A torrente de leis antidemocráticas que foram propostas, e parcialmente implementadas pela atual legislatura do Knesset, eleita em fevereiro de 2009, constitui um dos mais negros capítulos da História israelense. A salva de abertura foi dada pelo partido Israel Beiteinu, do ministro do Exterior Avigdor Lieberman, com sua “Lei do Nakba”, que proibe atos que recordem a expulsão de cerca de 750.000 palestinos durante a guerra de 1948.
Desde então, um crescente número de tentativas foi feita para tolher a liberdade de expressão e tornar mais difícil a vida de grupos de direitos humanos. A mais recente é a “Lei do Boicote” , que foi aprovada nesta segunda-feira pelo Knesset, ainda que o assessor legal do parlamento acredite que ela seja uma problemática violação ao direito de expressão.
A lei, nas palavras do deputado Nitzan Horowitz do partido (social-democrata sionista) Meretz, é indignante, vergonhosa e embaraçadora para a democracia de Israel.
O que está por trás deste frênese de tentativas de silenciar as críticas? A resposta, acredito, é medo, estupidez, confusão – e agora também uma viagem pelo poder.
O resultado do sistemático insuflamento, por Netanyahu e Lieberman, dos temores existenciais dos israelenses é tangível: as pesquisas de opinião mostram que os israelenses estão profundamente pessimistas sobre a paz; na maioria não confiam nos palestinos. E na geração mais nova, a crença nos valores democráricos está erodida.
Mas este pessimismo e a “mentalidade de estar sitiado” não são apenas encontrados nos eleitores israelenses comuns, mas também na classe política.
Após conversar com vários politicos de direita, fiquei impressionado por sua falta total de compreensão do cenário internacional. Eles têm um conceito profundamente equivocado sobre a atitude do Mundo Livre com relação a Israel E muito pouco entendimento da mudança de paradigma, em direção aos direitos humanos como principal linguagem do discurso internacional. Eles compram na adega de Netanyahu que a existência de Israel está sendo deslegitimada, em vez de perceber que a política de assentamento de Israel é inaceitável, política e moralmente, para todo o mundo.
Além de sua absoluta confusão entre as críticas internacionais a políticas do país e o perigo existencial para Israel, a coalizão de direita procura um bode expiatório para ser culpado pelo isolamento sem precedentes de Israel. A esquerda israelense e as organizações de direitos humanos são um alvo fácil.
No lugar de entender que a política de assentamento de Israel é uma verdadeira catástrofe, eles proclamam que as ONGs fornecem à comunidade internacional munição para criticar Israel. E querem silenciá-las.
Confusão, ideologia – e uma crescente intoxicação pelo poder da coalizão – criam a mistura explosiva que está puxando os membros do Knesset para um redemoinho de medidas ainda mais antidemocráticas, das quais a “Lei do Boicote” está dando aos deputados de direita uma sensação de supremacia desenfreada: O Israel Beitenu e o deputado do Likud Danny Danon já estão propondo um comitê para investigar o que chamam de “organizações e ONGs esquerdistas”.
Eles estão trabalhando a todo vapor para transformar Israel numa “democracia não-liberal”. Estão tornando-se um caso clássico do que Alexandre de Tocqueville – um dos grandes estudiosos da democracia – chamou de “a tirania da maioria”, usando sua autoridade sem qualquer restrição.
Embriagados pelo poder, não escutam o assessor legal do Knesset, não ouvem a comunidade internaional nem os judeus da diáspora. Nem mesmo a liderança da ADL [de posições tradicionalmente conservadoras] assim como o Departamento de Estado dos EUA que os está advertindo de que ultrapassaram a linha do que é democraticamente aceitável, ameaçando gravemente o direito de expressão.
O próximo passo já está a caminho. A Suprema Corte de Justiça tem sido, a tempos, um espinho para a direita israelense, ao procurar defender os direitos humanos universais. A coalizão de governo está procurando quebrar um dos pilares da democracia, a separação de poderes, e minar a capacidade do Poder Judiciário de funcionar como contrabalanço democrático ao Poder Legislativo.
Uma nova iniciativa do Likud propõe que o Knesset possa vetar candidatos à Suprema Corte. O novo sistema “permitiria ao comitê introduzir na Corte um modo de pensar diferente e permitir-lhes influenciar no sistema legal”. Em palavras simples: querem não só intimidar a Suprema Corte, como ganhar controle da sua filosofia judicial e alinhá-la com sua ideologia chauvinista. Caso isto aconteça, as orgulhosas declarações de que Israel é a única democracia liberal no Oriente Médio deixarão de ser verdade.
[ por Carlo Strenger – publicado no Haaretz em 13|07|11 – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]