Sejam quais forem as doenças da sociedade israelense, e elas são muitas, a maior parte delas podem ser tratadas e até curadas. Mas a ocupação e o colonialismo são doenças terminais.
Para alcançar resultados rápidos na esfera social, é possível dar alguns passos relativamente fáceis – cancelar benefícios fiscais de grandes empresas, aumentar alíquotas de tributos para rendas altas, transferir verbas dos assentamentos para orçamentos de bem-estar social. Imediatamente. Se é possível impor altas taxas de importação para carros pequenos, também é permitido recolher impostos sobre coberturas luxuosas nas praias de Tel Aviv, ou sobre iates.
É razoável supor que também é possível encontrar uma forma tranquila de retomar a construção pública de habitações, na forma de apartamentos pequenos e baratos. Por outro lado, a ocupação é uma ameaça existencial: se Israel não encontrar o caminho para lidar com os assentamentos, será o fim do Estado judeu.
O sionismo, no seu significado simples e inicial, deixou seu lugar para um nacionalismo radical e implacável, parcialmente racista e embebido em tendências declaradamente antidemocráticas, do tipo que já levou a enormes desastres na Europa do século passado.
O sionismo tradicional era baseado em duas vertentes principais. Era um movimento para salvar toda uma nação da destruição, e expressava o direito natural de um povo à sua autodeterminação. Ambos os objetivos foram alcançados com o estabelecimento do Estado de Israel. Foi uma hora especial de benevolência, que se supunha poria um fim ao período de conquistar terras.
Também foi esta uma hora na qual se previa que o sionismo absorveria os princípios progressistas dos direitos humanos e igualdade civil. O terrível desastre da [conquista de territórios na] Guerra dos Seis Dias destruiu esta possibilidade quando transformou os israelenses em senhores de outra nação, cujos direitos foram negados. Mas, o fato de não termos sido capazes de lidar com a injustiça implícita na ocupação não justifica que devamos aceitá-la.
As vidas social e política não são unidimensionais. Não há sociedade sem política, não há economia sem decisões políticas e não existe uma vida que valha a pena sem valores morais. A demanda correta por uma revolução, na forma de pensar que levará a uma política social diferente, não é desligada da questão da liberdade e da democracia, direitos humanos e do futuro dos territórios. Liberdade, justiça e igualdade não podem ser separadas.
Já no início do movimento de protesto social, muitas pessoas se perguntavam: qual o verdadeiro significado do termo “justiça” para os jovens manifestantes na rua? Será possível conseguir justiça social sem ter a justiça como valor universal? Quais são as fronteiras entre a justiça e a sua implementação?
Neste aspectos, sempre houve no mundo uma grande diferença entre a direita e a esquerda. E agora, também em Israel. A esquerda considera que a igualdade é um valor universal, uma expressão do direito de um ser humano. Não apenas a liberdade de morar debaixo de uma ponte, mas também a liberdade de viver uma vida decente.
A esquerda – e esta é a grande diferença entre ela e os vários tipos de conservadores – não considera a igualdade como um elemento que restringe a liberdade. Ao contrário, a vê como um outro aspecto do direito de um ser humano a controlar sua própria vida.
Isto nos traz de volta à ocupação. Justiça não é simplesmente o direito dos judeus a moradias decentes, é também o direito à liberdade de uma nação sob ocupação.
Se os porta-bandeiras dos protestos decidirem ignorar esta verdade, uma oportunidade enorme para mudar a face da cultura política de Israel – e de se criar um futuro melhor – será perdida.
[ Publicado no Haaretz em 26/08/2011 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]