No começo, eram umas poucas tendas espalhadas por ruas de Tel Aviv. Jovens insatisfeitos com os aluguéis astronômicos começaram a chamar a atenção, e outras queixas vieram à tona. Em pouco tempo, com a velocidade multiplicada pelas redes sociais, manifestações contra o desemprego, os baixos salários e outras mazelas de uma economia fragilizada ganharam musculatura. No início de setembro, cerca de 400 mil israelenses saíram às ruas de Tel Aviv, Jerusalém, Haifa e outras cidades, protestando contra as dificuldades econômicas e reivindicando melhoria na distribuição de renda. De acordo com Avirama Golan, articulista do Haaretz, era a primeira vez, desde a fundação do Estado, que a questão sócio-econômica virava a grande prioridade nacional.
Nossa claque comunitária destacou, sem novidade, o bom comportamento da “única democracia do Oriente Médio”. É verdade que não houve repressão expressiva às manifestações, mas não era essa a questão principal. O que deviam perguntar é: por que tanta insatisfação na “terra do leite e do mel”? Na resposta, descobririam uma sociedade desigual, injusta, excludente e refém dos colonos.
Moisés Storch destaca com propriedade, no artigo ao lado, que “a social-democracia de Israel está acabando”. É verdade. Desde a década de 1980, todos os governos israelenses seguiram a bula neoliberal, reduzindo investimentos sociais, privatizando a rodo e destruindo a malha de proteção aos mais necessitados. O resultado foi o aumento dos níveis de pobreza e da desigualdade social e econômica. Em Israel, aliás, a desigualdade é também filha de preconceitos e discriminações. Entre os cidadãos árabes, por receberem menos recursos no orçamento nacional do que os judeus, a pobreza sempre foi maior. Entre os judeus, os que vieram com fanfarras da Etiópia e os imigrantes que chegaram a partir da década de 1990 não tiveram o mesmo tratamento dos que já moravam no país.
A fotografia atual, clicada pelo Escritório Central de Estatística, o IBGE israelense, é desoladora. Um a cada quatro israelenses vive abaixo da linha de pobreza. Isso significa 1 milhão e 700 mil pessoas, metade delas crianças (36,3% da população infantil). Mais de metade das famílias de árabes israelenses (53,5%) mal consegue uma refeição diária. Com a maciça privatização da Saúde e da Educação, menos israelenses têm acesso a boas escolas (os salários dos professores no ensino público caíram dramaticamente) e a assistência médica virou artigo de luxo (um terço dos israelenses estão privados de assistência dentária; entre os idosos, estima-se que mais de metade tenha perdido todos os dentes). O fim do subsídio ao fornecimento d’água fez os preços aumentarem até 50%, inviabilizando o pagamento das contas em dezenas de milhares de domicílios e resultando em cortes de fornecimento. A distribuição de renda é escandalosa. Enquanto 39% dos israelenses afirmam não poder subsistir com o que ganham, o país tem 10 mil milionários (20% a mais do que em 2010) e 16 bilionários (com uma renda de US$ 45 bilhões).
O ministro da Defesa, Ehud Barak, diz que não se deve, “por questões de segurança”, cortar os gastos militares para se atender às necessidades básicas da população. Manobra diversionista. O nome do problema é outro: ocupação. A expropriação de terras palestinas, jamais interrompida desde 1967, gera gastos monumentais, que podem ser divididos em três partes. A primeira, são os subsídios anuais para a implantação e manutenção de colônias ilegais na Cisjordânia, de US$ 3 bilhões (crescem a uma taxa entre 5 e 8% anualmente). A segunda, é a segurança desses enclaves, que inclui o custo militar para manter os palestinos sob controle. Calcula-se que chegue a US$ 6 bilhões anuais, crescendo à mesma taxa dos subsídios. A terceira, difícil de quantificar, são os impactos sociais nefastos dentro de Israel, efeito bumerangue, que inclui, por via indireta, o crescimento avassalador das desigualdades.
Estudo detalhado feito pela Macro Center for Political Economics, de Israel, indica que a construção das colônias custou US$ 17 bilhões. O custo anual de manutenção destes enclaves é de US$ 6 bilhões e 300 milhões. Isto significa 20% a mais do que os gastos governamentais em Educação, em 2010, e mais do dobro dos gastos governamentais em Saúde, no mesmo ano. Uma sangria que agrava os problemas básicos do país.
Para os palestinos, a ocupação não se restringe à humilhação, à violência e à privação de direitos elementares. Ela asfixia a economia e, de acordo com pesquisa divulgada recentemente, drena anualmente recursos da ordem de US$ 6 bilhões e 900 milhões, ou 85% do PIB palestino atual.
Se as grandes manifestações de setembro foram apenas um espasmo da classe média, o governo não terá problemas em lidar com elas. No entanto, se as lideranças mudarem o foco para o verdadeiro vilão, a rede de colônias ilegais em terras palestinas, e se juntarem aos movimentos que lutam pelo fim da ocupação, Israel passará por um vendaval de consequências imprevisíveis. Corre até o risco de viver em paz e com justiça social.
Jacques Gruman é diretor da ASA – Associação Scholem Aleichem.
[ Publicado no Boletim da ASA 133 – nov/dez de 2011]