A capacidade de distinguir o matiz é o que diferencia a civilização da barbárie
Oscar Wilde
O conflito israelense-palestino tem ocupado um lugar central nas disputas ideológicas do Ocidente nas últimas décadas. Ao contrário do que muitos imaginavam, o fim da Guerra Fria não foi seguido por uma época de paz nas relações internacionais. Os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 e a invasão do Iraque pelos EUA em 2003 ajudaram a reconstruir uma grande narrativa bélica em nível internacional, que tem sido reforçada pelo “inverno islamista” que se seguiu à chamada primavera árabe, iniciada em 2011. Para a direita neoconservadora, o discurso da “guerra de civilizações” ganhou estatuto de evidência. A civilização ocidental, na qual teriam triunfado o capitalismo e as democracias liberais, ver-se-ia assediada pelo fundamentalismo islâmico, um novo discurso totalitário capaz de arregimentar o ressentimento de Estados e sociedades fracassadas contra o afluente Ocidente democrático.
É interessante notar que este discurso de guerra de civilizações também é reivindicado pelos movimentos extremistas islâmicos, que apenas invertem-lhe os sinais. Para estes, toda a grande crise que atravessa as sociedades islâmicas seria explicada pelo fato de que estas e, sobretudo, as suas elites, teriam se deixado contaminar pela ideologia materialista e hedonista do capitalismo ocidental. Os mais caros valores que a história e a tradição teriam tecido nessas sociedades estariam corrompidos pela lógica das relações mercantis. A guerra, então, seria em primeiro lugar uma guerra cultural a ser travada contra o poder sedutor e corruptor do Ocidente capitalista. Só assim as sociedades muçulmanas poderiam recuperar suas glórias de um passado idealizado. A jihad seria seu método. E o Islã a solução.
Além da “guerra de civilizações”, há uma segunda narrativa que alimenta e, de certa forma, hipostasia o conflito israelense-palestino como o conflito central de nossa época. Trata-se da tradicional narrativa antiimperialista de setores da esquerda marxista. É preciso deixar claro que não me refiro aqui ao conceito de imperialismo e sua suposta vigência no século XXI. Embora esse debate tenha sua importância, a narrativa antiimperialista a que me refiro se caracteriza justamente por transfigurar os poderes limitados e os interesses geopolíticos circunscritíveis das grandes potências capitalistas em verdadeiro princípio metafísico e globalizante que organiza o mundo e lhe confere coerência e inteligibilidade. Refiro-me aqui, portanto, a uma espécie de “visão de mundo” que subsume a crítica marxista da economia política e sua descrição da dominação impessoal do capital. É como se o capital deixasse de ser apreendido como “sujeito cego e automático” e passasse a encarnar no “Império” e em seu “gendarme” israelense, operação pela qual a complexidade da crítica marxista é deslocada por um binarismo primário e maniqueísta, não raro resvalando para o antiamericanismo e o antissemitismo.
No Brasil, assim como na maioria dos países da periferia capitalista, o “antiimperialismo”, enquanto esquerdismo empobrecido, talvez seja ainda o maior responsável por um grande número de distorções históricas, equívocos conceituais e preconceitos ideológicos dominantes nos meios de esquerda quando o tema é Israel e a questão palestina. Para uma crítica consequente de tais distorções, faz-se necessária, todavia, uma breve caracterização estrutural do conflito israelense-palestino.
Em primeiro lugar, é preciso desfazer o que talvez seja a mãe de todas as distorções produzidas pelo antissionismo, tanto de esquerda quanto de direita, oriundo da mencionada “weltanschauung” antiimperialista, a saber: a assimilação, tanto conceitual quanto histórica, entre sionismo e colonialismo. Neste sentido, são sempre citadas pelos ideólogos antissionistas as famosas declarações de Theodor Herzl, pai fundador do sionismo político, sobre “uma terra sem povo para um povo sem terra” e sobre o Estado judeu como um baluarte da civilização na “barbárie Oriental”. É claro que Herzl era um homem de seu tempo, um burguês judeu-europeu que via no apoio das potências colonialistas europeias a única possibilidade de criação de um Estado judeu na Palestina, de modo que todas as suas gestões políticas junto às autoridades das potências coloniais da Europa organizaram-se nos termos e nas categorias do colonialismo da época.
Entretanto, um estudo, mesmo que sumário, da biografia de Herzl e de seus propósitos e motivações revela claramente que o que movia o líder sionista não eram interesses de ganhos materiais com qualquer empresa colonialista, mas sim a busca da solução para a então chamada “questão judaica”. Com efeito, Herzl abraçou o sionismo somente após desenganar-se com as expectativas de sucesso de assimilação dos judeus pelas nações europeias. Depois de cobrir como jornalista de um diário vienense o famoso “affaire Dreyfus” na França, ele chegou à conclusão, pessoalmente dolorosa, de que o projeto dos judeus assimilacionistas, como ele próprio fora até então, estava condenado ao fracasso e que os judeus europeus, tanto pela fragilidade de suas posições na sociedade e economia europeias, quanto pelo lugar especial que ocupavam no imaginário ocidental, constituíam a parte mais vulnerável na grande guerra civil em que sucumbiriam as nações da Europa. O sionismo surgiu para Herzl como uma solução moderna, nacional, para o moderno antissemitismo, que não era mais nominalmente religioso, mas racial: um produto das contradições sociais e políticas que internamente dilaceravam os Estado-nações europeus e que os inclinariam em direção à guerra. Em essência, portanto, era um movimento de libertação nacional de um povo singularmente disperso. O apoio da Inglaterra poderia desempenhar, contingencialmente, apenas o papel de um vetor.
Além disso, mesmo que Herzl fosse um colonialista empedernido, esse fato, em si, nada provaria a respeito de uma suposta “essência colonialista” do sionismo. A adesão de uma parte importante dos judeus europeus, inicialmente minoritária, mas que historicamente foi ganhando importância e vigor, demonstrou que o projeto sionista nada tinha de artificial. Ele foi uma resposta que pareceu plausível a uma questão autêntica e pungente dos judeus da época; questão cuja dramaticidade a história se encarregaria de demonstrar ser impossível superestimar. Enquanto movimento nacional, progressivamente hegemonizado por uma esquerda militante e socialista, o sionismo foi capaz de reviver uma língua antiga e criar um povo novo: os judeus israelenses, com toda sua diversidade, cultura e instituições. É claro que – deveria ser desnecessário dizer – tanto o sionismo quanto o Estado de Israel não só podem como devem ser criticados. Mas ao reduzir todo o movimento de libertação e reinvenção de um povo a uma mera ideologia de dominação, o que certa esquerda faz com a palavra “sionismo” consiste numa deturpação e numa violência tão grandes quanto as que foram historicamente perpetradas pelo antissemitismo com a palavra “judeu”. Para os antissionistas, Israel passa a encarnar não o Estado soberano no qual um povo se vê e se sente representado, e através do qual exerce o seu direito de autodeterminação, mas uma “entidade artificial”, a plasmação mais pérfida do dinheiro e poder ocidentais. Nada menos do que o produto de uma conspiração imperialista para dominar os povos árabes. É neste contexto que a destruição de Israel e o assassinato em massa de sua população civil passam a ser, se não aprovados, ao menos aceitos como uma “opinião” legítima nos meios dessa esquerda dita “antiimperialista”, a qual, nessa questão, objetivamente, faz frente comum com a extrema-direita islamista.1 O óbvio resultado político da mistificação antissionista é o fortalecimento da direita israelense, que joga com a confusão entre a luta palestina por liberdade e autodeterminação e a destruição de Israel. Uma confusão que essa direita pode ser acusada de promover, mas que não inventou.
Contra isto, é preciso afirmar, em primeiro lugar, que o conflito entre israelenses e palestinos é o produto histórico do embate de dois movimentos nacionais pelo mesmo território. Trata-se, portanto, independentemente das sucessivas variações na correlação de forças entre os contendores, de um conflito estruturalmente simétrico entre duas poderosas narrativas igualmente legítimas. Estabelecer essa legitimidade histórica do sionismo e do Estado de Israel não tem nada a ver com a pretensão de justificar crimes e grandes injustiças que foram e continuam sendo perpetrados contra o povo palestino por este Estado. O que se trata aqui é de tornar claro que tanto a Nakba quanto a ocupação não foram o resultado inevitável de uma suposta “essência” colonialista, expansionista ou mesmo racista do sionismo, mas produtos circunstanciais de guerras e de disputas políticas internas a ambos os movimentos nacionais.
Após a Guerra dos Seis Dias (1967) o conflito árabe-israelense aumentaria em complexidade. À sua estrutura simétrica, acima referida, viria somar-se uma camada claramente assimétrica: a ocupação israelense da Cisjordânia e Gaza colocaria territórios densamente povoados por árabes-palestinos sob ocupação militar de Israel. Precisamente nessa camada assimétrica é que iria se alicerçar o giro discursivo empreendido a partir daí por todo o bloco alinhado a URSS na Guerra Fria. O sionismo definitivamente deixava de ser entendido como um movimento de libertação nacional e o direito de autodeterminação israelense passava a ser deslocado, quando não simplesmente anulado, pelo discurso da “entidade sionista”, que não passaria de um “enclave artificial” imperialista no Oriente Médio. Todos os significantes clássicos do antissemitismo moderno: “superpoder”, “dominação mundial”, “conspiração”, “parasitismo”, “artificialidade”, “desenraizamento” “belicismo”, “racismo”, “controle da mídia”, etc., seriam deslocados para o significante “sionismo”, o qual passaria então a condensar em si uma nova versão, palatável a certa esquerda, da demonologia antissemita.
Novamente, os judeus (ou uma parcela deles) eram desumanizados por um discurso que os reduzia a uma abstração,2 com o que se abria espaço, talvez pela primeira vez, para os movimentos comunistas do mundo inteiro reivindicarem a destruição de um país.
O fim da Guerra Fria não abalaria fundamentalmente a ideologia antissionista. No Oriente Médio, como sabemos, o fundamentalismo islâmico vem progressivamente ocupando o vácuo de poder deixado pela falência das ditaduras nacionalistas árabes e renovando a antiga retórica antiimperialista, agora, como já vimos, traduzida nos termos de uma guerra de civilizações. No Ocidente, embora a esquerda antiimperialista tenha perdido o referencial positivo, mesmo que ilusório, de um movimento revolucionário internacional, a visão de mundo antiimperialista – calcada, como sempre foi, no ódio ao inimigo absoluto – não foi abandonada, mas se rearticulou no interior dos movimentos antiglobalização e no apoio acrítico a setores do extremismo islâmico, que passaram a figurar como uma vanguarda do “campo antiimperialista” – o nacionalismo árabe sendo substituído pelo “eixo da resistência”: Irã, Hezbollah e Hamás.
Através deste último deslocamento, a causa palestina continuou a figurar como a questão maior, emblemática, dos movimentos “antissistêmicos” do mundo todo. Como o leitor já deverá ter percebido, meu argumento aqui é que esta aparente universalidade da questão palestina – a qual, não há o que discutir, é uma questão legítima, grave e urgente – não se deve tanto à abominável ocupação imposta aos palestinos por Israel, mas ao fato de que essa ocupação em particular tornou possível a rearticulação, agora não mais apenas no Ocidente, de uma nova e abrangente narrativa maniqueísta e pseudoemancipatória. O antissionismo, enquanto condensa em si um mítico discurso antiestablishment, reviveu a antiga “questão judaica”, este fantasma persistente produzido pela “dialética do esclarecimento”.
Mas o fantasma da modernização capitalista é bifronte. Como bem demostrado por Hanna Arendt, o moderno antissemitismo é o irmão gêmeo, o duplo internalizado, do racismo contra os povos de origem colonial. Esse preconceito contra o bárbaro “irracional e violento”, incapaz de compreender o apreço que somente os brancos ocidentais teriam pela dignidade e liberdade humanas, abandonou, em parte, o antigo apelo à biologia e se reconfigurou como luta cultural, vislumbrando no Islã militante o seu grande inimigo e no Estado de Israel (ironicamente “branqueado”) o seu maior campeão. A isto ainda vem se somar, sobretudo nos Estados Unidos, o apelo messiânico-escatológico do chamado “sionismo cristão”, um tipo de fundamentalismo difuso assente em mitológicos paralelismos entre a excepcionalidade americana (“destino manifesto”) e a judaica (“farol para os povos”) e que relê a hegemonia ocidental enquanto superioridade de um judeu-cristianismo idealizado.
Por todo o acima dito, penso que a solução do conflito israelense-palestino passa, inicialmente, pela desativação dos mecanismos ideológicos responsáveis pela inflação desse conflito – mecanismos estes que lhe conferem, em parte, uma dimensão de conflito vicário. Tal tarefa impõe a israelenses e palestinos, a judeus e árabes, que se dispam de suas fantasias ideológicas emprestadas, para que possam apreender, com sobriedade, aquilo que verdadeiramente os opõe entre si. Só assim poderão também vislumbrar aquilo que, eventualmente, poderia uni-los.
Em outras palavras, é preciso desativar a dimensão vicária do conflito e, ao mesmo tempo, procurar resolvê-lo em sua dimensão real, que é dupla. E por que dupla? Porque, como procurei ressaltar, além da dimensão simétrica de embate entre dois movimentos nacionais igualmente legítimos, este conflito é também, e simultaneamente, um conflito assimétrico que opõe um povo ocupado e que luta por sua liberdade a um Estado ocupante e opressor. O ponto a se atentar é que ambas essas dimensões (simétrica e assimétrica) não estão claramente separadas, mas, ao contrário, se confundem tanto subjetiva quanto objetivamente. Uma confusão que nada tem de neutra, atuando decisivamente no sentido da polarização ideológica e da perpetuação da guerra.
Quando o Hamás lança foguetes sobre as principais cidades israelenses e organiza atentados terroristas dentro de Israel, ele é visto por grande número de palestinos como o único grupo que responde legitimamente à violência da ocupação israelense. Ele também é apoiado por palestinos que querem vingança e o triunfo da bandeira do Islã através da destruição de Israel e do “inimigo sionista”. Ambas as atitudes coexistem e nem sempre é possível separá-las claramente.
Quando Israel retalia, bombardeando alvos do Hamás em meio à população civil palestina, matando e ferindo grande número de civis, uma parte dos judeus israelenses apoia as ações do exército porque quer o resgate da “Terra de Israel completa” ou porque não consegue enxergar nos palestinos nada além do velho e terrível inimigo antissemita. Outra parte dos judeus israelenses, que em princípio estaria disposta a reconhecer os direitos nacionais palestinos com a criação de um Estado palestino ao lado de Israel e que gostaria de conviver com os vizinhos em paz, também apoia a tsahal3por estar convencida de que não há outro modo de combater o terrorismo islâmico que objetiva a destruição de Israel. Pensando primeiramente em sua segurança, esta parcela da população desvia o olhar ante os crimes de guerra israelenses ou, em negação, procura se convencer de que Israel seria forçado a agir da forma brutal que age e que a culpa pelas mortes de civis caberia exclusivamente ao Hamás.
Novamente, ambas as atitudes coexistem de um modo que nem sempre é possível discerni-las claramente4 . Quanto mais indiscriminada é a violência de lado a lado mais ela reforça os extremistas que, em ambos os lados, retiram a sua força e legitimidade justamente do enfraquecimento da capacidade de discriminar, apostando na homogeneização e na desumanização do povo inimigo. O resultado é um circuito fechado de medo, ódio e vingança que se retroalimentam; circuito que favorece o surgimento de fascismos e fundamentalismos e que, inversamente, isola e enfraquece as forças democráticas que em ambos os povos poderiam aliar-se na luta por uma paz justa.
Uma crítica frequente de setores de esquerda à caracterização acima é que não seria lícito estabelecer uma simetria entre a violência do Hamas e a de Israel. Israel é um Estado opressor enquanto o Hamas seria um movimento de libertação nacional de um povo oprimido. E não se poderia censurar um povo oprimido por seus métodos de luta, quaisquer que sejam estes métodos. Creio haver aqui um conjunto fatal de confusões. Em primeiro lugar, impõe-se a pergunta: seria o Hamás realmente um movimento de libertação nacional palestino? Não há dúvida de que ele está baseado na Palestina nem de que é composto por palestinos. Mas isto não é suficiente para que ele seja caracterizado como um movimento nacional, na medida em que só é nacional um movimento que traz em si um projeto determinado de nação. Ora, o Hamás surge e ganha força justamente no processo de crise do nacionalismo árabe e palestino, quando este começa a se decompor e a perder a primazia para o fundamentalismo islâmico, o qual tem por referência maior não mais qualquer nação árabe particular, mas a Ummá, o conjunto dos fiéis, a “nação” islâmica. É esta essência islamista do Hamás que imprime à sua luta contra Israel um caráter não mais nacional, mas claramente de dever religioso de resgate da terra islâmica (wafiq); dever este que só seria realizado com a destruição de Israel (“entidade sionista”) e a criação de um Estado Islâmico em toda a Palestina histórica.
Ainda menos sentido faz classificar o Hamás como movimento de libertação, pois não basta ter como inimigo um Estado que promove uma ocupação para adquirir um estatuo libertário. Aqui é necessário enfatizar o óbvio: movimento de libertação é aquele que luta pela liberdade. E não há qualquer liberdade no horizonte do Hamás, apenas uma ditadura obscurantista cujo estabelecimento pressupõe o genocídio de outro povo. Portanto, com relação ao Hamás, nem sequer se coloca o problema clássico das lutas de libertação, aquele da ocasional contradição entre meios violentos e fins: “paz”, “justiça” e “liberdade”, pois não há contradição alguma entre os meios e os fins desse movimento fundamentalista – seus fins apontam claramente para a destruição de Israel e dos judeus israelenses (o Hamás é abertamente antissemita), sem qualquer distinção entre combatentes e civis. É evidente que o terrorismo é o meio adequado a esses fins.
É verdade que a força do Hamas vem, em grande parte, da perenização da ocupação imposta por Israel. É compreensível – e aqui não vai nenhuma justificação do terrorismo – que crianças e jovens que dos israelenses só conhecem os soldados armados de tanques e de fuzis e as bombas que periodicamente caem do cé – e que vivem um cotidiano de cerco, desesperança e humilhação –, sejam atraídos pela propaganda de força e de vingança do Hamás, bem como pelo “Deus grande” (“Alah Akbar”) que levará finalmente a destruição aos seus opressores e aos inimigos do Islã. Não há dúvida de que o martírio e seu culto da morte podem aparecer como uma saída reta e sedutora do labirinto de medo e impotência em que a ocupação israelense transformou a vida do povo palestino. Mas dizer que o fundamentalismo islâmico se alimenta da injustiça e da opressão não é o mesmo que dizer – como já aludi acima – que ele luta no sentido da justiça e da liberdade. Em guerras, a lucidez frequentemente se transforma em artigo escasso e precioso. E, muitas vezes, é mais precioso ali onde, por razões compreensíveis, ele é mais escasso: entre os oprimidos. O niilismo terrorista não apenas ilude os palestinos com suas falsas promessas de redenção, mas também lhes rouba o que talvez seja a sua arma mais poderosa: a superioridade moral da luta de um povo por liberdade – luta que se determina na medida em que elege seus fins e discrimina seus meios – o que é outra forma de dizer que a violência indiscriminada jamais será um meio para a luta por liberdade e por uma paz justa. O direito internacional, que reconhece a legitimidade da luta de resistência à opressão e que condena a ocupação israelense é o mesmo que reconhece o direito de Israel existir e que veta o uso da violência terrorista contra civis. Em sua luta por independência, os palestinos terão que escolher entre um e outra, pois não há conciliação possível entre o direito e o terror.
Portanto, é preciso que não haja qualquer conivência da esquerda democrática e verdadeiramente internacionalista com a palavra de ordem criminosa que clama pela destruição de Israel. Pois há que se ultrapassar todos os limites do fanatismo ideológico ou, inversamente, do cinismo (ambas as coisas não se excluem necessariamente) para sustentar que, após a destruição da “entidade sionista”, com o auxílio dos movimentos islamistas e das ditaduras da região, se formaria um Estado único e democrático com os judeus que, porventura, sobrevivessem à tal “solução”. Eis aí o delírio ideológico do “Estado único e democrático pós-Armagedon”, perto do qual a antiga consigna stalinista da destruição dos kulaks “enquanto classe” ganha ares de honestidade e sensatez.
Sim ao Acordo de Genebra
Uma vez excluída a noção farsesca do “Estado único e democrático”, é preciso que atentemos para aqueles que fazem uma defesa honesta dessa posição, pois há bons argumentos para isso. Judeus-israelenses e árabes-palestinos não se encontram rigidamente separados: cerca de 20% da população de Israel (dentro da linha verde) é formada de árabes com cidadania israelense, muitos dos quais (talvez a grande maioria) se identificam muito mais com a nação árabe-palestina do que com o Estado de Israel; também nos territórios palestinos ocupados há cerca de 500 mil colonos judeus, e seria muito difícil (irrealista, para muitos) a evacuação desses assentamentos e a transferência de toda sua população para dentro a linha verde;5 o território em disputa é muito pequeno e há uma série de problemas concretos (por exemplo, gestão da água e da cidade de Jerusalém, questões de segurança, etc.) que necessariamente envolveriam algum tipo de colaboração condominial. Por fim, e não menos importante, há a questão dos refugiados palestinos da guerra de 1948, cujo direito de retorno, se implementado na íntegra, obviamente inviabilizaria qualquer solução de dois Estados. Entretanto, se as razões em prol da solução de “um Estado” são boas, é forçoso reconhecer que elas esbarram na rocha das identidades nacionais. Nações não nascem de soluções racionais para dilemas políticos e geográficos, mas do sentimento de pertença a comunidades de origem e/ou de destino. Comunidades imaginadas enquanto coletividades humanas que compartilham memória e cultura, bem como o desejo de construir um futuro comum. A história nos mostra o quão delicados e perigosos são os arranjos políticos plurinacionais. Mesmo numa região próspera e pacificada como a Europa, temos visto nas últimas décadas a emergência de movimentos nacionais separatistas. Particularmente no Oriente Médio, desde o fim do domínio colonialista anglo-francês, a história das relações políticas entre diferentes nações e grupos etno-religiosos tem sido, em grande parte, uma história de opressão, guerras e massacres, que não tem feito senão se agravar até os dias que correm. Nesse contexto, pretender unificar sob um mesmo Estado dois povos que há um século estão em guerra – e numa guerra (nunca será demais sublinhar) que tem assumido para ambos uma dimensão existencial – não parece ser algo minimamente factível. Já que estamos tratando de uma proposta de união que seria democrática, então é incontornável a existência de duas precondições: confiança recíproca e vontade política de coabitar em um mesmo Estado. Duas coisas muito fáceis de entender, mas muito difíceis de serem construídas.
Para todos os que defendem uma solução do conflito baseada em princípios democráticos e nos direitos humanos, a solução de dois Estados se impõe, portanto – ao menos no curto prazo – como algo incontornável, pois é a única solução que atende aos legítimos anseios de autodeterminação e segurança de ambos os povos. E quando falamos em direito de autodeterminação – um direito democrático que foi historicamente compartilhado por direita e esquerda oriundas do iluminismo – é preciso ficar claro que não tratamos aqui de um direito menor, pois envolve, positivamente, uma dimensão essencial da condição humana, que é a dimensão de autoafirmação política dos agrupamentos culturais, isto é, a dimensão humana da pluralidade. E, “negativamente”, o direito em tela também envolve algo primordial, que é o direito dos povos a viverem livres da ameaça da morte violenta. Neste ponto emerge outra assimetria, pois quando falamos em segurança, falamos de um problema de todos, mas que, quando se trata da questão nacional, afeta desigualmente os agrupamentos humanos na medida mesma em que estes se diferenciam numericamente em maioria e minoria. Aqui há que deixar claro a maior vulnerabilidade demográfica dos judeus israelenses, os quais constituem na região uma minúscula minoria em face do vasto mundo árabe e islâmico; uma minoria que, uma vez privada do direito de ter um exército próprio, remanesceria inerme, sem quaisquer meios de autodefesa. Para a grande maioria dos judeus israelenses (e não só israelenses), esse ponto é de tal modo decisivo que torna para eles, ao menos no presente momento, a solução de Estado único simplesmente inconcebível.
Uma vez que chegamos à conclusão de que não há alternativa para a solução de dois Estados, surge a inevitável pergunta de como resolver a pungente e delicada questão dos refugiados palestinos. Por um lado, o direito internacional lhes faculta o direito de retorno. Por outro lado, o mesmo direito internacional também reconhece o direito dos judeus-israelenses à autodeterminação e a viver em segurança. Diante de qualquer avaliação realista, ambos os direitos apresentam-se como francamente incompatíveis. Nesses casos, de choque de direitos, a história, como sabemos, costuma dar a última palavra ao lado mais forte. Mas não é fatal que seja assim, pois existe a possibilidade – também prevista no direito internacional – de solução negociada, pela qual o retorno literal pode ser substituído por indenizações adequadas e reassentamento dos refugiados nos territórios destinados ao futuro Estado da Palestina, ou, alternativamente, em outros territórios que estariam abertos a sua escolha.6Em qualquer solução minimamente justa, Israel terá que reconhecer sua parte de responsabilidade pela Nakba e cumprir com suas obrigações materiais e simbólicas de reparação. Por outro lado, os palestinos também terão de reconhecer que o sonho de retorno às terras originárias da Palestina histórica é um sonho impossível, pois traduz o desejo irrealizável de anular o tempo e de apagar do mapa a história do sionismo e de Israel.
Diante do impasse instalado, de um lado, pelo domínio avassalador da direita israelense, a qual rejeita a criação de um Estado palestino viável nas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias e, de outro, pela hegemonia cada vez maior do Hamas nos movimentos de resistência palestina, boa parte da esquerda ocidental, progressivamente, tem visto no movimento BDS (Boycott, Disvestiment, Sanctions) uma grande oportunidade de apoiar a causa palestina. Traçando um claro paralelo entre Israel e o antigo regime de apartheid da África do Sul, o BDS sustenta que o remédio que foi eficaz contra o bôeres pode perfeitamente funcionar também contra os sionistas. Defendendo um boicote total e indiscriminado a Israel (sem diferenciar entre o que seria território legítimo israelense e o que seriam territórios palestinos ocupados) o BDS pretende atingir três objetivos: a) fim da ocupação de Gaza e Cisjordânia; b) fim de um conjunto de leis vigentes em Israel que privilegiam cidadãos judeus em detrimento de sua população árabe; c) retorno dos refugiados palestinos ao que é considerado hoje pela maioria da comunidade internacional território israelense. Formado por palestinos e alegadamente não violento – em seus sites o movimento enfatiza que sua atividade é voltada exclusivamente contra as instituições israelenses e não contra os israelenses enquanto pessoas –; o BDS solicita o apoio de pessoas, movimentos e instituições de todos os países do mundo para obter êxito em seus objetivos políticos. Após anos de prepotência israelense e de fracasso de todas as tentativas de negociação é grande o impulso que move não apenas a esquerda, mas todos os movimentos democráticos do mundo no sentido do apoio enfático ao BDS. E, de fato, este movimento já coleciona algumas importantes vitórias.
A argumentação oficial israelense (hasbará7 ) contra o BDS, em geral, não é convincente. Primeiramente, existe a tentativa canhestra de tachá-lo sumariamente de antissemita, comparando-o a outros movimentos do passado, quando o antissemitismo ensejava boicotes infames contra judeus. Não há dúvidas de que grupos antissemitas podem aderir ao BDS, mas o movimento em si, como já foi assinalado, não visa os judeus enquanto judeus, mas um Estado que viola direitos. Seu objetivo declarado não é a discriminação negativa de judeus, mas, ao contrário, a obtenção da igualdade entre árabes-palestinos e judeus-israelenses, através de pressões legítimas pelo cumprimento de disposições do direito internacional e de resoluções da ONU. Mais persuasiva é a alegação dos opositores do boicote de que muitos de seus apoiadores e promotores estariam discriminando o Estado judeu através do exercício de um duplo padrão moral. É, sem dúvida, irônico e um tanto perturbador observarmos intelectuais e artistas europeus e estadunidenses exigindo, contra seus colegas israelenses, a adoção de sanções que jamais sequer cogitaram aplicar contra si mesmos. No mesmo sentido, nos são citadas as inúmeras minorias que, em todo o mundo, são oprimidas sem que igualmente se proponha qualquer medida análoga contra os Estados que as oprimem. Poderíamos aqui lembrar da Rússia em relação aos chechenos; da Turquia em relação aos curdos; da China em relação aos tibetanos e uigures; de muitos países árabes e islâmicos em relação às suas diversas minorias não árabes e/ou não islâmicas, e (por que não?) do Brasil em relação aos seus índios, mas também aos seus cidadãos negros, habitantes de favelas e das periferias de grandes centros urbanos. Segundo muitos de seus opositores, o crescente apoio ao BDS se deveria, em grande parte, ao impulso inconfessável de deslegitimar Israel, transformando-o em um Estado-pária, “o judeu entre as nações”. O problema, neste caso, com o argumento do double standard é que ele reduz a lógica da ação política à do julgamento moral. É evidente que existe um aspecto moral na raiz do BDS, mas o que o torna efetivo não é, necessariamente, a alegação de que Israel seria pior do que outros Estados opressores, mas o fato de que os palestinos (e não outros grupos oprimidos) estão conseguindo se organizar e dar aos boicotes viabilidade prática. O mesmo fizeram os negros sul-africanos no passado e nada impede que, futuramente, outros grupos oprimidos sigam esse caminho.
Entretanto, o leitor que acompanhou até aqui o argumento central deste texto certamente notará que existe, também no BDS, uma armadilha que, a bem de ambos os povos envolvidos neste conflito, é imperioso evitar. Em princípio, não há nada de errado com a ideia de boicote como forma de pressão política. Muito ao contrário, usada de maneira inteligente, ela sem dúvida encontraria entre seus apoiadores muitos judeus, não apenas da diáspora, mas também de Israel. O problema aqui é que os boicotes propostos pelo BDS, ao invés de isolar o campo rejeicionista israelense e fortalecer a oposição judaica democrática, acabam tendo o efeito inverso, pois reforçam aquele caráter de indeterminação do conflito que, como já foi dito, tem contribuído para sua exacerbação e perenização. E isso ocorre porque o BDS pugna por boicotes que são indiscriminados em seus meios e ambíguos em seus fins.
Com efeito, ao invés de propor um boicote contra a ocupação8 –, a tudo o que é produzido nos territórios ocupados e a tudo que com ela se relaciona econômica e militarmente –, o BDS propõe boicotes contra todas as instituições israelenses, incluindo as universidades e instituições culturais. Pretendendo transformar, de modo generalizado e indiscriminado, virtualmente todos os israelenses em párias, incluindo os intelectuais e artistas, o que o BDS faz, mesmo que não intencionalmente, é reavivar e fortalecer o discurso antissionista e, no fundo, antissemita, da “entidade sionista” e da destruição de Israel. Isso é ainda reforçado pela ambiguidade subjacente ao objetivo final do BDS, que estabelece como meta o retorno integral dos refugiados palestinos para onde hoje é considerado território israelense, o que transformaria totalmente a composição demográfica da região, pois criaria uma ampla maioria árabe mesmo dentro de onde hoje é Israel, inviabilizando, portanto, a solução de dois Estados para dois povos. Como acredito já ter argumentado acima, qualquer solução de Estado único que seja imposta por uma das partes é inaceitável e deve ser combatida por todas as forças democráticas. Sobretudo num contexto em que a parte que pretende forçar tal união é a mesma que ficaria em ampla maioria, impondo, portanto, à parte adversária uma condição crônica de ínfima minoria indefesa. Some-se a isto o fato de que o Oriente Médio é a região do mundo onde, nas últimas décadas, tem grassado um antissemitismo radical e de abrangência de massas, o qual importou todos os temas e “soluções” sobre a questão judaica do antissemitismo europeu e mesmo do nazismo.
Portanto, o resultado final do programa do BDS deixaria os judeus israelenses numa condição talvez tão vulnerável quanto a dos judeus europeus antes da catástrofe que os dizimou.9
A memória tem um peso imenso no conflito israelense-palestino. A sua sistemática manipulação por cínicos e demagogos não deveria nos fazer negar esse fato. A vulnerabilidade demográfica e geográfica dos judeus israelenses no contexto regional deveria ser reconhecida por todos os que lutam contra a ocupação. O mesmo em relação ao antissemitismo, que há muito vem parasitando a luta palestina por liberdade e autodeterminação. Tal reconhecimento, sem dúvida, teria um efeito poderoso em favor da luta contra a manipulação da memória da Shoá por nacionalistas judeus inescrupulosos. Por outro lado, os judeus israelenses e da diáspora devem reconhecer a evidente conexão entre a violência estrutural da ocupação e o fortalecimento do extremismo islâmico. O compreensível temor por sua segurança não pode continuar servindo de álibi para dar apoio às forças reacionárias, racistas e antidemocráticas dentro de Israel. Até porque, no longo prazo, a continuidade da ocupação é o que constitui a maior ameaça à segurança e mesmo à existência de Israel.
Também é preciso dialogar com o BDS. Discordâncias, mesmo que importantes, em relação a parte de seus métodos e de seu programa não podem servir de pretexto para negar legitimidade a este autêntico movimento palestino. O único movimento – diga-se – que tem obtido algum êxito após todas as tentativas de diálogo fracassar.
Tanto em Israel quanto nos territórios palestinos há movimentos e pessoas identificados com a democracia, o laicismo e a obtenção de uma paz justa. O mesmo ocorre com as respectivas diásporas. É necessário que esses grupos atuem no sentido de combater a confusão objetiva e subjetiva que, como tentei salientar, não tem feito senão favorecer a polarização e os extremismos nacionalistas e fundamentalistas. Para tanto, é preciso, sobretudo, que sejam estabelecidos objetivos comuns muito claros,10 bem como os métodos de luta adequados e legítimos para alcançá-los; métodos que devem fazer justiça à dupla dimensão desse conflito, através da seguinte fórmula: “não falar de paz sem falar de luta contra a ocupação. E não falar de luta contra a ocupação sem falar de uma paz justa e do respeito à autodeterminação de ambos os povos”.
Não há dúvidas de que com tais precisões (de princípios, objetivos e métodos) haverá defecções em ambos os lados, pois ambos perderão muitos de seus falsos amigos. Mas esse será o preço a pagar para que os democratas e pacifistas palestinos e israelenses, judeus e árabes, possam se apoiar reciprocamente, estabelecendo na prática a unidade sem a qual dificilmente poderão conquistar a paz, a liberdade e a segurança que buscam para seus povos.
Referências
1 E aqui não vai qualquer exagero. Veja-se a seguinte nota do PSTU por ocasião da última guerra entre Israel e Hizbollah: “As organizações da esquerda mundial devem responder claramente às seguintes perguntas: estamos a favor de que a atual guerra se desenvolva até derrotar completamente o exército sionista e o Estado de Israel? Estamos a favor de que as ações contra a população do enclave colonial (grifo meu) israelense por parte do Hizbollah, do Hamas e da Jihad Islâmica aumentem e sejam cada vez mais efetivas? Estamos a favor, ou não, de exigir dos governos árabes, quaisquer que forem suas características, que intervenham nesta guerra para facilitar a derrota do Estado de Israel? Aqueles que responderem negativamente a estas questões deixaram de ser revolucionários para, nas palavras de Lênin, transformarem-se em meros pacifistas pequeno-burgueses”.<www.pstu.org.br/node/6315>. Tais posições verdadeiramente genocidas são repetidas ad nauseam em outros documentos desse partido, bem como em outras organizações extremistas de esquerda, sem que se observe, infelizmente, muitas condenações enfáticas por parte de organizações e partidos da esquerda democrática.
3 Nome do exército em Israel.
4 Há, entretanto, minorias em ambos os lados que rejeitam a lógica da vingança e da punição coletiva. Há palestinos que condenam os métodos do Hamás e procuram articular outras formas de luta. Há israelenses que não aceitam a propaganda militar do “exército mais moral do mundo” e defendem investigações e punições aos crimes de guerra de Israel. É nestas minorias que reside a esperança de paz e reconciliação entre ambos os povos.
5 Entretanto, levantamento do movimento israelense Shalom Achshav (Paz Agora) calcula que, num contexto de acordo de paz em que os assentamentos judaicos fronteiriços fossem anexados a Israel, em troca de porções equivalentes de território israelense (land swaps), apenas 25 mil judeus teriam que ser evacuados da Cisjordânia. Ver: <www.pazagora.org/2015/11/os-numeros-falam-por-si-paz-de-2-estados-e-necessaria-e-possivel/>.
6 Esta é a solução prevista, por exemplo, nos acordos da Iniciativa de Genebra: <www.pazagora.org/2015/11/acordo-de-genebra/>.
7 Esta palavra hebraica significa “explicação”. Trata-se de “explicar” a justeza das posições oficiais israelenses, isto é, propaganda.
8 Um boicote deste tipo é proposto pelo partido da esquerda sionista “Meretz”, dentre outros grupos.
9 Com relação ao direito de retorno dos refugiados palestinos, é importante termos em conta que menos de 10% dos refugiados palestinos manifestam o desejo de retornar para suas antigas terras dentro do que hoje é Israel. Portanto, não faz muito sentido inviabilizar um acordo de paz com a reivindicação de um retorno integral. Trata-se, sem dúvida, de uma questão delicada, pois envolve a necessidade de lidar com o grande trauma da nakba. No âmbito de verdadeiras negociações de paz, Israel deveria pedir perdão para os refugiados, indenizá-los adequadamente e garantir-lhes assentamento no futuro Estado da Palestina, ou em outras localidades que sejam do seu interesse. Esta questão foi abordada em detalhes por lideranças representativas de ambos os povos nos acordos da Iniciativa de Genebra. Ver as pesquisas sobre o tema feitas pelo Dr. Khalil Shikaki, diretor do respeitado Palestinian Center for Policy and Survey Research – <www.pcpsr.org>, instituto independente de pesquisas palestino, sediado em Ramala, Cisjordânia.
10 Este é, sem dúvida, o grande mérito da Iniciativa de Genebra, a qual se notabilizou por reunir importantes lideranças de ambos os povos para produzir o projeto de acordo de paz mais detalhado até o momento.
DANIEL GOLOVATY CURSINO, historiador e psicanalista, é membro dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA
Artigo publicado originalmente na “Revista Fevereiro
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