Os palestinos buscam a afirmação de seu Estado na ONU. Bons aliados de Israel vão lhes dar apoio nesse esforço. A primavera árabe colocou o Oriente Médio de ponta-cabeça. Israel não pode fazer de conta que nada mudou. Se quiser proteger sua segurança, precisa se ajustar à nova situação.
A perspectiva de uma votação sobre o Estado palestino na reunião da Assembleia Geral da ONU neste mês mergulhou governos ocidentais em uma espécie de pânico. Uma sucessão de diplomatas e funcionários dos EUA foi enviada a Ramallah para tentar persuadir o líder palestino, Mahmoud Abbas, a retroceder um passo. Nos últimos dias, Tony Blair, representante do chamado quarteto formado pela ONU, os EUA, a União Europeia e a Rússia, se juntou a eles.
Os governos europeus se solidarizam – em graus diversos – com as frustrações da Autoridade Palestina, de Mahmoud Abbas. Construam as instituições de um Estado, disse a comunidade internacional à liderança palestina, alguns anos atrás. E ela vem fazendo exatamente isso. O problema – e isso é algo que é repetido desde Londres até Berlim e Washington, além de todos os pontos no meio desse percurso – é que o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, vem frustrando em cada momento possível o esforço liderado pelos EUA para reativar o processo de paz.
Isto dito, os europeus temem uma votação na ONU sobre a criação do Estado palestino, porque isso vai colocar sua unidade à prova – um risco que não querem correr, depois das cicatrizes deixadas pela intervenção na Líbia. Alguns temem uma ruptura com os Estados Unidos. Washington está preparada para fazer uso de seu poder de veto se a candidatura palestina chegar até o Conselho de Segurança.
Por importantes que essas considerações possam parecer aos diplomatas americanos e europeus, é difícil enxergar por que os palestinos devam se impressionar muito com as maquinações políticas no Ocidente. A imensa maioria dos países membros da ONU está disposta a apoiar o Estado palestino. Todo o mundo sabe que o veto ameaçado por Barack Obama se deve mais a um Congresso hostil e à campanha de reeleição do presidente que com considerações de justiça ou de estadística.
Tony Blair disse a Abbas que, se os palestinos se contentarem com uma declaração de princípios do Quarteto, ao invés de uma votação na ONU, Netanyahu iniciará negociações sérias. Em vista do histórico do premiê israelense nessas questões, sem falar em sua expansão agressiva dos assentamentos israelenses ilegais nos territórios ocupados, os palestinos não podem levar a sério tais promessas.
Os levantes árabes podem estar redesenhando o mapa geopolítico da região, mas Netanyahu vem enfiando a cabeça na areia, como uma avestruz. Ele lançou uma campanha feroz – ouvi um chanceler europeu descrevê-la como “ameaçadora” – contra a iniciativa diplomática de Abbas.
O governo israelense está somando a ameaça de sanções econômicas contra os palestinos da Cisjordânia com avisos sobre turbulência violenta se Abbas vencer a discussão na ONU. Netanyahu deve saber que está brincando com fogo: nessa parte do mundo, discursos incendiários têm o hábito de se concretizar em fatos.
De qualquer maneira, o argumento cuidadosamente montado dos palestinos em favor da criação de seu Estado próprio pede essencialmente aquilo que vem sendo prometido há muito tempo pela comunidade internacional e, incidentalmente, foi prometido por governos israelenses passados: uma solução de dois Estados, palestino e israelense, baseado nas fronteiras de 1967 e com Jerusalém dividida como capital de ambos. Se não me engano, é essa também a posição defendida pelo Quarteto, além da União Europeia e da administração Obama.
É claro que Israel tem preocupações fundamentais – especialmente com sua segurança e com o status dos refugiados palestinos. Qualquer declaração de um Estado palestino precisa ser baseada no contexto de garantias absolutas do futuro de Israel. A ironia é que essas preocupações legítimas se perdem na raiva e frustração gerada pela intransigência de Netanyahu.
Apesar do discurso bombástico de seu premiê, poucas vezes Israel pareceu tão assediado. O governo de Netanyahu privou Israel daquilo que o acadêmico americano Joseph Nye descreve como “soft power”. Israel perdeu sua capacidade de promover seu argumento pela persuasão e o exemplo. Seu premiê parece ter prazer no isolamento de seu país.
Os levantes árabes jogaram por terra pilares importantes da segurança estratégica de Israel. Como atestam os ataques violentos do fim de semana passado contra sua embaixada no Cairo, Israel não pode mais depender do Egito. A turbulência na Síria traz a ameaça de instabilidade ao norte, assim como o Hamas, na Faixa de Gaza, suscita a violência no sul.
É claro que Netanyahu não controla a turbulência no mundo árabe, mas este não é o momento certo para Israel converter aliados em inimigos. Na Europa, Netanyahu cansou a paciência até mesmo de Angela Merkel, da Alemanha. O chanceler britânico, William Hague, amigo vitalício de Israel, não consegue esconder sua exasperação. O relacionamento de Netanyahu com Obama percorre o espectro que vai de azedo a abismal.
A visita feita ao Cairo esta semana pelo premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, revelou muito sobre o descaso insensato de Netanyahu com as alianças de longa data. Não faz muito tempo, a Turquia era vista por Israel como sua aliada confiável. A cooperação bilateral abrangia a economia, a diplomacia e a defesa. Desde o ataque de Israel à flotilha que se dirigia a Gaza, as relações entre os dois países passaram de frias a geladas.
Erdogan não está fazendo papel de ingênuo em tudo isso: ele vem fazendo política com a questão, com o intuito de afirmar a liderança da Turquia no Oriente Médio. Suas declarações mais recentes foram desavisadas pelo lugar e o timing. Mas Netanyahu rejeitou esforços dos EUA para mediar uma reaproximação com a Turquia. Parece que, para ele, mesmo exprimir um leve pesar de Israel pela morte de cidadãos turcos na flotilha já teria sido demais.
O isolamento de Israel ficará exposto de maneira incômoda na Assembleia Geral da ONU. O acordo diplomático que está sob discussão veria os palestinos admitidos à ONU como Estado observador, com status comparável ao do Vaticano. Não há razão para Abbas aceitar qualquer coisa menos que isso.
Ehud Olmert, o predecessor de Netanyahu, não era um político brando. Mas ele chegou à conclusão inteligente de que não bastava vencer guerras contra os vizinhos de Israel. A segurança real exigia a paz com os palestinos, e para que houvesse paz seria preciso haver um Estado palestino. A oferta feita por Olmert chegou tarde demais em seu período à frente do governo. A única coisa que mudou desde então é que o imperativo da paz se tornou ainda mais urgente. A posição que beneficia Israel é a criação do Estado palestino.
[ original do Financial Times | publicado em 16/09/2011 na Folha.com | tradução de Clara Allain ]