Benjamin Netanyahu já conhecia a Rehov [Rua] Dizengoff de Tel Aviv num estado de tensão pós-traumática.
Na manhã de 19|10|1994, um homem-bomba se explodiu num ônibus da linha nº5, naquela rua movimentada e querida, num local a cerca de 100 m do tiroteio desta 6ª feira. Em um dos mais terríveis atentados que a cidade já assistiu, 20 pessoas foram mortas e mais de 30 feridas. Antes ainda que todos os corpos tivessem sido removidos do veículo destruído, o então líder da oposição Netanyahu chegou à cena do crime, cercado se seguranças. Atacou o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, acusando-o de ser pessoalmente responsável pelo ataque, junto ao então presidente palestino Yasser Arafat.
Vinte e dois anos se passaram, uma eternidade. Netanyahu foi primeiro-ministro por dez desses anos. Nos últimos sete, ele tem sido o único responsável pela segurança dos cidadãos de Israel. Os cabelos dos nosso líder se tornaram brancos. Presumivelmente deveriam ter aumentado sua sabedoria, experiência e julgamento.
Mas ele não perdeu a sua tendência por fazer generalizações, a espalhar o medo e o ódio. E a incitar contra minorias. Não perde uma oportunidade, uma tragédia, para dar alguma estocada política e cultivar um ganho eleitoral.
O discurso de Netanyahu neste sábado — no cenário onde dois jovens foram assassinados e outras dez pessoas feridas, com as luzes de dezenas de velas tremulando aos seus pés — foi o pior de Bibi.
Não contendo, não acalmando e não conduzindo — foi apenas um político pequeno. Ele não teve vergonha de mencionar — talvez por ordem da sua esposa que estava se recuperando em casa de um interrogatório de horas na polícia por acusações de fraude, na quinta-feira – que os seus dois filhos tinham a mesma idade das vítimas. Ele só se esqueceu de mencionar que, como filhos de primeiro-ministro, Yair e Avner são acompanhados por equipes de segurança o tempo todo.
Todo o resto que disse, foi uma diatribe áspera , vergonhosa e quase racista contra os árabes de Israel. Ele descreveu a comunidade, como um todo, como criminosos armados e potenciais terroristas. “Eu não aceitarei dois Estados dentro de Israel”, disse Netanyahu. “Israel não pode ser um Estado da lei para alguns e sem lei para outros que vivem em enclaves onde a lei não se aplica”.
Ele vem dizendo as mesmas coisas inflamatórias por sete anos. Quem o impede de eliminar as armas ilegais nas comunidades árabes? Quem o impediu de “traçar um plano bem caro para extirpar o fenômeno, construir mais delegacias de polícia em comunidades árabes, contratar mais policiais” como ele bradou no sábado? Quem o impede de impor e lei e a ordem? O líder oposicionista Isaac Herzog e sua colega na União Sionista Tzipi Livni? A ONG de esquerda Breaking the Silence? A Lista Árabe Unida do deputado Ahmad Tibi? O Presidente Reuven Rivlin?
E, por acaso, ele lançou algum plano amplo para desarmar os colonos problemáticos, após o atentado terrorista em Duma [onde uma família palestina foi queimada dentro da própria casa], que foi comprovadamente perpetrado por jovens judeus que vivem nos cumes de colinas da Cisjordânia?
Seu suado ataque na noite de sábado, contra toda a população árabe, foi cínico e desavergonhado, mesmo pelos padrões baixos ao quais ele nos acostumou através dos anos.
Deve-se inferir das suas observações que, desde o tiroteio, perpetrado por um jovem, visivelmente instável, da cidade de Arara, na região de Wadi Ara [na Galiléia], todo o “setor árabe” tenha celebrado o assassinato e clamado por atos similares.
Exatamente o contrário. O pai do suspeito, voluntário da polícia israelense nos últimos anos, avisou as autoridades após reconhecer o seu filho em vídeos de câmaras de segurança veiculados pela TV. Todos os líderes de Arara condenaram o ato e repudiaram o suspeito. Não houve nenhum chamado ou atos de solidariedade ao crime em qualquer comunidade árabe em Israel.
Por outro lado, nos últimos 110 dias, Israel está enrascado numa onda de terrorismo que Netanyahu e seus ministros não tem sido capazes de acabar. A maior parte dos perpetradores vieram da parte oriental da Jerusalém “eternamente unida”, como diz o lema vazio trompeteado por Netanyahu e companhia, por toda uma geração.
Com poucas exceções, o resto da população árabe não se uniu a esta violência sangrenta. Mesmo a ilegalização da ramo norte do Movimento Islâmico em Israel foi aceito com relativa calma. Então, por que diabos é tão importante para Netanyahu acender este fogo, estranho e perverso, contra os seus próprios cidadãos? A resposta parece clara. Ele veio tomar uma carona, como tinha feito em outubro de 1994. Reconciliação e garantia de calma não são assuntos dele.
Netanyahu parecia um estrangeiro em Tel Aviv.
A cidade mais sã, tolerante, liberal e aberta do país teve dificuldade em digerir o seu show de horror.
Jovens e mulheres, amigos das vítimas do atentado, deram muitas entrevistas desde os eventos da tarde de sexta-feira. Eles, que viram as cenas terríveis com os próprios olhos, falaram calmamente e sem ódio. Não cuspiram palavras.
O prefeito Ron Huldai, claro, também manteve a sanidade. Até receber a visita de Netanyahu. Bibi se colocou num lugar escuro, onde dois jovens haviam sido assassinados e, friamente, passou a incitar contra um quinto da população do seu país.
Por 110 dias, os cidadãos israelenses, especialmente em Jerusalém, vêm sentindo-se expostos e inseguros sob a liderança do “Sr. Segurança”.
E Netanyahu fica brincando de política.
[ publicado em 03|01|2016 no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
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