A revolta árabe

Condições que dominarão o discurso futuro

A promoção de reformas democráticas no Egito e em todo mundo árabe é crítica sob quaisquer circunstâncias. Nenhum esforço deve ser poupado pelas populações locais – em parceria com seus governos, sempre que possível – para realizar reformas políticas consistentes com as suas aspirações,

Governos estrangeiros e organizações de direitos humanos podem e devem dar assistência, só quando pedida, tendo em mente três requisitos críticos para reformas duradouras:

      • Como a governança e as tradições de cada país árabe são diferentes, não existe um modelo único de reformas políticas que se aplique a todos;
      • Reformas rápidas, sem períodos de transição que permitam o desenvolvimento da sociedade civil e partidos políticos seculares, podem levar a mais instabilidade; e 
      • Reformas políticas não são sustentáveis – e podem até dar efeito contrário – caso não sejam acompanhadas por programas substanciais de desenvolvimento econômico que possam render benefícios imediatos.
Revolução Árabe

Revolução Árabe

Não existem modelos únicos para reformas, mas há muitos denominadores comuns

Os espantosos eventos no mundo árabe parecem ter tomado de surpresa muitas partes, e especulações sobre como se parecerá o Oriente Médio no  futuro.

Existem aqueles que afirmam que revoluções contra ditaduras – mesmo que tenham sucesso – não garantem reformas políticas democráticas duradouras – muitas das antigas repúblicas soviéticas (especialmente aquelas com raizes islâmicas) oferece, exemplos caros, como o Turcomenistão sob o presidente Gurbanguly Berdymukhammedov, o Uzbekistão sob o presidente Islam Karimov, ou o Tajikistão sob o presidente Emomali Rahmon. Estes e outros se tornaram regimes autocráticos, reprimindo liberdades políticas além de, muitos vezes, aplicarem métodos brutais para manter o poder.

Outros argumentam que independentemente de como se desenrolarem os eventos, o mundo árabe continuará a sofrer transformações de proporções históricas, e que os governos árabes não têm outra chance senão atender os anseios de seus povos por maiores liberdades.

E há os que defendem que quaisquer reformas que os regimes árabes possam estar dispostos a fazer serão superficiais, variando em grau e duração, e voltadas para pacificar os revolucionários. Insistem que grupos arraigados, tais como as forças armadas e organizações islâmicas na região, continuarão determinados a conformar os eventos de acordo com as suas agendas políticas, e que a única certeza sobre o futuro é a incerteza.

Esses e outros argumentos têm um grau de irrefutabilidade que não pode ser ignorado.

Isto posto, há certas condições criadas pelas revoltas que continuarão constantes e impactarão diferentemente cada país árabe, Mais ainda, independentemente de quão firme seja hoje o controle do poder, nenhum governo árabe será imune a algum grau significativo de mudança. Mas, quanto mais cedo eles entenderem a potência e as implicações de longo prazo dessas novas condições, menos sangue será derramado em mais suave e pacifico será o período de transição.

 

Cairo - Praça Tahrir

Cairo - Praça Tahrir

Revolta jovem

Aqueles que nunca imaginaram que a juventude árabe se levantaria contra seus governos autoritários se mostraram errados. O jovem árabe atual não é a mesma juventude da geração passada.

Esta nova geração foi largamente exposta ao mundo; levantaram-se contra a opressão, deprivação e estagnação e não querem mais viver submetidos a líderes e governos corruptos. Supor que a juventude árabe ficará indefinidamente subjugada a eles é um insulto a um povo que contribuiu tanto para a civilização e a cultura.  Nenhum governo árabe, por mais opressivo que seja, será capaz de impedir completamente o acesso dos jovens ao mundo exterior e sufocar seus anseios por liberdade. Independente da variação em intensidade das revoltas jovens, elas não são um fenômeno passageiro. Durarão anos e só amainarão quando os regimes árabes se comprometerem (e cumprirem) com promessas de reformas permanentes construtivas, políticas e econômicas.

Os atuais regimes árabes também devem lembrar que as reformas árabes são movimentos  gerados localmente; não foram instigados por forças ou grupos estrangeiros, com alegaram alguns líderes árabes; e os revolucionários não precisaram culpar entidades estrangeiras por seus apuros. A juventude pôs seus dedos na ferida de seus próprios governos. A juventude revoltada recusa-se a ser enganada pelos velhos slogans vazios e pelas desculpas que sugeriam que o caos dominaria na ausência dos atuais líderes, caso eles fossem depostos.

Já se foram os dias em que líderes árabes podiam driblar o descontentamento da população, culpando Israel, Estados Unidos ou antigas potências coloniais pela sua miséria. O povo quer que seu líderes abordem seus problemas com seriedade. Não que procurem  bodes expiatórios.

Além disto, a revolta árabe apenas representa o começo de uma continuada onda de instabilidade que está varrendo a região e não será debelada por medidas econômicas temporárias. O ultimo exemplo foi a Arábia Saudita, como o pacote de benefícios de U$ 37 bilhões concedido pelo rei Abdullah para seus cidadãos e um aumento de 15% para os funcionários públicos. Outro é o governo do Bahrain, que pagou a soma de U$ 2.650 para cada família para comprar seu sossego e silêncio. São estes exemplos de uma abordagem insustentável que fazem os governos para lidar com as demandas populares por maior liberdade e igualdade social.

Os regimes árabes precisam perceber que a população não quer esmola, quer voz. Querem ser ouvidos, porque têm o direito inerente a serem ouvidos. Querem viver com dignidade e, sem dúvida, recusar-se-ão a aceitar a mostra recente reacionária de busca de seus governos por justiça social.

Revolta se alastra pelo mundo árabe

Revolta se alastra pelo mundo árabe

Cada caso é um caso

Não existe um remédio único que atenda às necessidades nos vários países árabes. Monarcas e emires, como os governantes dos países do Golfo, Jordânia e Marrocos, certamente enfrentarão sérios desafios e, no fim – não importa após quantos anos – serão forçados a aceitar, ou evoluirão (através de programas de desenvolvimento democrático amplos e sustentáveis) para uma monarquia constitucional, ou mais democrática.

Outros países como a Argélia, Tunísia e Egito, terão que escolher uma forma republicana de governo, com legisladores eleitos liderados por um primeiro-ministro, com um forte exército que assegure que não haja abusos de poder. Outros, ainda, como Líbia, Yemen e Sudão, podem acabar dominados, por alguns anos, por juntas militares que procurem reconciliar diversas demandas tribais e ao mesmo tempo promovam algumas reformas políticas e econômicas.

Tronos desconfortáveis

Tronos desconfortáveis

A Síria pode conseguir minimizar revoltas jovens, caso promova algumas reformas políticas e econômicas. O Líbano continuará sendo um barril de pólvora sectário, enquanto os palestinos serão estimulados a se levantar num esforço para acabar a ocupação israelense, usar fóruns internacionais para fazer pressão sobre Israel, e construir uma economia mais auto-sustentável (premissa importante no Plano Fayyad). De forma geral, a transição nas monarquias árabes será mais pacífica do que em outros países árabes, mas muitas experimentarão vários graus de violência.

Seja qual for o tipo de governo, muitos Estados árabes terminarão com maior aderência aos direitos humanos básicos. A remoção de todas as leis de emergência será central para uma transição mais pacífica. Nenhum governo árabe escapará disto.

O mundo árabe continuará a sofrer mudanças radicais de proporções históricas, conduzidas por jovens determinados e comprometidos a se libertarem das algemas da pobreza. Todo regime árabe deve prestar atenção aos anseios de suas populações por maiores liberdades e desenvolvimento econômico, ou será contestado fundamentalmente.

O Egito oferece um microcosmo das mudanças que ocorreram e o tipo de reformas que devem ser buscadas. A forma como a revolução egípcia evoluir, terá  impactos diretos e indiretos sobre o resto dos Estados árabes, pois o Egito tradicionalmente foi  – e continuará sendo – o líder do mundo árabe.

[ Publicado no Jerusalem Post em 03/11/2011 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR. ]

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