Ehud Barak deveria ir a Mahmoud Abbas, comer uma torta de humildade e convencê-lo a unir forças para produzir um acordo negociável, duradouro e justo.
O ex-primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak fala no lançamento da campanha eleitoral da aliança Campo Democrático em Tel Aviv, 18|08|19.
A sabedoria convencional diria que a trajetória da segunda rodada das eleições gerais em 2019 já está definida. A campanha está centrada, quase inteiramente, em duas questões cosméticas: a forma da nova coalizão (um governo de união nacional ou outra aglomeração de direitistas e religiosos). E a identidade da pessoa que estará em seu leme (Benyamin Netanyahu ou algum outro). Poucos temas substantivos foram introduzidos no discurso eleitoral – e os que o foram (religião e Estado, corrupção, direitos humanos, igualdade social, congestionamentos de tráfego, igualdade de gênero, saúde pública, e até segurança), mal causaram um arranhão na consciência pública. Na medida em que este padrão persista e uma crise (real ou inventada) se siga a outra, pouco incentivo existe para virar as eleições, assim predeterminando os resultados das urnas de setembro,
Israel até pode suportar outra eleição sem tema dentro de seis meses, em temos tão críticos. Mas, seria possível injetar questões existenciais no debate? Poderia isso afetar a dinâmica da campanha nas próximas quatro semanas? Poderiam elas não apenas influenciar o resultado, mas também determinar um novo curso para o futuro de Israel? A resposta a todas estas questões – dadas as rotas de colisão em que o governo Netanyahu embarcou em todas as frentes – é um sonoro sim!
A possibilidade, porém, depende, mais do que qualquer outra coisa, da liderança, coragem e criatividade da pequena e fragmentada oposição da esquerda, que ainda tem o poder de redirecionar a campanha e de imbuí-la de um significado real. Apenas esta oposição pode fornecer uma alternativa à força do Likud e de seus associados Só ela pode compelir os israelenses a refocalizar a única questão mais sustentável na política israelense na última metade de século ou mais: o conflito árabe-Israel e, especialmente seu cerne palestino.
Nenhuma questão foi mais significativa na formação de Israel e sua política, desde a Independência. Nenhum assunto dividiu o país tão profundamente através dos anos. Nenhum tópico singular teve um efeito maior em sua vida doméstica e no posicionamento internacional. Nenhuma outra questão teve um impacto tão direto no resultado de todas as eleições gerais desde 1967. Nenhuma questão influenciou mais decisivamente o curso da deterioração da democracia do país e seus normativos subjacentes. E, sem dúvida, não há nenhuma matéria mais essencial para o futuro de Israel que a resolução desta disputa de mais de um século.
Desde o colapso da cúpula de Camp David no verão de 2000, porém, os prospectos para um acordo negociado entre Israel e seus vizinhos palestinos diminuíram quase até um ponto de não retorno. Este é um resultado não apenas do fracasso dessa Cúpula organizada apressadamente, com timing deficiente, preparada inadequadamente e sem qualquer sucesso, mas também pela mensagem que ela emitiu ao final – “de que não existe parceiro para a paz no lado palestino”.
Ehud Barak, autor e propagador da frase, lançou as primeiras sementes, secundado por Bill Clinton e uma avalanche de outros. Durante as últimas décadas, o mantra “não há parceiro” serviu como desculpa para sucessivos líderes israelenses, seja para boicotar esforços sérios para atingir um acordo duradouro ou como uma muleta para explicar o colapso de tentativas esporádicas que se seguiram: dos passos hesitantes de Ariel Sharon que precederam o processo de Annapolis, das subsequentes conversações conduzidas por Ehud Olmert e o sucessor de Arafat, Abu-Mazen, e então à persistente iniciativa de John Kerry (no final fracassada) para reviver as negociações em 2013 e 2014. Existe hoje um amplo consenso – com a notável exceção do Meretz e da Lista Unida Árabe — de que a ausência de um parceiro negociador seria a principal razão para a falta de progresso no front diplomático. Na verdade, não há diferenças reais visíveis entre Binyamin Netanyahu e Benny Gantz, entre Avigdor Lieberman e Moshe Ya’alon, entre Naftali Bennett e Yitzhak Herzog, ou, entre Ayelet Shaked e Orly Levy-Abekasis sobre esta questão!
Por quase duas décadas, os israelenses foram levados a aceitar que não tinham interlocutores palestinos e que, portanto, nenhum entendimento poderia ser alcançado com palestinos no futuro previsível. Esta forma de pensar levou à inelutável conclusão de que o conflito deveria ser “administrado” e sua resolução fosse deixada para o futuro.
É como se uma única frase, transformada num dogma irrefutável, tivesse forjado um feitiço de ferro sobre toda uma geração de israelenses.
Os israelenses têm que derreter este grilhão imobilizante, especialmente nestes tempos precários. A ausência de uma alternativa diplomática viável gerou escaladas em todos os fronts. A situação em Gaza – presa entre a pobreza abjeta e uma completa anarquia – está no ponto de ebulição. A expansão de assentamentos, expropriação de terras, assédios diários, novas restrições econômicas e a perda da esperança têm sido acompanhados pela ressurgência da violência na Cisjordânia. A crescente conversa sobre anexação pelas atuais lideranças israelenses – perigosamente amplificada durante a campanha eleitoral – tem exacerbado mais as tensões. A mudança no status dos Estados Unidos, outrora intermediário honesto, para o Presidente Trump corrói o resto de esperança.
As coisas estão num ponto de ruptura – talvez para o prazer dos defensores direitistas da Grande Terra de Israel. Mas para o detrimento da maior parte dos israelenses e dos próprios princípios fundacionais do Estado de Israel. Isto só pode ser combatido ressuscitando-se aquela opção diplomática que foi efetivamente dissipada desde que as negociações foram enterradas sob a barragem do mantra “não há parceiro”. Certamente o eleitorado de Israel, confuso e muito desencantado, merece uma escolha na urna. Esta é a única maneira que tem para influir no seu próprio destino.
Ehud Barak está singularmente posicionado para promover e navegar neste movimento para mudar o jogo. Somente o ex-primeiro-ministro Barak, Chefe do Estado Maior e atual co-líder da nova formação União Democrática — a despeito de seu histórico político problemático no passado – tem o lastro de carisma e o poder único para redirecionar a campanha e imbui-la de um significado real.
Sendo a pessoa responsável pela narrativa do “não há parceiro”, ele pode ter um papel privilegiado para desarmar suas monumentais ondas de choque. Ele pode quebrar o atual impasse que ameaça uma nova rodada de violência e desesperança.
Apenas ele, assumindo total responsabilidade por suas políticas e derrotas no passado distante, pode assumir a liderança. Como ilustre defensor do conceito da separação entre israelenses e palestinos (“nós ficamos aqui e eles ficam ali”), ele tem uma oportunidade inusual para resgatar o sentido de uma solução de Dois Estados, em termos de duas entidades nacionais interagindo e partilhando a terra em paz.
E, como alguém que tem continuamente insistido, notavelmente nesta última semana, que nenhum progresso pode ser feito sem a participação palestina, ele tem a oportunidade de atualizar a natureza e a extensão do seu engajamento para se adaptar às circunstâncias da configuração geoestratégica alterada na segunda década do século XXI.
Ehud Barak pode sacudir a concepção reinante com um ato forte e simbólico. Ele pode ir, amanhã, ao presidente palestino Mahmoud Abbas, chefiando uma delegação de líderes israelenses, judeus e árabes, e declarar, alto e bom som: “Eu errei quando declarei, em meio à minha frustração em Camp David, que Israel não tem parceiro para a paz. Eu não imaginava que essa declaração seria usada como um duradouro obstáculo a qualquer negociação posterior e apontada contra o povo palestino como um todo.
Estou aqui para pedir perdão por meu erro histórico e para fazer as pazes. Venho em paz e busco uma parceria com vocês nos nossos próximos anos pelo bem das gerações futuras. Juntos, podemos ultrapassar a inimizade acumulada e fechar um acordo negociado, duradouro e justo para o benefício de nossas duas comunidades, a região e a estabilidade global.”
Se Ehud Barak estiver, como aparenta, realmente determinado a deixar uma marca indelével em Israel, ele também deve ter em mente que é tanto um passivo quanto um ativo. Para aumentar o impacto de sua mensagem e aliviar críticas dentro e fora dos seus próprios círculos, ele deve descartar qualquer ambição de retornar à Balfour Street (residência do primeiro ministro) ou ao governo. Deve deixar claro que planeja se dedicar completamente à realização desta causa (assim dispersando muitas das nuvens sobre sua candidatura e aumentando sua credibilidade. Se ele realmente desejar influenciar estas eleições, sua melhor escolha será a de supervisionar magistralmente o debate sobre o principal item da agenda nacional de Israel. E se ele desejar reengajar cidadãos israelenses e lançar bases para uma sociedade mais justa, talvez ele, mais do que ninguém, possa acender a faísca que despertará os eleitores da passividade e da indiferença.
Sr. Barak: vá a Abu-Mazen. Agora! Quebre o insuportável e perigoso impasse. Tenha certeza de que essas eleições pavimentarão o caminho para uma verdadeira virada no curso de Israel. Dê aos cidadãos a esperança que lhes foi negada por tanto tempo. Dê o que for preciso.
Você já provou que tem a coragem para reconhecer erros passados. Agora demonstre isso fazendo a diferença. Talvez no processo, você possa recuperar sua manchada reputação. Isto é liderança.
Uma sociedade que há muito está confusa e sem rumo ficará agradecida. Não perca nem mais um minuto. Vá agora. Antes que seja tarde demais.
POR NAOMI CHAZAN
A Professora NAOMI CHAZAN nasceu em Jerusalém durante o mandato britânico. Foi deputada e Vice-Presidente do Knesset, representando o partido Meretz. Recebeu em 2005 o Prêmio de Direitos Humanos e Liberdade da Fundação Suiça de Direitos Humanos. É Professora Emérita de Ciências Políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém e Co-Diretora do WIPS – Centro para o Avanço das Mulheres na Esfera Pública do Instituto Van Leer de Jerusalém.
[ Publicado pelo The Times of Israel em 19|Ago|2019 – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]