Embora infelizmente eu não mais acredite (se bem que eu gostaria muito de ser provado errado) na possibilidade da solução de Dois Estados, que é um dado fundamental da plataforma ideológica do Meretz, eu ainda pretendo votar pelo partido nas próximas eleições. Não apenas porque concordo com os outros princípios ideológicos, mas principalmente porque o Meretz incorpora os mais importantes parlamentares e o apoio público a duas organizações – B’Tselem e Breaking the Silence. E eu ficaria grato se gente moral e inteligente da direita e dos colonos também tentassem escutar e levar em consideração a explicação seguinte.
Nos séculos 19 e 20. muitos povos ilustrados e civilizados da Europa dominaram outros povos. Os britânicos, franceses, italianos, holandeses, belgas e espanhóis são apenas algumas das nações que exerceram o domínio colonial, de variados graus de brutalidade, sobre outras nações. Omiti intencionalmente os alemães desta lista, porque suas ocupações de outros países no século 20 não foram coloniais, mas assassinas.
Mas existe ainda uma diferença substancial entre a ocupação israelense e as ocupações por poderes coloniais. Os britânicos, franceses, italianos e holandeses foram capazes de se separar de um vez dos povos que dominaram com qualquer grau de brutalidae, enquanto nós e os palestinos, por qualquer previsão concebível, continuaremos a viver para sempre na mesma Pátria, casa do lado casa, família ao lado de família, numa intimidade que só tende a se intensificar.
Mesmo se um Estado Palestino independente, com Jerusalém Oriental como Capital, vier a se estabelecer, esse Estado inevitavelmente terá milhares de conexões dentro de Israel. Tenha em mente que os palestinos não são uma minoria territorial na Terra de Israel. Portanto, a separação (ou, como é mais furiosamente referida como, o divórcio) deles jamais poderá ser completo.
Sem mencionar que mesmo dentro do próprio Israel (dentro das fronteiras reconhecidas) existem dois milhões de israelenses palestinos com famílias e laços comuns com os palestinos da Cisjordânia.
Portanto, precisamos ter uma visão ampla do nosso controle sobre a Cisjordânia. Esta é uma Pátria comum, com todas as implicações desse termo. Os palestinos também devem internalizar bem isso. Eles não tem nenhum outro lugar para ir, assim como nós também não temos.
O menino palestino que vê seu pai sendo cruelmente espancado por razão nenhuma, irá carregar essa memória dolorosa consigo quando crescer e tiver que nos dar um remédio na farmácia ou nos tratar no pronto-socorro.
Quando um profundamente sofrido Oshrat Kotler usou a expressão “animais humanos” , senti-me desconfortável com esse rótulo áspero. Sim, existem alguns soldados que se comportam como “animais,” mas há milhares de soldados e oficiais que lidam dia e noite com situações complexas desafiadoras, militar e moralmente, situações para as quais precisam encontrar soluções apropriadas e o fazem com vários graus de sucesso. Mas não é qualquer um que está à altura, moralmente, ideologica e militarmente, desses desafios. Assim, os soldados, que às vezes operam de acordo com regras rígidas e inflexíveis, precisam receber feedback adicional, moral e objetivo, do sistema legal civil, assim como dos próprios soldados que são confrontados com ordens miseráveis.
Várias organizações civis, incluindo aquelas chefiadas por rabinos cuja religiosidade não apagou sua ética, são dedicadas a este propósito, ONGs de Direitos Humanos como o B’Tselem e o Breaking the Silence estão na linha de frente desta batalha para mitigar o estrago da ocupação, à medida que a situação evolue lenta e problematicamente para a ‘solução de Um Estado”.
Acima de todos são os colonos, cuja vidas e comunidades estão destinadas a ser mais intrincadas com os palestinos na Judéia e Samária, que precisam entender, pelo bem da sua própria segurança, também, a importância de manter regras mínimas de moralidade e justiça em meio à condição trágica de um conflito irresolúvel que já se arrasta por mais de 50 anos.
Devo dizer que estou feliz por ter descoberto que esta consciência moral tem crescido significativamente entre alguns dos colonos, incluindo alguns religiosos, que pretendem dar cidadania israelense a moradores da Cisjordânia de forma a fortalecer suas posições.
Uma significativa presença do Meretz no Knesset, combinada com o apoio a organizações dedicadas a impedir a ocupação de levar todos nós para o abismo escuro que ameaça profundamente nosso futuro, irá assegurar para todos, de esquerda ou de direita, que mesmo que terminemos numa configuração de Um Estado, este tenha um razoável grau de coexistência, como aquele em que palestinos e judeus vivem hoje dentro da Linha Verde.
[ por A.B.Yehoshua | publicado no Haaretz de 04|04|18 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]