Futuro do Egito está nas mãos dos militares

Está cada vez mais claro que o futuro da estabilidade, reformas políticas e progresso do Egito  estão quase inteiramente nas mãos de seus militares.

Ao contrário de outros exércitos de países árabes, as forças armadas do Egito formam uma das instituições mais respeitadas, que ganharam a admiração e o respeito da população. Em certa medida, é algo parecido com o exército em Israel. O serviço nas forças armadas egípcias é compulsório e, portanto, composto de jovens soldados de todos os extratos sociais e com afinidade e compromisso únicos com o bem-estar e padrão de vida da sua nação.

Nesse sentido, é um exército popular que a maior parte dos egípcios vê com admiração. Embora os militares tenham apoiado o governo Mubarak, ficaram fora do desgaste e praticamente sem envolvimento com a corrupção, comum em muitas outras instituições. Quanto um porta-voz militar uniformizado falou na TV pública que “as forças armadas não recorrerão ao uso de força contra nosso grande povo”, isto sugeriu fortemente que os militares não apenas atenderam às expectativas da população, mas tomaram a decisão de não apoiar o sitiado presidente Mubarak caso isso significasse sufocar os manifestantes à força Esta virada dramática dos fatos foi ainda mais reforçada quando o mesmo porta-voz militar dirigiu-se aos protestantes dizendo que o exército entende “a legitimidade das suas demandas” e afirmando que “a liberdade de expressão por meios pacíficos é garantida a todos”.

exército na praça

exército na praça

Não se pode subestimar a importância crítica destes fatos, não apenas por causa de suas implicações locais e regionais, especificamente em relação aos EUA e ao tratado de paz entre Israel e Egito. O Egito foi e continua sendo central para a estabilidade da região.  O governo Mubarak trabalhou assiduamente para mediar entre Israel e os palestinos e não poupou esforços para limitar o alcance do Hamas.  Continua válida a noção de que sem o Egito não haverá mais guerras entre árabes e israelenses, e que sem a Síria não haverá uma paz abrangente. Assim, tendo feito a decisão de, como princípio, náo usar força contra manifestantes egípcios desarmados, os militares tomaram partido e enviaram uma mensagem clara ao president Mubarak: de que ele só tem duas opções, e nenhuma delas muito atraente:

– A primeira opção é deixar o poder pacificamente, estabelecendo um novo governo transitório completamente divorciado do alto escalão atual. Em tal cenário, Mubarak deve anunciar ao seu país que renunciará numa data específica, não posterior a setembro de 2011 para quando novas eleições nacionais estão agendadas. A data de setembro é simbólica para sua saída. Ele seria bem mais prudente em realizar a eleição geral após dar aos partidos de oposição seculares a oportunidade de se organizar melhor no preparo para uma campanha nacional.

O presidente deve escolher burocratas respeitados, que poderiam incluir Mohamed ElBaradei, antigo chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, em torno do qual a maior parte dos líderes oposicionistas, inclusive da Irmandade Muçulmana poderiam se coligar. O novo governo de transição iria então enfocar, nos próximos 18 a 24 meses, a preparação do país para eleições, fazendo todo esforço para estimular a economia, criar empregos, combater a corrupção e realizar reformas políticas para assegurar que a próxima eleição seja livre e confiável. Esta opção permitiria a Mubarak deixar seu gabinete com dignidade; algo que o governo Obama poderia endossar, especialmente porque asseguraria uma transição pacífica e ofereceria uma chance muito melhor para o avanço dos partidos seculares frente à Irmandade Muçulmana. E se preservaria o tratado de paz com Israel, fundamental para a estabilidade do Oriente Médio.

– A segunda opção é que Mubarak resista a sair da cena política, caso em que a revolta certamente seria intensificada. Tal cenário implica em vários resultados imprevisíveis: poderia conduzir a um banho de sangue, especialmente se as forces de segurança interna e a polícia decidissem usar força contra egípcios desarmados.

Revolta no Cairo

Extremistas como a Irmandade Muçulmana poderiam sentir-se mais fortalecidos, tentando assumir o poder, o que poderia acabar em grandes choques com os militares.  O prolongamento do conflito criaria escassez generalizada de alimentos, remédios, gasolina e bens básicos, promovendo saques, roubos e caos.  Ao final, se este cenário se revelar, Mubarak terá que renunciar ao poder e deixar seu gabinete de forma vergonhosa.

Muitos acadêmicos e autoridades egípcios – atuais e antigos – com quem conversei, sugeriram fortemente que o segundo cenário teria pouca probabilidade de acontecer. Acreditam que Mubarak não se permitiria optar por esta rota, quando ele de fato poderia seguir vivendo com certa dignidade.  Outros pensam que mesmo que a população egípcia esteja farta e cansada do domínio de Mubarak, gostaria de ver seu presidente sair com uma postura digna, ainda que fosse para distinguir o Egito de outros países, como a Tunísia, onde o líder deposto fugiu escondido na noite.

As apostas no governo atual, reformado, continuam altas. A nomeação para vice-presidência do general Omar Suleiman, diretor da Agência Geral de Inteligência, com mandato para negociar com a oposição, pode provocar mudanças. O próprio general Suleiman tem interesse em preservar a atual estrutura, com a esperança de herdar a presidência.  Mas, a aposta de Suleiman é trabalhar na criação de um governo de transição, apresentando-se como intermediário honesto.

Fim de uma era?

Fim de uma era?

Pelo que dele conheço, é certamente capaz disto. A tentação e seu forte desejo de emergir como o novo líder do país, porém, podem evitar que ele veja o inevitável. Em qualquer caso, o regime de Mubarak já acabou. A questão para o general Suleiman será: ele gostaria de sair do mesmo jeito que seu chefe (possivelmente de forma humilhante, neste cenário) ou de emergir como o pacificador do país e arquiteto de uma nova era da História do Egito?

Mais uma vez, desde a revolução de 1952 que acabou com a monarquia do Egito e trouxe os militares ao poder, o Egito – o berço da civilização – está diante de uma encruzilhada história. A população, com o apoio das suas forças armadas, precisa escolher agora qual o futuro que deseja para o Egito enquanto país e para o seu povo.

Eles precisam decidir como utilizar o que emerge das cinzas da revolução popular e eleger uma liderança no Egito, que seja o baluarte da estabilidade e da paz regional e assuma a tarefa de promover a liberdade, o progresso econômico e o crescimento do seu povo.

É uma tarefa formidável, mas as forças armadas egípcias – que têm mostrado uma tremenda capacidade para disciplina, compromisso e amor ao país – podem e devem nela ter uma participação significativa.
 

[ publicado no site AlonBen-Meir.com – traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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