Continuar acreditando em uma paz estável e duradoura no Oriente Médio pode parecer ainda mais ingênuo que acreditar em Papai Noel. Pode, mas não é: o passar dos anos só reforça a convicção de que a paz entre israelenses e palestinos é não apenas viável, mas inevitável.
Não há outra solução para o conflito: a vitória de qualquer dos lados envolvidos não é possível, a não ser que ocorra um inconcebível massacre de proporções diluvianas.
Assim, a única solução será um acordo de paz entre as partes, mediado pela ONU, pelos EUA, pela União Europeia ou até pelo Brasil.
Já que pode nos caber papel relevante nesse palco, convém pensar em uma atuação eficiente, decisiva, não voltada para o aplauso fácil da plateia. É o caso, pois, de tentar listar os pontos sobre os quais um acordo de paz poderia ser fechado:
1 – Nenhuma das duas nações deve reivindicar seu direito a territórios com base no direito divino.
Até prova em contrário, divindades manifestam-se de modo diferente para diferentes seguidores, mesmo quando as partes cultuam o mesmo Deus. De resto, verdades divinas são, por definição, inquestionáveis (deuses costumam ficar irascíveis quando contrariados) e se manifestam como dogmas de fé, não como pontos para um debate.
2 – Nenhuma das duas nações deve alegar direitos históricos sobre territórios.
Não há consenso sobre quanto tempo uma terra precisa ser habitada para passar a pertencer, em definitivo, a um povo. Fica difícil também estabelecer o período que um povo pode ficar sem aparecer em um território e continuar tendo a propriedade moral e material sobre ele.
Por outro lado, também é complicado determinar se uma nação tem direito a um território não reivindicado durante séculos.
O melhor, portanto, é dar como certo que palestinos e israelenses possuem, ambos, direitos sobre um pedaço daquela nesga de terra. E que eles devem entrar em acordo sobre como dividi-la melhor.
3 – Chega de hipocrisia: israelenses (inclusive os de direita) devem reconhecer a existência de um Estado palestino e estes (inclusive o Hamas) devem aceitar o fato de o Estado de Israel existir.
4 – Os líderes devem parar de envenenar os povos um contra o outro.
Que tiranos da região finjam ter pena dos palestinos e demonizem os israelenses para unir seus povos contra um suposto inimigo externo (Israel) entende-se perfeitamente, embora se lastime. Mas que líderes de povos vizinhos (israelenses e palestinos), com muito em comum, incitem os jovens de seus povos contra o “demônio” sionista ou os “terroristas” palestinos é difícil de aceitar.
Assim, preliminarmente, israelenses e palestinos devem assinar um compromisso de começar a tratar “o outro” com respeito e com dignidade.
5 – Israel deve cessar, imediatamente, de construir na Cisjordânia.
Quando houver um acordo de paz, pode ser que parte do território israelense seja cedida aos palestinos em troca de terras ocupadas e colonizadas. Essa virtualidade não pode ser entendida, contudo, como uma licença para construir no terreno do vizinho.
Depois, é resolver o resto. Ah, e a questão de Jerusalém? Sem mísseis disparados sobre os israelenses, sem revistas humilhantes para os palestinos, haverá atmosfera para acertar todo o resto, como dividir ou não Jerusalém.
É uma falácia a ideia de que a coexistência em uma cidade dividida é impraticável: é muito mais fácil dividir a capital entre amigos do que um vasto território entre inimigos. Jerusalém não perderia seu encanto e potencializaria sua capacidade de atrair peregrinos e outros turistas se sediasse os dois governos.
Muitos já ganharam o Nobel pelos esforços feitos pela paz no Oriente Médio. É chegada a hora de os povos ganharem a paz.
JAIME PINSKY, historiador, é professor titular da Unicamp e diretor da Editora Contexto.
[ publicado na seção TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de São Paulo em 23|10|2011 ]