“Lamentavelmente, agora estou no GALUT ( exílio) e não há como ir até a terra prometida”
[Davy respondendo a um convite para vir ao Rio de Janeiro em 2017].
O que influencia a identificação de um profissional com uma escola psicanalítica? Os princípios teóricos? A sua visão de mundo? No caso do Davy a resposta é simples. Quando nos conhecemos, bem antes de entrarmos no campo minado das instituições psicanalíticas e suas correntes, sua paixão pelo judaísmo hassidico me chamou atenção. Amava os mestres das pequenas aldeias européias que o nazismo varreu do mapa sem, contudo, conseguir apagar a sabedoria amorosa que emanavam. E não era uma paixão intelectual. Viu nelas a possibilidade humanista de relação que também inspirou Martin Buber e sua filosofia dialógica do “Eu e Tu”. Através do humanismo judaico de raiz, Davy construiu uma ótica e uma ética. Davy era um winnicottiano militante.
O envolvimento com a dor do outro e a tomada de um partido tem sido uma questão de fundo na psicanálise e fundadora do judaísmo. Postura diferente da receptividade de um psicanalista, ou acolhimento passivo, que mais exalta a “bondade” do terapeuta do que uma postura ativa frente aquele que sofre. E sofre porque aprisionado em uma rede de acontecimentos que o submeteram no passado, sem que tenha podido perceber a rota de fuga do desastre iminente. Prisioneiro de um sofrimento semelhante à mesma escravidão dos hebreus, que Davy num jeitão profético amaldiçoou em um de seus textos dedicados ao Pessach. A páscoa judaica. Maldição sem sentido se não redundasse numa defesa ativa do paciente. Defesa que o Davy fazia de forma clara quando achava necessário, como disse numa das conversas intercaladas de citações judaicas que tivemos sobre psicanálise.
No You Tube existe um trecho de uma aula sobre Winnicott que o Davy deu no Espaço Bioarte em 2009. Ele se esforça. Tenta explicar para alguém da platéia que, segundo o judaísmo não existe pecado original. Ressalta que “a ideia não era discutir religião, só disse que do ponto de vista psicanalítico atual o homem não nasce mau”. Sua infância em Israel, onde esquece o português enquanto aprende o hebraico. Evoca o seu conhecimento adquirido naquela época que lhe permite a Biblia sem tradução. Por fim, acaba dizendo que o verdadeiro pecado original é o de Caim que matou o seu irmão Abel. Ele se apoia na sua reflexão sobre Biblia para fundamentar Winnicott. Quem sabe, no final das contas, como diz o ditado nordestino, o homem é para o que nasce.
Amigo de meio século, Davy partiu sem despedida na madrugada de ontem. No começo do Shabat. A tradição judaica considera que as forças da compaixão e da misericórdia dominam o mundo nessa madrugada. Morte em compaixão e misericórdia que também revela as qualidades do falecido. A eles é destinado um lugar no mundo vindouro. Davy será sepultado em Israel. Que sua memória continue atada ao feixe da vida e dos viventes.
Rio de Janeiro, 10 de março de 2019
PAULO BLANK
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Dissertação (Mestrado em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica) : Morte e ressurreição do Eu e do Outro – O hassidismo: um movimento religioso terapêutico 1730-1830. 1998. , Universidade de São Paulo.
[ esta compilação é uma homenagem dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA. O Dr. Bogomoletz foi sepultado em Netania, Israel, mas a sabedoria de Davy continua viva ]