O pacifista israelense Uri Avnery prevê, aos 87 anos, o “nascimento de uma nova esquerda, muito diferente da anterior”, elogiando a mobilização sem precedentes que acontece no país por mais “justiça social”.
“Quando as pessoas saem às ruas gritando que querem justiça social, usando slogans da praça Tahrir, do Cairo, estamos diante de uma luta que vai além do tema habitação”, diz Avnery, referindo-se à mobilização contra os regimes árabes autoritários que provocou a queda do presidente egípcio, Hosni Mubarak.
A mobilização contra o aumento do custo da habitação, que levou 150 mil funcionários municipais israelenses a se declararem em greve ontem, para apoiar a onda de protestos sociais iniciada em meados de julho, pode marcar “o nascimento de uma nova esquerda, muito diferente da anterior”, indica o militante pacifista.
Avnery denuncia “o ultracapitalismo reinante, o poder concentrado nas mãos de 20 famílias, e os serviços públicos (saúde e educação) que estão se deteriorando” em Israel.
Para o militante pacifista, o movimento acabará vinculando a luta social ao tema da paz com os palestinos: “Vai acabar acontecendo isso, porque gastamos somas astronômicas para manter a máquina de guerra e a colonização. Continuo otimista, porque acredito na capacidade de mudança do povo.”
Já em 1948, após a primeira guerra árabe-israelense, esse jornalista defendia a criação de um Estado palestino junto a Israel. Mais de 60 anos depois, esse Estado ainda não existe, mas Avnery considera que foi útil defender essa posição. “Os que defendiam essa ideia não chegavam a 100 em todo o mundo em 1949. Hoje, o mundo inteiro a defende, inclusive a maioria dos israelenses”, afirma.
Avnery espera que a ONU reconheça em setembro a existência de um Estado palestino. “O apoio europeu é fundamental, inclusive se houver um veto americano no Conselho de Segurança.”
Embora mais de meio milhão de israelenses vivam como colonos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, Avnery nega que a colonização seja “irreversível”, e acredita que a maioria dos israelenses irá optar por desmantelar as colônias, em troca de uma “paz verdadeira”.
Avnery, que se define como “pós-sionista”, considera-se um israelense patriota, que, durante muito tempo, sentiu amor pelo Exército de seu país. “Naquela época, Tsahal era um Exército do povo, que ainda não havia se corrompido como consequência da ocupação. Agora, é ocupado cada vez mais por oficiais “nacionalistas religiosos, que recebem ordem dos rabinos”.
Avnery nasceu em 1923, na Alemanha, e emigrou para a Palestina com sua família quando tinha 10 anos, para fugir do nazismo. Em 1950, fundou um semanário independente, o Haolam Hazeh, do qual foi redator-chefe durante 40 anos. O jornal era o único que não era ligado a nenhum partido, e teve muita influência sobre a imprensa em Israel.
Em 1969, Avnery foi eleito deputado, após se apresentar em uma lista independente. Em 1982, provocou um escândalo ao entrevistar o líder histórico dos palestinos, Yasser Arafat, em Beirute, no momento em que as tropas israelenses cercavam a capital libanesa.
Quando jovem, Avnery pertenceu ao grupo armado sionista de ultradireita Irgun, que lutava contra britânicos e árabes. “Lutava pela liberdade de meu povo contra a ocupação britânica. Por isso, sempre achei que os palestinos também têm direito à independência.”
[ Publicado pelo Terra/AFP em (02|08|2011 ]