Para a Palestina de Mahmoud Abbas [Abu Mazen], o Israel de Benjamin Netanyahu e – não menos – para o governo Obama, o esforço de se levar a criação do Estado Palestino à ONU despertou temores profundos, debates internos tão duros quanto infrutíferos, sem qualquer resultado positivo à vista – para ninguém.
Apoiadores da causa palestina têm advertido que a ação na ONU pode gerar uma reação de retaliação violenta, seja por um governo israelense isolado e irado quanto por um Congresso americano dominado por republicanos.
Moderados palestinos temem que a ação, caso mal conduzida ou mal compreendida, possa movimentar uma cadeia de fatos violentos que minariam a Autoridade Palestina e qualquer cronograma para uma Palestina independente.
Abbas tem, apesar disso, pressionado à frente, no que poderá ser a última grande aposta da sua carreira. No passado – como nas suas pioneiras declarações em 2004 condenando ataques armados palestinos contra israelenses – Abbas mostrou-se um homem destemido capaz de jogar contra todas as probabilidades, que sabia como transformar qualquer coisa numa vantagem.
Aqui vão dez razões para Abu Mazen ter sucesso na ida à ONU:
1. Tira a questão da Palestina do banho-maria, expondo-a no maior palco do mundo, sem recorrer a violência.
A ação na ONU já compeliu as partes relevantes do conflito a reexaminar táticas e pontos de vista já há muito tempo sedimentados. De Netanyahu a Khaled Meshal, do Quarteto (EUA, Rússia, ONU e União Européia) aos palestinos, dos assentamentos até o PAZ AGORA e o ‘J Street’, estão sendo novamente estudadas alternativas à paralisia e ao conflito permanente.
2. Ela difunde o conceito da Palestina como nação, vivendo ao lado de Israel como membro da comunidade das nações e reconhecendo a primazia da ONU como fórum para discutir conflitos entre países.
Isto contrasta muito com a imagem de grupo guerrilheiro, cultivada por Yasser Arafat em seu discurso de 1974 [leia aqui a íntegra do pronunciamento]: “Hoje vim com um ramo de oliveira e uma arma de combatente … Não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão…”), quando não deixou nenhum sopro para a existência de um Israel independente.
3. A ocasião sublinha e alavanca a tempestade de isolamento diplomático sobre Israel.
Analistas notam que esta é a primeira vez, desde a fundação de Israel em 1948, que o país não tem como aliado nenhum dos três poderes regionais, Egito, Turquia e Irã. Mais ainda, a severidade da crise diplomática é tal, que praticamente qualquer atitude de retaliação contra os palestinos aprofundará o isolamento de Israel.
Enquanto isto, a ação na ONU fará com que a posição do governo Netanyahu afunde ainda mais, ao mostrar a Autoridade Palestina como o lado que toma a iniciativa diplomática.
Ao descartar de pronto um voto favorável, Israel obteve uma derrota imediata no órgão mundial. Perdeu, assim, uma série de vantagens táticas que teria ganho caso sinalizasse um apoio qualificado a uma resolução e, então, negociasse a formatação de um texto que pudesse apoiar.
Caso as conversações de paz sejam reiniciadas, a posição da Autoridade Palestina poderá ser fortalecida por uma negociação Estado-Estado com Israel.
4. O esforço na ONU pode obter sanção internacional e elevar o perfil dos esforços para construção do Estado Palestino.
Como o acadêmico Hussein Ibish [do American Task Force on Palestine] observou, “os palestinos esperavam que uma convergência ‘de baixo para cima’ para construção do Estado e uma diplomacia ‘de cima para baixo’, conduzida pelo primeiro-ministro Salam Fayyad, seria a chave para a independência. Isoladamente, o plano de construção do Estado tem sido pouco mais que um projeto de desenvolvimento sob ocupação. Isto deu à liderança uma sensação de urgência que impeliu na direção de iniciativas possíveis na ONU”.
5. Em caso de sucesso, pode fortalecer Abbas e a Autoridade Palestina frente ao Hamas.
O Hamas, apostando na derrota de Abu Mazen, dissociou-se da manobra na ONU. Se a população palestina perceber o voto na ONU como um sucesso, as críticas ao domínio repressivo do Hamas em Gaza deverão aumentar.
6. Pode estimular protestos não-violentos de palestinos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
A perspectiva de manifestações não-violentas é considerada pelas autoridades israelenses. Como num post recentemente publicado pelo wikileaks, “Demonstrações menos violentas irão possivelmente ‘desarmar’ o EDI. Segundo comentário de uma autoridade militar, “não fazemos Gandhi muito bem.”
Isto, junto às crescentes tensões israelenses com Egito, Turquia e os EUA, poderia em certo momento forçar Netanyahu a considerar substituir o partido Israel Beiteinu [do extrema-direita Avigdor Lieberman] na coalizão pelo Kadima [centrista], sob a pressão eleitoral do renascente Partido Trabalhista – e retomar as conversações de paz.
7. A Autoridade Palestina poderia também recuperar apoio popular em Gaza se, em conseqüência das ações na ONU, as possibilidades de Israel manter o bloqueio e atacar a Faixa forem limitadas.
Mesmo que os palestinos deixem de executar a ameaça, as sombras da Corte Criminal Internacional, a Corte Internacional de Justiça e outros organismos mundiais irão acompanhar mais de perto as decisões militares de Israel.
8. A arma secreta número 1 dos palestinos: Avigdor Lieberman.
Até esta data, o ministro do exterior é a única autoridade senior agendada para representar Israel em Nova York durante as deliberações da próxima semana. Há um ano, na sua última aparição ante a ONU, Lieberman contradisse explicitamente a linha vigente de que Israel estava pronto para a paz e que o processo só era impedido pelos palestinos. “Nenhum dos lados está pronto para a paz”, disse à Assembléia Geral, declarando que um acordo era algo que poderia levar “algumas décadas”.
9. A arma secreta número 2 dos palestinos: os colonos.
Se algum elemento específico pode trazer simpatia à causa palestina, são os colonos radicais, que já anunciaram que irão marcar a resolução na ONU com violência. Um recente atentado que incendiou uma mesquita na Cisjordânia aumentou as preocupações das autoridades de segurança, de Israel e da Autoridade Palestina. Tais ações, porém, restringiriam a liberdade do governo israelense agir contra resultados na ONU.
10. A arma secreta número 3 dos palestinos: Benjamin Netanyahu.
Com as deliberações da ONU se aproximando, as declarações do primeiro-ministro foram ficando mais desafiadoras. Suas afirmações de que a piora das relações de Israel com Egito e Turquia não têm nada a ver com a questão palestina, confirmam que as tensões com cada um desses três países tornaram-se cada vez mais interligadas, tanto em casa como no exterior.
“Existem os que pensam que tudo seria diferente, se apenas tivéssemos cedido aos palestinos”, disse Netanyahu ao gabinete nesta semana. “Chega de autoflagelação”.
Invertendo a liturgia da expiação dos dias santos judaicos que se aproximam [Rosh Hashaná e Yom Kipur], declarou ainda: “Nós não nos tornamos culpados, nem transgredimos”.
[ Publicado no Haaretz em 13/09/2011 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]