyahu, em contradição com suas repetidas declarações durante a campanha, ou assumir a responsabilidade por levar Israel à terceira campanha eleitoral deste ano.
As ramificações do ataque de Netanyahu, porém, são mais profundas e duradouras do que o atual impasse político; A operação de Gaza, a reação da Lista Unida e, mais o que tudo, a amplificação deliberada por Netanyahu da amplo gap entre israelenses judeus e árabes sobre assuntos pertinentes ao conflito com os palestinos, pôs efetivamente um final nos esforços da Lista Unida para aumentar sua colaboração com a centro-esquerda e a sociedade civil de Israel.
Antes do rompimento causado pelo ataque em Gaza, o líder da Lista Unida, Ayman Odeh e seu vice Ahmed Tibi conduziram uma série de manifestações protestando contra os surtos de violência dentro da sociedade árabe e demandando uma real igualdade para os cidadãos israelenses árabes. Eles tomaram uma decisão calculada para deixar de lado a questão divisiva israelense-palestina e se concentrar em melhorar as condições do seu próprio eleitorado.
As manifestações pacíficas, que ocorreram nas cidades e aldeias árabes, foram vistas favoravelmente por políticos e pela mídia. Após anos em que os políticos árabes eram criticados por se ocuparem mais com o conflito do que com o bem-estar dos seus eleitores, os líderes da Lista Unida foram elogiados por sua renovada gama de prioridades.
Teoricamente, Netanyahu e o Likud poderiam ter se unido aos elogios, não fosse a sua tradicional representação dos líderes da Lista Unida como terroristas-apoiadores de quintas colunas. Mas, uma vez que as manifestações se espalharam, Odeh e Tibi indicaram que poderiam se dispor a superar suas diferenças políticas com Gantz, em troca de compromissos de melhorar sua participação. À medida que seus contatos com o Kahol Lavan se intensificaram, a Lista Unida emergiu como um perigo claro e presente à continuação do domínio de Netanyahu.
Como resposta, Netanyahu e seus minions lançaram uma campanha na mídia social agredindo Gantz por contemplar uma coalizão com a Lista Unida. Eles ignoraram os sinais positivos de reconciliação e focaram na histórica oposição da Lista Unida à ocupação e, nos seus flancos extremistas, à própria existência de Israel.
A erupção da violência em Gaza forneceu a Netanyahu o golpe de misericórdia que lhe permitiu demolir qualquer chance de uma coalizão liderada por Gantz que teria o suporte parlamentar dos partidos árabes – pela segunda vez na história de Israel. E pela primeira desde 1992.
Ao fazer assim, Netanyahu e seus colegas contaminaram toda a comunidade israelense-árabe como hostil. Eles minaram os incipientes esforços para reconstruir as relações judaico-árabes no nascedouro. Eles semearam suspeição e divisão entre judeus e árabes. Renovaram o isolamento etnocêntrico dos árabes israelenses e reacenderam apreensões sobre suas lealdades.
A grande ironia é que todos sabem que Netanyahu está cinicamente explorando a situação de segurança para suas próprias necessidades pessoais e para acomodar seu esforço individual por um governo que lhe daria imunidade ao processo penal. Não obstante, e apesar do dano colateral causado por suas maquinações desavergonhadas, o ponto chave é que elas funcionam.
O governo de minoria está agora fora da mesa. As relações entre judeus e árabes devem se reverter e diminuir. Não pela primeira vez, o resultado final é Netanyahu 1 x Israel 0.
[ por Chemi Shalev | Haaretz 13|11|2019 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]