Em Israel, a legislação para armas é restritiva. Apesar das muitas ameaças à segurança enfrentadas pelos israelenses, e de um registro horroroso de atentados terroristas, nenhum israelense pode simplesmente entrar numa loja e comprar uma arma. Enquanto alguns soldados levam suas armas para casa quando saem de folga, o Ministério do Interior só licencia armas para civis que podem provar que trabalham ou vivem em áreas perigosas, como na Cisjordânia, ou trabalham como seguranças em setores específicos. Existem vários níveis de rastreamento e são mandatórias renovações de permissões a cada três anos.
Ainda assim, legisladores israelenses têm muito em comum com os seus colegas do Capitólio. Ambos são reféns de lobbies poderosos com interesses específicos, que representam minorias pequenas, mas muito influentes. Como a americana NRA [“Associação Nacional do Rifle”], os colonos religiosos nacionalistas de Israel cinicamente corrompem as intenções e espíritos dos patriarcas da nação para justificar suas agendas e as suas próprias existências.
As ações de ambos os grupos, minoritários, têm consequências desastrosas para seus concidadãos.
“Não fico abalado com essa comparação” – disse ao Al-Monitor o deputado Yehuda Glick do Likud, defensor dos colonos – “A atividade de assentamento traz paz, enquanto as ações da NRA levam à violência”.
Não obstante, a própria NRA procura colocar Israel como exemplo dos males do controle de armas. “Israel teve toda uma série de tiroteios até que fizessem alguma coisa: eles disseram ‘Vamos parar com isso’, e colocaram seguranças armados em todas as escolas”, disse o líder da NRA, Wayne LaPierre em 2012, após o mais sangrento tiroteio numa escola da história dos EUA, no qual 20 estudantes e seis adultos foram assassinados em Connecticut.
Contrariamente à afirmação de LaPierre, na verdade Israel só teve um único episódio de tiroteio em escola na sua história de 70 anos. Foi quando 22 estudantes foram assassinados em 1974 por um atentado terrorista palestino na cidade nortenha de Ma’alot. Após esse e outros ataques, e principalmente como deterrência, Israel posiciona guardas, na maior parte desarmados ou com armas leves, na entrada de escolas, shoppings, cinemas e outros equipamentos públicos. Nas suas primeiras linhas de defesa existem operações de inteligência, cercas de fronteira e forças de segurança do Estado.
Enquanto a lei israelense não garante o direito a portar armas, como faz a Constituição norte-americana, os colonos enxergam a terra que ocupam como seu direito concedido por Deus, argumentando com a promessa bíblica feita ao seu patriarca Abraão.
Tanto os colonos como os americanos que portam armas ignoram a realidade atual amplamente distinta, comparada com a era na qual tais promessas e garantias teriam sido feitas.
Os americanos receberam o direito de portar armas no contexto de uma Guerra de Independência contra colonizadores britânicos e da existência pioneira de uma União ainda em formação.
Para os israelitas, a Terra Prometida era um símbolo de esperança através de milênios de perseguição e exílio. Com os Estados independentes e estáveis contemporâneos, forças policiais domésticas estabelecidas, imposição da lei por autoridades e mesmo fortes exércitos equipados com arsenais nucleares, nenhum desses contextos é mais, nem remotamente, relevante para israelenses ou americanos.
E a opinião pública parece concordar.
PROTEJAM A GENTE – NÃO AS ARMAS !
Após o assassinato em massa de 17 pessoas no mês passado, num colégio de Flórida, o apoio ao controle de armas disparou para seu nível máximo nos últimos 25 anos. Conforme uma pesquisa da ‘Politico/Morning Consult’, por exemplo, 68% dos eleitores registrados dizem apoiar leis mais restritivas para armas.
Enquanto estimados 400 mil dos 8,6 milhões de habitantes de Israel (menos que 4%) vivem na Cisjordânia, a grande maioria dos israelenses nunca colocaram o pé ali, seja por temor de ataques palestinos ou por um senso de alienação do estilo de vida e crenças dos colonos.
Pesquisas de opinião consistentemente indicam que a metade ou mais dos israelenses apóiam o estabelecimento de alguma forma de Estado Palestino, ou seja, a cessão de territórios para os palestinos.
DEFENDAM ISRAEL – NÃO A OCUPAÇÃO !
Apenas 11% apóiam a anexação da Cisjordânia a Israel. Mesmo entre os eleitores do Likud – conforme pesquisa feita no mês passado pelo CIS [ Commanders for Israel’s Security ], um grupo de oficiais graduados de reserva – apenas 30% apoiariam a anexação. Mas, sob a influência dos linhas-duras do Likud e de seus aliados à direita na coalização de governo, como o partido ‘HaBayit HaYehudi’, Israel está adotando cada vez mais legislações voltadas para anexar a Israel grandes extensões da Cisjordânia.
Glick concorda que uma maioria dos eleitores do Likud provavelmente não apóiam a anexação, mas observa que o comitê central do Partido votou em peso, no ano passado, numa resolução não impositiva, pela anexação. Ele também discorda que a maioria dos israelenses não apoiam o empreendimento de assentamento: “Conforme os anos vão passando, nos tornamos cada vez mais uma mainstream. Existem 400 mil colonos e cada um deles tem famílias que, numa estimativa grosseira, levam a uma quantidade de cerca de 2 milhões israelenses que nos apoiam”, disse ele. “Cada grupo de interesse tenta exercer influência e nós não somos diferentes”.
Não é claro se o presidente americano Donald Trump quis dizer o que falou em 28 de fevereiro, quando pareceu abraçar o controle de armas e instar os legisladores republicanos a restaurar as leis rejeitadas por anos pela NRA. O que é evidente é que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que vê Trump como sua alma gêmea, tem pouca probabilidade de renunciar ao apoio do lobby dos assentamentos e seus representantes no Likud, que impuseram uma paralisia debilitante nas perspectivas de paz com os palestinos.
Netanyahu repetidamente despistou sobre suas opiniões sobre um Estado Palestino. Mas resta pouca dúvida sobre sua convicção profunda e messiânica de que só ele pode proteger Israel da aspiração palestina por estabelecer seu próprio Estado na Cisjordânia.
Ele conseguiu convencer muitos israelenses desta ameaça. Tornou-se um refém voluntário dos colonos e de seus líderes.
A autora Ruth Sinai é uma jornalista premiada e comentarista israelense-americana. Já cobriu o Oriente Médio para a Associated Press e os setores de defesa e diplomacia em Washington. Em Israel, escreveu sobre assuntos sociais para o Haaretz e outras publicações e sites, com colunas e participações regulares em noticiosos de rádio e TV. Recebeu o prêmio máximo de jornalismo em Israel, o Prêmio Sokolov.
[ por Ruth Sinai – publicado no Al-Monitor/Israel Pulse em 08|03|2018 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]