20 anos depois
Podemos não ter percebido naquele tempo. Mas, naquela longínqua noite de sábado, o nosso futuro estava para ser colocado, repetidamente, nas mãos de Benjamin Netanyahu.
E, nesta semana, enquanto Israel assiste ao 20º aniversário do assassinato de Yitzhak Rabin, Netanyahu finalmente revelou qual o futuro que nos reserva. Um pesadelo permanente:
“Nesses dias, há conversas sobre o que teria acontecido se esta ou aquela pessoa tivesse permanecido”, disse o primeiro-ministro ao Comitê de Assuntos Externos e Defesa do Knesset, numa clara – e surpreendemente impiedosa – referência ao finado Rabin e ao objetivo ao qual Rabin dedicou seus últimos anos – a paz com os palestinos e todos os vizinhos de Israel.
“Isto é irrelevante”, continuou Netanyahu . “Existem aqui movimentos de religião e Islã que nada tem a ver conosco”.
Então, voltando-se para os herdeiros ideológicos de Rabin no Comitê, apoiadores de negociações com os palestinos, Netanyahu expôs com arrogância sua escura visão de nossos futuros como israelenses:
“Vocês acham que existe uma varinha mágica aqui, mas eu discordo”, disse a eles… “Perguntam-me se viveremos para sempre pela espada? Digo que sim”.
Vinte anos atrás, tínhamos uma família jovem. E esperança.
Como a maior parte das pessoas, fomos naquela noite à praça central de Tel Aviv. Estávamos céticos e um tanto apreensivos, preocupados que ninguém apareceria. Preocupados com as ameaças no ar, a acidez dos protestos contra Rabin, a violência implícita nas palavras de ordem contra negociações com os palestinos, que brados como ” Rabin Traidor” e “Rabin Assassino”, pudessem impedir as pessoas de vir, tornando-as receosas e intimidadas.
Não podíamos saber naquela hora, mas naquela noite haveria dois terremotos.
O primeiro veio quando vimos as pessoas transbordando da praça, fluindo dos cantos mais afastados de Israel, numa exuberante diversidade, jovens e velhos, judeus e árabes, incluindo um número surpreendente de religiosos.
Quando Rabin começou a falar, sentiu-se um terremoto percorrendo aquela massa enorme, uma eletricidade que ninguém poderia ter imaginado. Uma repentina onda de energia percorreu a praça, um ânimo incomum e inesperado, ao qual Rabin, um homem extremamente contido, respondeu claramente.
“Deixem-me dizer, também estou emocionado”, começou Rabin, olhando para a multidão. “Quero agradecer a cada um de vocês que está aqui. Contra a violência e pela paz”
“Este governo, que tenho o privilégio de liderar junto ao meu amigo Shimon Peres, decidiu dar uma chance à paz. Uma paz que resolverá a maior parte dos problemas do Estado de Israel”.
Vinte anos atrás, o Israel de Rabin era diferente, um governo muito diferente do que qualquer um tinha conhecido ou iria conhecer.
A nação estava tomando passos inéditos e substantivos em direção reversa a décadas de discriminação contra seus palestinos e outros cidadãos. Trabalhava ativamente com os palestinos, americanos, a ONU, a Europa e uma lista crescente de países, nos primeiros estágios de um plano concebido para levar à independência dos palestinos, ao lado de Israel, e a uma normalização nas relações com todos os nossos vizinhos.
“Eu sempre acreditei que a maioria do povo quer a paz, está disposto a assumir os riscos pela paz”.
Israel estava se abrindo para o mundo, e o mundo – incluindo notadamente países que sempre nos haviam antagonizado e boicotado – tinha começado a receber Israel de braços abertos,
“Fui um militar por 27 anos. Combati enquanto não havia perspectivas de paz. Hoje, acredito que há perspectivas para a paz, grandes possibilidades”.
Estávamos num pequeno cando, atrás da imensa manifestação pela paz. Nossa caçula de 20 meses adormecida no carrinho.
Nos perguntávamos se a paz poderia chegar antes que nossa filha mais velha e seus colegas de escola, então pelos seus 12 anos, fossem convocados para servir no exército. Certamente, ousamos esperar, quando nossa primogênita tivesse 18, os horrores da guerra já teriam passado.
“A violência está minando as próprias fundações da democracia israelense. Ela deve ser condenada, denunciada e isolada. Este não é o caminho do Estado de Israel”.
Pensamos, este é o tipo de discurso, o tipo de multidão, o tipo de acontecimento que pode mudar a História.
E, aí mesmo, quando nos viramos para sair, a História mudou.
O segundo terremoto bateu. Não precisou de nada mais que um pequeno revólver para o detonar. Quase sem som. Mas seu efeito foi muito maior. O terremoto não acabou. Até hoje.
Agora, depois de todos estes anos, tenho que me forçar a acreditar que nada é para sempre. Nem mesmo Netanyahu.
Na noite deste próximo sábado estaremos de volta à praça, como temos ido a cada ano, desde que nossa família era jovem. Muita coisa mudou – nossa família cresceu e continua crescendo, graças a Deus.
Mas algumas coisas não mudaram.
Ainda prefiro a visão de Rabin à de Netanyahu. Ainda acredito que a grande maioria do povo de Israel, tanto árabes como judeus, queremos ver a paz aqui. E uma democracia de verdade. E justiça social.
Eu não tenho ilusões de que estarei vivo para ver tudo isto acontecer.
Mas acredito que nossas crianças verão. E acredito que seus filhos verão.
E isto é uma razão mais do que suficiente para trabalhar por esse futuro.
[ publicado em 27|10|2015 no Haaretz – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]
Na noite deste sábado, 31|10, o PAZ AGORA participará da manifestação em memória de Rabin em Tel Aviv
“Recordando o Assassinato, Lutando pela Democracia”
Nossa presença enfatizará o caminho de Rabin para a
Paz entre Dois Estados – Israel e Palestina
e a necessidade urgente de retornar a esse caminho, agora!