Quebrando o Silêncio | israelenses evitam encarar a verdade horrível da Ocupação

 

Durante o Caso Dreyfus, quando a desesperança grassava entre os apoiadores do desafortunado  capitão francês judeu, Georges Clemenceau – editor do jornal que publicaria o histórico manifesto “J’Accuse” de Emile Zola e que seria o primeiro-ministro que levaria a França à vitória na Primeira Guerra Mundial –  escreveu: “O povo não sabe. Esta é a pior tragédia do mundo”.

Esta verdade, dura, ainda se repete por toda parte.

Esta verdade mina as fundações da democracia e traz dúvidas sobre sua racionalidade.  As pessoas não querem enfrentar a verdade horrível.  Assim, uma coragem imensa e uma devoção sem fim e amor por este país, apesar de todas as suas doenças, são requisitos para levar adiante a missão empreendida pelo movimento Breaking the Silence.

Estas pessoas merecem um grande respeito, assim como seus apoiadores como o Major-General (res.) Amiram Levin, que já liderou a unidade de comando de elite Sayeret Matkal . Outro exemplo de reflexão ética durante Guerra foi fornecido pelo Coronel Eli Geva, comandante de uma brigada de tanques que renunciou durante a primeira Guerra do Líbano por se recusar a abrir fogo contra uma área civil.

Se existe alguma coisa da qual me arrependo como cidadão é que eu e a minha geração, assim com a que nos antecedeu, a geração da Guerra da Independência, fomos parte de uma conspiração de silêncio em torno do Tsahal [ Forças de Defesa de Israel ] nos primeiros 20 anos deste país.

Se tivéssemos protestado então, quando ouvimos pela primeira vez rumores sobre o assassinato de prisioneiros de guerra egípcios –  primeiro na Campanha do Sinai [1956] e depois na Guerra dos Seis Dias [1967] – e se apenas tivéssemos forçado o Estado Maior a investigar e processar os responsáveis, teríamos um exército muito diferente quando a Ocupação começou a se consolidar.

Soldados israelenses em guarda num ponto de ônibus próximo a Nablus, na Cisjordânia ocupada – 08|11|2015 – AFP

Soldados israelenses em guarda num ponto de ônibus próximo a Nablus, na Cisjordânia ocupada – AFP, 08|11|2015

Se alguém tivesse quebrado o silêncio após o ataque de vingança e o massacre no vilarejo de Qibya em 1953, outras normas de combate teriam sido estabelecidas, assim como normas de comportamento entre as nossas elites políticas.

Se apenas David Ben-Gurion tivesse aprendido o duro caminho em 1953, de que existe um preço por mentir e enganar o povo. Se ele apenas tivesse aprendido que existe um preço por alimentar um culto falacioso, onde nossos braços são sempre “puros” (o termo anterior à moda da expressão “o exército mais moral do mundo”), talvez Israel teria achado mais difícil sair com subterfúgios após 1967, roubando terras e enviando seus jovens soldados para oprimir uma população ocupada.

Não houve um único caso em que qualquer relatório ou testemunho coletados pelo Breaking the Silence tenha sido comprovado como falso.  A perseguição dessa organização – e de outras como o B’Tselem e o Shalom Achshav [PAZ AGORA] –  pelo Im Tirtzu,  grupo cuja ideologia lembra um incipiente movimento fascista, apenas acrescenta credibilidade aos relatórios do Breaking the Silence.

O reservista israelense Ido Even Paz, ao centro, guiando visitantes numa exposição do "Breaking the Silence" no Kulturhaus Helferei em Zurich. Reuters, 08|06|2015

O reservista israelense Ido Even Paz, ao centro, guiando visitantes numa exposição do “Breaking the Silence” no Kulturhaus Helferei em Zurich. Reuters, 08|06|2015

Vamos agora à discussão sobre lavar fora a nossa roupa suja.  Hoje não existem mais lavadoras seladas. A roupa suja está exposta aos ventos. Apelar, portanto, a judeus americanos e à opinião pública européia é inevitável. E legítimo, por mais duas razões.

Primeiro, o Tsahal apenas pune seus soldados numa ínfima fração das queixas de que tem conhecimento. Ignora a maioria delas.

Segundo, é atualmente impossível obter resultados tangíveis em qualquer tema pertinente à Ocupação e ao apartheid nos territórios, caso não haja intervenção externa. Certamente o comportamento do exército seria ainda mais violento, se não fosse pelo temor de sanções internacionais.

De fato, na medida em que a nação não quer saber e seus líderes ou são parceiros da opressão ou pusilânimes demais – Isaac Herzog e Yair Lapid lideram esse campo – apenas sanções impostas externamente os despertarão de seu repouso.

Este é um papel histórico desempenhado por todos os grupos que se opõem à Ocupação.

E, por isto, eles merecem nosso respeito e forte apoio.

[ artigo publicado no Haaretz em 27|12|2015 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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Zeev Sternhell

Zeev Sternhell

O Dr. Zeev Sternhell, autor deste artigo, nasceu em 1935 na Polônia. Sobrevivente do Holocausto, emigrou para Israel logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi um dos fundadores do movimento PAZ AGORA.

Historiador e cientista politico, é reconhecido internacionalmente como um dos maiores especialistas estudo dos regimes totalitários – de esquerda e de direita – no século XX.

Professor Emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, é autor de vasta obra, publicada em línguas como hebraico, francês, inglês, italiano, alemão e espanhol.

Entre seus principais livros estão: ‘O Nascimento de Ideologia Fascista’;  ‘Maurice Barrès e o Nacionalismo Francês’; ‘A Direita Revolucionária – As Origens do Fascismo Francês 1885-1914’; ‘Nem Direita Nem Esquerda’, ‘Os Mitos Fundadores de Israel’; e ‘História e Luzes’.

 

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