Temos só dez anos para salvar Israel
Existem três processos em andamento que, caso não revertidos até 2025, irão colocar um ponto final na vida de Israel como Estado moderno, democrático e judeu.
Um processo está acontecendo nas colinas da Cisjordânia. Em 1975, havia poucos milhares de colonos na Judéia e Samária [Cisjordânia ocupada]. Em 1995, estavam em torno de 120 mil. Hoje são 400 mil.
Ao longo das últimas quatro décadas, o movimento de colonização Gush Emunim conseguiu uma vitória completa e total contra o legalismo israelense. Primeiramente, estabeleceu fatos consumados, depois teve esses fatos oficialmente reconhecidos. Após isto, os triplicou, quadruplicou e quintuplicou, com recursos públicos desviados do Estado.
O resultado é um omelete tóxico politico-demográfico, que será muito difícil de reverter para os ovos mexidos do qual se originou. Se o número de moradores na Judéia e Samária chegarem a 600, 700 ou 800 mil até 2025, não mais será possível dividir a terra. E Israel irá se tornar um Estado binacional [árabe-judeu].
Tal Estado binacional, que teria em curto prazo uma maioria árabe, perderia seu caráter judeu. Ou, para tanto, deixaria de ser uma democracia. O sonho sionista terá, assim, encontrado o seu final.
O segundo processo está acontecendo nos corações e mentes das pessoas. Em 1975, o professor Aharon Barak foi nomeado procurador-geral do Estado de Israel. A nomeação deste jurista jovem, brilhante e independente, para esta posição elevada indicou que Israel estava se tornando uma autêntica democracia liberal.
Os anos de estatismo de David Ben-Gurion foram seguidos por anos de dignidade humana, direitos humanos e de construção de instituições fortes, independentes e democráticas. Por três décadas, Israel conheceu uma relativa era dourada de constante fortalecimento do império da lei, ampla liberdade de expressão e o estabelecimento de uma sociedade verdadeiramente livre.
A aguardada nomeação do Secretário de Gabinete Avichai Mendelblit como procurador-geral representa a tendência oposta. A democracia israelense, nos últimos anos, tornou-se seriamente doente. A Suprema Corte está sob ataque, a mídia tem sido enfraquecida e os sistemas de regulação e controle foram neutralizados. Um vento maléfico está soprando, silenciando os críticos e condenando opiniões divergentes.
Se este ataque – agressivo, populista e ultranacionalista – às instituições e valores democráticos de Israel persistir até 2025, poderemos aí nos encontrar num sistema político obscurantista, que não mais terá compromissos com a liberdade, igualdade, justiça e progresso.
O terceiro processo está acontecendo no exterior. Israel tem, ainda, o apoio moral e político de importantes líderes do Ocidente – Angela Merkel na Alemanha, David Cameron na Grã-Bretanha, Hillary Clinton e mesmo o presidente doa Estados Unidos Barack Obama, que defende Israel num grau maior do que apreciaria. Jerusalém ainda tem influência suficiente em Washington e acesso às capitais europeias para evitar um colapso em sua posição política no concerto das nações.
Mas a atitude da geração mais nova é diferente. O contexto ideológico e moral está mudando. Em função do empreendimento de assentamentos e dos ataques aos valores liberais, cada vez mais pessoas decentes do Ocidente estão se perguntando o que aconteceu a Israel. Se o país perdeu o seu caráter democrático. Diversamente de ser percebido como um país irmão, Israel passa a ser visto como um híbrido incompreensível de high-tech, hedonismo, fanatismo e ocupação.
Se não mudarmos de direção e nos posicionarmos de novo como a fronteira da democracia no Oriente Médio, admirada e amada, em 2025 seremos verdadeiros párias. E o Ocidente irá nos virar as costas.
Temos uma década, no máximo. Ainda não é tarde. A maioria silenciosa de Israel é uma maioria sã. E a sua população esclarecida ainda tem poder.
A tomada do Estado e da terra pela direita fanática não é produto dos céus nem do destino. A crise que cerca a identidade e os valores do Estado judeu e democrático é o resultado direto do fracasso da centro-esquerda de engendrar uma guinada ideológica e desenvolver uma liderança valorosa e visionária.
Caso esta maioria continue a apenas resmungar, queixando-se e sendo irrelevante, o pior irá ocorrer. Isto não está longe de acontecer.
Mas, se ela acordar, se superar e se mobilizar, pode haver uma virada.
É possível fazer com que esta década, que perdemos, não seja a nossa última.
Ari Shavit nasceu em Rehovot, Israel em 1957.
É colunista do Haaretz e autor de ‘My Promised Land: The Triumph and Tragedy of Israel‘, livro premiado como Best Seller de 2013 pelo New York Times e o The Economist.
[ publicado em 25|12|2015 no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]