Judeus e árabes se recusam a ser inimigos
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A escritora israelense Dorit Rabinyan, de origem iraniana, com o seu romance “Gader Chaiá” [“Cerca Viva” em português; “Borderlife” em inglês]. Tel Aviv, 31|12|2015
A apaixonada relação de amor de uma mulher judia com um homem palestino, epicentro do romance “Cerca Viva” [“Borderlife“] , da escritora Dorit Rabinyan, provocou polêmica em Israel após o Ministério da Educação do país tê-lo proibido, por considerar que encoraja a “assimilação”.
Liat, israelense, e Jilmi, palestino, são os dois heróis de uma história fictícia que abala os alicerces da identidade israelense, e que gerou uma onda de protesto pelas redes sociais contra o ministro da Educação, Naftali Bennett, líder do partido nacionalista religioso ‘Lar Judaico’ [Bait Haiehudi].
“Comprei hoje vários livros. Acredito que é o livro que atualmente deve ser entregue aos alunos e alunas”, escreveu em sua página do Facebook o chefe da oposição e líder trabalhista, Isaac Herzog, estimulando a população a comprá-lo.
Para Herzog, “o ato agressivo e desnecessário de censurar um livro baseando-se em uma interpretação linear de seu conteúdo é outro tijolo do muro do medo, da segregação e da cerração que está sendo erguido pelo governo (do primeiro-ministro israelense Benjamin) Netanyahu”.
Centenas de atores, publicitários, escritores e intelectuais em geral, assim como políticos e educadores, alçaram energicamente sua voz contra o boicote que o Ministério impôs ao romance de Dorit Rabinyan, escritora e roteirista de conhecida trajetória local.
O livro “Gader Chaiá” [‘Cerca Viva’, em português e ‘Borderlife em inglês], publicado há um ano e meio, conta a história de uma tradutora israelense e um artista palestino que se apaixonam em Nova York e que veem como seu amor resiste a se apagar quando ambos devem retornar a Tel Aviv e Ramala, e enfrentar a crua realidade política da região.
Ganhadora de vários prêmios locais [incluindo, com este livro, o prestigioso Prêmio Bernstein de Literatura 2015] e muito mais produtiva em sua juventude do que na idade adulta, Rabinyan tinha passado quase despercebida com seu último livro até que vários professores de literatura hebraica pediram ao ministério para inclui-lo na lista de recomendados para os níveis avançados do ensino médio.
Os membros da comissão acadêmica pertinente lhe deram o selo de apto, mas dois altos funcionários do ministério consideraram que era inadequado e ordenaram que o título fosse apagado da lista, para o que contaram com o apoio de Bennett.
Um dos argumentos deste organismo é que é preciso preservar “a identidade e a herança dos estudantes em cada coletivo social”, ao mesmo tempo em que reforçava que as “relações íntimas entre judeus e não judeus ameaçam a separação de identidades”, como descreve o jornal “Haaretz”.
Desde então, as queixas e denúncias inundaram as redes sociais, com pessoas famosas comprando o livro e tirando fotos com ele.
“Minhas felicitações ao Ministério da Educação. que conseguiu fazer de ‘ Cerca Viva’ um livro de leitura obrigatória”, disse o prefeito da liberal de Tel Aviv, Ron Huldai, que classificou o romance como “fascinante”.
A principal biblioteca dessa cidade pendurou um cartaz no qual anuncia a disponibilidade do livro sem pagamento algum, enquanto as principais livrarias faziam pedidos públicos à editora Am Oved para que lhes forneça mais exemplares, dada a demanda gerada pela polêmica.
Rabinyan, que entre 1995 e 1999 publicou com notável sucesso seus dois primeiros romances – traduzidos cada um a oito idiomas -, tem outro título entre os recomendados do Ministério da Educação, mas estava há 15 anos sem publicar e só tinha lançado desde então um livro infantil.
À campanha de protesto se somaram escritores de renome internacional como A.B. Yehoshua (“Me sinto ultrajado”), Hayim Beer (“Daria a Bennett o título de membro honorário da Lehavá”, organização de extrema-direita) e Natan Zach (“O ministro da Educação é tolo e com os tolos não há o que fazer”).
No entanto, todos concordam com a autora sobre o fato de Bennett ter definitivamente dado um impulso comercial ao romance, agraciado este ano com um conhecido prêmio local de literatura.
“De repente me transformei em um assunto noticioso, (…) agora sou uma personalidade pública”, disse a escritora, com ironia, ao serviço de notícias “Ynet”.
Rabinyan comentou que seu romance não atenta contra a identidade judaica, mas unicamente “reflete a complexidade da sociedade israelense” e seus medos frente à assimilação.
“Acham que proibir o livro fará o problema desaparecer, mas o livro é só um espelho da sociedade. Sua grande força está precisamente na sensibilidade que demonstra”, afirmou a escritora israelense de origem iraniana.
A ACRI – Association for Civil Rights at Israel – apresentou uma petição on line (leia em inglês), pedindo ao Ministério e Educação a reinclusão do livro na bibliografia da rede. Entre outros argumentos, diz que a desqualificação do livro é baseada em motivações irrelevantes e anti-educacionais, contradizendo os objetivos da educação pública e impõe a censura sobre a literatura e a arte, desrespeitando a capacidade de professores e alunos de discutir assuntos complexos e controversos…
Judeus e árabes se recusam a ser inimigos
יהודים וערבים מתנשקים | Jews & Arabs Kiss | عرب ويهود يتباوسو
A revista TimeOut Tel Aviv, no dia seguinte à proibição do livro pelo Ministério da Educação, produziu um clip onde casais judeus e árabes, homo e heterossexuais, se beijam, numa demonstração de que se recusam a ser inimigos.
Judeus e árabes fazem ‘beijaço’, contra proibição no currículo escolar de livro que narra história de amor entre judia e palestino
Foi de um jeito lindo e amoroso que um grupo de judeus e árabes resolveu responder à proibição imposta pelo Ministério da Educação de Israel.
O organismo ordenou o banimento de um livro, que fala sobre uma história de amor entre uma judia e um palestino, da grade curricular do ensino médio no país. O argumento das autoridades foi que a remoção da obra pretende “manter a identidade e a herança dos estudantes de cada setor”.
A iniciativa foi da revista Time Out Tel Aviv. “A melhor resposta para outra semana de banho de sangue, racismo, censura e angústia existencial é abrir o coração para um projeto de fotografia que desafia os setores e as fronteiras”.
A maioria dos participantes do vídeo – que mostra casais gays e heterossexuais- não se conhecia até o momento da gravação, segundo o Haaretz. “Ironicamente, é quase impossível falar quem é israelense e quem é palestino no vídeo”, afirmou o jornal Washington Post.
Ironicamente, é praticamente impossível distinguir quem é árabe ou judeu entre os jovens que foram filmados.
Além da proibição do livro “Uma Barreira Viva”, escrita por Dorit Rabinyan, o vídeo é um protesto contra a escalada de tensão na região. Desde setembro do ano passado, 21 israelenses e um americano foram mortos em ataques palestinos, enquanto 137 palestinos foram mortos por forças israelenses.
[ fontes: The Guardian, Haaretz, HuffPost Brasil, UOL (Elias Benarroch) | traduzido e editado pelo PAZ AGORA|BR ]
O original em hebraico“Gader Chaiá” foi lançado em maio de 2014 ao preço de 88 shekels (US$22,50), que se mantém nas principais livrarias de Israel, segundo o Haaretz
+ sobre o livro em inglês >
> resenha pela Deborah Harry Agency
> Novel about Jewish-Palestinian love affair is barred from Israeli curriculum (The Guardian)
> Demand for “Borderlife” Surges in Israel After Novel Is Banned From Schools (Haaretz)