2ª parte – Escrever no kibutz
Agora emerge que, em Um Conto de Amor e Escuridão, Oz oferece uma descrição precisa para as histórias de Between Friends, que ele publicaria 10 anos depois daquela obra monumental. Anderson, escreveu Oz, “abriu meus olhos para escrever sobre o que estava à minha volta. Graças a ele, percebi que a palavra escrita não depende de Milão ou Londres, mas sempre revolve em torno da mão que escreve, onde quer que seja: O lugar onde se está é o centro do universo”.
Assim foi que naquele distante studio de Hulda ele colocou um caderno simples sobre uma mesa, junto com uma caneta e um lápis com uma borracha, um garrafa térmica e uma xícara de plástico. E ali, no centro do universo, sentava-se para escrever suas primeiras histórias. Temos todos um grande débito com Sherwood Anderson.
Isso era difícil?
Não era fácil escrever no kibutz. Após publicar algumas histórias, fui à mazkirut (comitê que tomava as decisões do coletivo) e pedi um dia por semana para escrever. Uma grande discussão. ‘Um precedente’. ‘Qualquer um pode dizer que é um artista. E se todos forem artistas, quem ordenhará as vacas’? Um dos membros da mazkirut, ‘veterano’ de 45 anos, disse: ‘O jovem Amós pode ser o novo Tolstoy, mas o que conhece ele sobre pessoas? Deixem-no trabalhar no campo até seus ’40, e aí ele escreverá’.
Recebi um dia da semana para escrever – desde que trabalhasse a mais nos outros dias. Publiquei um livro e mais outro e voltei hesitante à mazkirut: ‘Quem sabe vocês possam me dar mais um dia para escrever?’ Grande disussão. ‘Um precedente. Quem ordenhará as vacas?’ Discussão na assembléia geral semanal. Deram-me dois dias. O que foi seguido por uma aumento suado para três dias. Quando começou a entrar dinheiro dos meus livros, o coordenador do kibutz chegou e me perguntou, após balbuciar, se o resultado poderia ser aumentado caso um ou dois aposentados me ajudassem.
A verdade é que eu tive um público leitor ali mesmo em Hulda – gente que dizia direto na minha cara o que gostava e o que não gostava. Claro, era proibido que eu usasse pessoas de Hulda como modelos. E eu realmente não o fazia. Havia um membro do kibutz, Meir, que me contou – ‘Antes de passar sob sua janela, paro para me pentear para que, se eu entrar em uma de suas histórias, pareça arrumado’.
Mas não havia razão para ele parar. Não coloquei nenhum deles nas minhas histórias, pelo menos numa forma em que alguém pudesse se reconhecer. E mesmo que isso acontecesse, eles não se ofenderiam, porque as pessoas geralmente têm uma opinião tão boa sobre si mesmos que, mesmo que você os descreva com precisão, não se reconhecerão e não ficarão ofendidos.
Você tinha consciência da preocupação que a monumentalidade de Um Conto de Amor e Escuridão paralisaria sua escrita?
Não existirá nenhum “Um Conto de Amor e Escuridão – A Continuação” ou “O Filho do Conto de Amor e Escuridão” . Ao longo de todos esses anos eu procurei – com sucesso, espero – não escrever duas vezes o mesmo livro.
Qual a diferença entre escrever histórias curtas e romances?
Para alguém que escreveu alguns romances, escrever uma história curta é um desafio muito difícil. É como alguém acostumado a viajar de país em país com grandes malas, e de repente lhe dizem. ‘Esta vez você vai viajar só com uma bagagem de mão’. Você precisa ser bom em preparar bagagens para escrever uma história curta.
3ª Parte – Reconciliação
Em O Mesmo Mar (1999), você escreve sobre si próprio e seus pais. No capítulo “Minha mão na trava da janela” você fala com eles e pergunta se ambos estão descansando em paz. “Pelo menos, vocês não podem brigar por minha causa” você lhes diz: ”Sou bem arrumado, trabalhador e bem sucedido. Trago para você mais e mais orgulhos e alegrias, um bom aprendiz de feiticeiro. Estou cansado, mas nunca desisto”.
Foi ali que você plantou as sementes de aceitação e conciliação para Um Conto de Amor e Escuridão e Entre Amigos?
Por muitos e muitos anos eu fui furioso com a minha mãe por ela ter cometido suicídio, como se ela tivesse fugido com um amante e nos abandonado sem deixar um bilhete. Com o meu pai, por tê-la perdido e por aparentemnte ter sido uma pessoa horrível – pois se não o fosse não a teria perdido. E comigo, por certamente ter sido uma criança terrível pois, se não o fosse, eu não a teria perdido.
À medida que os anos passaram, a raiva deu lugar a curiosidade, simpatia e humor: as três forças que, parece, colocaram minha mão de escritor em ação. Mesmo compaixão (embora eu seja um pouco reticente à palavra ‘compaixão’, por se ligar à palavra ‘pena’).
Em Um Conto de Amor e Escuridão, escrevo sobre meus pais como se fossem meus filhos. Sem um pingo de raiva. Você não encontrará ali um traço de ódio. Encontrará curiosidade, simpatia e humor. Eu escrevi com a intenção de convidar os mortos à minha casa, apresentá-los à minha mulher e filhos, sentar e lhes dizer: “Caros falecidos, tomem uma xícara de café e vamos conversar, afinal”.
“Porque quando vocês viviam não conversávamos. O que quero dizer ao falar que não conversávamos? Nós falávamos sem parar – sobre Ben-Gurion, Stalin, o Livro Branco e imigrantes ilegais – mas não conversávamos sobre coisas importantes: sobre sentimentos. Sobre de onde viemos, quais eram as nossas esperanças e o que encontramos. Então, venham tomar uma xícara de café e conversemos. Depois, sigam os seus caminhos”.
Não quero que os mortos fiquem na minha casa, mas apenas que me visitem às vezes em encontros rápidos para falar sobre coisas importantes.
Nas histórias de Entre Amigos fiz o mesmo, convidando personagens à minha casa, vivos ou mortos e dizendo-lhes: “Sente, vamos falar sobre renúncias, sobre sonhos. Falemos de perdas. Falemos de procuras. Falemos do esforço humano para tocar outro ser humano, tocar o outro. Conversemos sobre coisas sobre as quais normalmente não falamos”.
4ª parte – Ativismo Político
Oz publicou suas primeiras histórias no jornal literário Keshet em 1962. Uma delas era sobre um paraquedista que morreu numa demonstração de paraquedismo no Dia da Independência de Israel, outra sobre um ataque de represália israelense no anos ’50. Em maio de 1962, Oz já estava entre aqueles cujos trabalhos foram publicados na primeira edição de um jornal publicado pelo Min Hayesod, um grupo de ativistas dentro do Mapai [partido trabalhista, então no governo]. Entre os demais colaboradores estravam pensadores famosos como Nathan Rotenstreich, Shlomo Grodzensky, Dan Horowitz e Eli Schweid, além do ex-ministro da defesa Pinhas Lavon.
O “Caso Lavon” foi um decorrência do “caso podre” no qual judeus egípcios que espionavam para Israel foram pegos, e deixados ao seu próprio destino. Gerou batalhas titânicas. Israel foi bombardeado por campanhas eleitorais, demissões e comissões de inquérito. O Mapai, precursos do Avodá, foi dilacerado por lutas pelo poder entre David Ben-Gurion e seus apoiadores e a liderança do partido sob Levi Eshkol e Golda Meir.
Lavon, ministro da defesa à época do debacle de espionagem, foi removido do posto de chefe da confederação trabalhista. Recusou-se a desaparecer e criou o grupo Min Hayesod. O grupo teve seu encontro de fundação no bosque de Hulda. Foi a primeira aparição de Amós Oz como ativista político.
Por que você não abordou nos seus escritos o Caso Lavon e o Min Hayesod?
Meus dias de escritor ainda não se acabaram. Talvez escreva sobre isso. Por enquanto entendo que, para mim, a revolta contra Ben-Gurion foi a continuação da minha revolta contra o meu pai. Ben-Gurion era onipresente. Sua figura era completamente dominante.
Hoje, quando as pessoas falam sobre o primeiro-ministro e o ministro da defesa, não têm idéia de quão esmagadora era a figura de Ben-Gurion no início dos anos ’60.
Ele era, de fato, o pai da nação. E Lavon – em nome de algum ideal de voluntarismo e a centralidade do indivíduo – criou caso com ele e contra o culto ao Estado como ferramenta. Àquele tempo, havia algo de libertário na luta de Lavon. Hoje vejo Ben-Gurion, com todos os seus defeitos, como um gigante político. Naquela época, só via os seus defeitos”.
Por mais de 50 anos, Oz publicou ensaios e ficções no Davar (o hoje finado órgão da Histadrut – Confederação Sindical), Shdemot (revista literária do movimento kibutziano), Emdá (órgão da esquerda, publicado entre 1974 e 1999), os grandes jornais Yedioth Ahronoth e Haaretz, assim como em veículos líderes na Europa e Estados Unidos. Em 1967, foi um dos moderadores das conversações que viriam a ser publicadas como O Sétimo Dia, coletânea de reflexões de soldados sobre a Guerra dos Seis Dias.
Em 1961, Oz teve a coragem de enviar uma resposta a um artigo que Ben-Gurion havia publicado no Davar. Alguns dias após sua publicação, Ben-Gurion respondeu-lhe no jornal, na forma de um longo ensaio.
Houve grande agitação no refeitório comum do Kibutz Hulda. quando uma chamada telefônica de suprema importância foi recebida: Amós Oz estava sendo convidado a se reunir com David Ben-Gurion. A história da reunião marcada para o início da manhã no complexo de defesa em Tel Aviv, é suculenta (foi recontada em Um Conto de Amor e Escuridão ). Seus leitores pareciam como moscas no muro do escritório de Ben-Gurion, onde o ‘pai da nação’ parecia extenuado sob os olhos espantados de Oz. Ainda que Oz ocupasse apenas uma pequena parte, a história contém uma boa pista do nascente envolvimento político do escritor.
Em 1970, no auge da Guerra de Atrito, foi realizado um simpósio no Clube Tzavta de Tel Aviv [ainda hoje um reduto da esquerda) para marcar o 3º aniversário da Guerra dos Seis Dias. Entre os participantes estava a primeira-ministra Golda Meir. “Com o que você sonha?”, perguntou-lhe Oz. “Eu não tenho tempo para sonhar”, respondeu ela com uma carranca. “Não posso dormir, porque o telefone toca o tempo todo com notícias sobre baixas”.
A reação rabugenta despertou furor na mídia e marcou o início de um caloroso debate politico sobre o futuro dos territórios que Israel havia conquistado em 1967 e como Israel deveria atuar no front diplomático. (Após a morte de Meir, o líder do partido esquerdista Mapam, Yaakov Hazan, disse que ela lhe havia admitido que a pergunta de Oz a tinha tomado de surpresa e a tinha ferido. Isto, explicou ela, “foi a razão de eu ter ‘gaguejado’ na minha resposta, porque eu não queria responder”.
Em 1973, antes da erupção da Guerra do Yom Kipur, Oz anunciou seu apoio ao partido Moked, liderado pelo ativista pacifista Meir Pail. Em 1977 apoiou o pacifista Aryeh “Lova” Eliav e, após – exceto por uma passagem pelo Avodá sob Shimon Peres – apoiou o Meretz, cujas plataformas defendem direitos civis e paz. Às vésperas das últimas eleições, declarou: “O partido Avodá concluiu seu papel histórico”. Essa observação irou o então líder do partido, Ehud Barak, que reagiu depreciando a capacidade de Oz como historiador.
Golda Meir e Ehud Barak visivelmente tiveram dificuldade em reagir a uma simples verdade: Amós Oz é um homem e escritor corajoso. Em seu espírito, no que escreve, no protesto e na persistência. Por muitos anos – 50 para ser exato – ele combate por crenças e opiniões.
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