Eu nunca encontrei antissemitismo na Inglaterra… até agora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Richard Zimler  ‘Só de perguntarem sobre minha filiação religiosa já me parece escandaloso”.

 

Eu venho publicando meus romances na Grã-Bretanha desde 1998, quando o meu primeiro livro, The Last Kabbalist of Lisbon, [“O último Cabalista de Lisboa”, no Brasil] tornou-se um surpreendente bestseller.

Venho geralmente à Inglaterra, de minha casa em Portugal, sempre que um novo trabalho meu é lançad0, para dar palestras em livrarias, bibliotecas e festivais literários.

Os esforços do meu publisher para interessar organizadores de eventos comigo nem sempre tem sucesso, claro. Mas neste ano, pela primeira vez, eu fui recusado por ser judeu. Um pequeno contexto. A Peter Owen Publishers lançou meu novo romance, The Gospel According to Lazarus, em meados de abril. Um velho amigo meu, que trabalha com divulgação de livros, começou tentar agendar eventos para mim, com três meses de antecedência.

No início de março, ele me ligou e confessou – num tom chateado que eu nunca tinha ouvido antes – que tinha sido recusado por duas organizações culturais que haviam previamente mostrado entusiasmo para organizar um evento comigo. “Eles me perguntaram se você era judeu, e no momento em que disse que sim, perderam todo interesse”, disse ele. “Até pararam de responder aos meus e-mails e responder às minhas mensagens por telefone”.

Falei com meu divulgador John, que prefere se manter anônimo. Ele também me pediu para não identificar as organizações que reagiram negativamente por eu ser judeu. John me disse que a conversa final que teve com os dois coordenadores de evento o convenceram de que eles próprios não eram antissemitas, mas temiam uma reação – protestos de seus membros e outros – se oferecessem um convite a um escritor judeu,

Eu sempre me esforcei nos meus romances para dar voz a pessoas silenciadas por preconceito e intolerância.

Após nosso telefonema, fiquei profundamente chocado e abalado. Enfrentar discriminação é sempre desagradável e enfurecedor. E nunca esperei que minha carreira no Reino Unido seria prejudicada por ser judeu. Isso fez com que a Inglaterra parecesse algum lugar que nunca conheci e talvez jamais conheceria, O simples fato de perguntarem sobre a minha filiação religiosa  me pareceu ultrajante. A situação parecia particularmente irônica porque sempre me esforcei em minhas novelas para dar voz a pessoas que haviam sido sistematicamente silenciados por preconceitos e intolerância.

Obviamente, não acredito que ninguém se beneficia quando escritores são censurados por sua etnia ou fé.

No sistema legal dos EUA, onde fui criado, quando uma ação é considerada como causa para pessoas hesitarem em viver suas vidas livremente ou exercer legítimos direitos por temor de repercussões ela é chamada de “efeito refrigerador”. Minha conversa com John ensinou-me que o atual clima de sentimentos anti-Israel e antissemitismo no Reino Unido parece ter criado este “efeito refrigerador” através da sociedade britânica.

Será que o movimento BDS [Boycott, Divestment e Sanctions] teve um papel no aprofundamento desta atmosfera e medo? É o que meus amigos no Reino Unido me dizem. Eles também falam com amargura da indisposição do Partido Trabalhista de assumir uma posição firme contra o discurso antissemita. Se organizações culturais tem medo de abrigar eventos do escritores judeus, então a Inglaterra deu um grande passo atrás.

Não sejamos desviados por referências a Israel. Embora seja perfeitamente legítimo para aqueles que se opõem às políticas de Netanyahu protestar contra elas. Eu não tenho conexão com Israel. Nem investimentos nem família lá. E meus livros mais conhecidos se passam em Portugal e na Polônia. É verdade que meu novo romance se passa na Terra Santa, mas ele tem lugar 2.000 anos antes da fundação do Estado de Israel. Como nacionalidade, sou americano e português.

Felizmente para mim, meu caso particular é desimportante – Serei capaz de escrever romances e ganhar a vida mesmo que ninguém jamais me convide para falar na GB de novo. E em Portugal, onde vivo, quase nunca tive que lidar com antissemitas virulentos, porque eles representam apenas uma pequena fração da população. Mas e quanto a artistas, escritores, dançarinos e cantores cujas carreira na Inglaterra são   impedidas ou bloqueadas pelo medo de repercussões e que são incapazes de fazer uma vida decente aqui?

Existem judeus – cientistas, engenheiros e professores, por exemplo – que são recusados para trabalhar na GB ou perdem contratos por causa de preconceito? Cinco ou dez anos trás, me disseram que isto seria muito improvável. Após minha experiência recente – e depois de tudo que li sobre a recente ascensão do antissemitismo na Inglaterra – eu diria que isto é inteiramente possível,

Uma coisa eu sei: se você deixar de acolher escritores e artistas judeus porque teme uma reação negativa, então a sua covardia torna possível aos odientos que se fortaleçam – que espalhem sua antipatia irracional por judeus e que se torna mais aceitável ignorá-los. É mesma esta “nova normalidade” que você quer para o Reino Unido?

 

[ por Richard Zimler – publicado no The Guardian em 29|06|19 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR]

+ Richard Zimler (nasceu em 01|01|56 em Roslyn Heights, New York) é um autor best-seller. Seus livros lhe renderam em 1994 o Prêmio National Endowment of the Arts Fellowship in Fiction e, em 1998, Herodotus Award. Foi traduzido e publicado em mais de 20 línguas.  Vive em Lisboa,

The Last Kabbalist of Lisbon (1996)
The Last Kabbalist of Lisbon
1996
Hunting midnight (2003)
Hunting midnight
2003
The Seventh Gate (2007)
The Seventh Gate
2007
The Warsaw Anagrams (2009)
The Warsaw Anagrams
2009
The Gospel According to Lazarus by Richard Zimler
R$82.29 + tax · $21.39 + tax
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