Religião e política nunca permaneceram totalmente separadas ao longo dos séculos, mesmo após a Revolução Francesa de 1789, que apartou de forma oficial Estado e igreja. Uma diretriz que seria levada a muitos outros países, com resultados mais ou menos significativos conforme a situação.
Da mesma forma, política e interesses econômicos sempre caminharam juntos, mesmo com todas as tentativas de reduzir a força do dinheiro sobre as urnas.
Dois acontecimentos recentes reforçam essa dupla simbiose. O primeiro é o imbróglio em torno do presidente dos EUA, Donald Trump, envolvendo financiamento suspeito de campanha, subornos para moças com quem ele teria tido relacionamentos extraconjugais e contatos ainda mais suspeitos com autoridades russas. Estas últimas teriam brindado o atual mandatário com informações comprometedoras sobre sua ex-adversária eleitoral, a democrata Hillary Clinton.
Já o segundo acontecimento é a revelação dos centenários escândalos de abuso sexual dentro da Igreja Católica. Observe-se que o papa Francisco, embora silencie oficialmente sobre o caso, vem se movendo intensamente, nos bastidores, para lancetar essa chaga.
Com a aproximação das eleições no Brasil, o relacionamento poder político/dinheiro/religião vem outra vez à tona. Mesmo após os escândalos de financiamento eleitoral ilegal e enriquecimento ilícito que motivaram a operação Lava Jato, segue aparentemente intacto o fluxo de recursos empresariais para campanhas.
Isso sempre ocorreu, em todas as esferas. E não apenas no mundo partidário; aparece em qualquer entidade. Mesmo dentro da pequena vida comunitária judaica no Brasil, o poder do dinheiro já foi abertamente empregado para eleger ou afastar dirigentes.
Da mesma forma, multiplicam-se as manifestações de religiosos de todas as confissões em defesa deste ou outro candidato. Mais uma vez: nenhuma novidade. Mas creio que seja hora de discutir o papel político do líder religioso, de todos os matizes.
Creio que é dever de todo “pastor” manifestar opiniões políticas sobre temas importantes para o seu “rebanho”. Eu mesmo nunca me furtei a isso. Quem cala consente, e isso pode ter efeitos desastrosos.
Muito diferente é a adoção de uma postura de apoio partidário. Não condeno, é claro, esse posicionamento, mas me parece um contrassenso qualquer dirigente religioso abraçar de vez um partido —significa uma certa perversão de seu papel, que é de unir sua comunidade e aproximá-la da sociedade mais ampla.
A situação se torna muito pior quando o posicionamento político-partidário assume um caráter de intolerância, divide comunidades e propaga mensagens de ódio —tudo ao contrário do que qualquer líder religioso deve fazer.
Hoje vemos líderes de várias religiões usarem a audiência que têm junto aos seus para apoiarem este ou aquele partido. E, muito pior, alinharem-se com grupos hostis à convivência pacífica entre fiéis de todas as religiões e contrários ao respeito dos direitos humanos. De todos os humanos. Por exemplo, pregando o ódio em relação aos homossexuais.
A defesa dos direitos humanos, esse me parece ser o limite. Creio que o líder religioso deve unir seus fiéis —jamais dividi-los. Deve aproximar sua comunidade e reforçar o tecido social —jamais esgarçá-lo. E contribuir para a redução das desigualdades sociais, buscar o fim do ódio e a convivência pacífica entre pessoas diferentes —o que somos, todos nós.
O Brasil é um país formado por indígenas que tiveram seu território invadido; por descendentes de escravos que foram trazidos compulsoriamente da África para a escravidão. E por imigrantes de centenas de países, que aqui desembarcaram fugindo da miséria, de lutas sociais ou religiosas. Cabe a nós, líderes religiosos, zelar a tolerância e a convivência dentro desse complexo caldeirão cultural. E jamais estimular o ódio —seja ele econômico, social, de gênero ou religioso.”
Henry Sobel
O Rabino Henry Sobel foi presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP)
Publicado na Folha de São Paulo em 11|09|2018.
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