Íntegra do Discurso de Barack Obama no funeral de Shimon Peres
O resgate do sionismo humanista
Ninguém sabe se haverá um terceiro discurso. Mas os dois grandes discursos que o presidente americano Barack Obama nos proferiu, em março de 2013 e em setembro de 2016, já o tornaram o mais expressivo expoente do sionismo progressista da atualidade.
Eitan Haber escreveu muitos discursos emocionantes para Yitzhak Rabin. Shimon Peres foi um orador bem-dotado e brilhante. Ehud Barak fez dois discursos visionários no ano passado. Yair Lapid (líder do partido Yesh Atid [“existe um futuro”] também fez um depoimento importante e de amplo espectro, que a mídia não ecoou.
Mas o único posicionamento sionista progressista foi feito aqui – nessas duas ocasiões – e, ironicamente, pelo presidente dos EUA.
A seu crédito – e para nossa vergonha – precisamos admitir que as observações, no Centro de Convenções Internacionais de Jerusalém, do estadista nascido no Havaí – (em sua primeira visita a Israel como presidente) e no Cemitério do Monte Herzl (no recente funeral de Shimon Peres) foram mais precisas, objetivas e instigantes do que qualquer coisa dita por qualquer líder de centro-esquerda israelense da última geração.
O que disse Obama?
No seu primeiro discurso, traçou uma conexão fascinante entre os Rolos do Mar Morto [documentos escritos há cerca de dois milênios] e a tecnologia israelense, que já chegou a Marte. Ele ligou os lugares santos da Terra de Israel aos startups do Estado de Israel e à vitalidade de Tel Aviv. Ele nos contou que a nossa história é de escravidão, de vagar pelo deserto, de fé, perseverança, sofrimento, exílio, perseguições, pogroms, genocídio, de kibutzim que fizeram o deserto florescer, de empreendedores que criaram prosperidade e de uma democracia exemplar.
Ele expressou seus respeitos pelo Shrine of the Book [“Templo do Livro”] , o Yad Vashem [Museu do Holocausto] e aos túmulos de Herzl e de Rabin, às crianças de Sderot [alvejadas por foguetes de Gaza] e os sobreviventes do Holocausto, que temem um Irã com armas nucleares.
E então – só então – disse-nos que a paz é necessária. Porque, sem paz. Israel não pode sustentar-se e prosperar como Estado Judeu e democrático. E nos contou que a paz é justa. Porque também os palestinos têm o direito à autodeterminação.
E nos disse que a paz não é garantida, mas é possível. Finalmente, ele fez um chamado para fazermos o trabalho de consertar o mundo, o “Tikun Olam”, terminando com a saudação: “Que D’us os abençoe. Que D’us abençoe Israel.
No seu segundo discurso, Obama disse que a história de Shimon Peres foi similar à História de Israel. “O menino que cresceu num [vilarejo de judeus na Europa Oriental], cercado por um mar de florestas compactas e ameaçadores”, o jovem cujo avô foi queimado vivo na sinagoga, o adolescente que tentou criar uma sociedade modelar no kibutz, o jovem homem que contruiu a indústria israelense de defesa, o estadista adulto que procurou criar a pas.
Obama disse que a “história de Shimon, a História de Israel, é … a história de gente que, por tantos séculos no abandono, nunca desistiu de seu desejo humano básico de voltar ao lar. É a História de um que sofreu sob as botas da opressão e o fechamento da porta da câmara de gás, e mesmo assim jamais desistiu de sua fé na bondade”.
“Justiça e esperança estão no coração do ideal sionista”, disse no nosso convidado nº1. “O escepcionalismo de Israel” está enraizado não apenas na fidelidade do povo judeu, mas na visão ética e moral” da fé judaica.
E então – só então – após ter demonstrado sua admiração pelo judaísmo, o sionismo e a isrealidade, Obama corajosamente citou Peres: “O povo judeu não nasceu para dominar outro povo”. E disse, corretamente, que a melhor defesa do ideal sionista é que os palestinos, também, tenham um Estado. Com muito amor e preocupação, Barack Obama nos pediu para escolher a vida.
Pode-se – e se deve – debater a política do 14º presidente para o Oriente Médio. Mas os grandes discursos deste líder moral provam, acima de qualquer dúvida, que ele é um amigo verdadeiro de Israel, e vê com desesperança Israel cometendo o suicídio em câmara lenta. E provam o quanto Israel precisa de seu próprio Obama, alguém que possa nos contar a nossa História, encontrando o nosso equilíbrio interno. E que nos inspire.
Face à extrema direita (que esqueceu o significado de ser judeu) e da extrema esquerda (que esqueceu o orgulho de ser israelense), Barack Obama propõe que nós sejamos sionistas humanistas.
[ artigo de Ari Shavit | publicado pelo Haaretz em 06|10|2016 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]