Muitas vezes me perguntam por que – num momento em que o fervor revolucionário tem tomado nação após nação aqui no Oriente Médio – nenhuma revolta começou ainda no meu país.
Na verdade, começou. Bem debaixo do nariz do governo.
De fora, pode parecer que nada mudou: um principado pequeno, mas estratégico, que foi dominado por décadas por uma autodeclarada aristocracia, pequena em número, feroz em influência, fundamentalista em visão de mundo, crescentemente não-democrática na governança.
Por um tempo, o primeiro-ministro fala de reformas, de uma visão de independência para essas maiorias apoiada pelos EUA. Mas só por um tempo. Sabedor dos bem armados 4% da população que, freqüentemente roubam os holofotes dos outros 96%, ele até põe em risco o relacionamento próximo com os Estados Unidos, em prol dessa aristocracia que vive em imóveis guardados pelo exército, longe das vistas e além das fronteiras da população comum.
As reformas se esfumaçam quando ele fala dos obscuros desígnios de inimigos regionais, enquanto seu astuto parceiro chefe da coalizão, o corpulento grão-vizir e seu rival pela afeição política da aristocracia, explora ódios ferventes para impor um amplo espectro de cerceamentos sobre liberdades democráticas.
Sim, para o mundo exterior, a fachada de estabilidade parece assegurada. A população comum do país, após reformas importantes, foi traumatizada até a paralisia por anos de derramamento de sangue e um sistema político esclerosado dominado por grupos de interesses corruptos, teocráticos e rigidamente conservadores.
Fora dos mecanismos politicos estabelecidos, porém, uma revolução está acontecendo. Aqui. No moderno principado do povo judeu. Em Israel.
Através dos anos, a aristocracia dos assentamentos – o poder por trás do trono – envelheceu, perdendo energia politica e direção interna, enquanto sua própria juventude começou a questionar sua ideologia de direito divino à terra e ao domínio.
Aqui, agora, neste lado da fronteira reconhecida, uma oposição potente está emergindo, jovem, em boa parte desconhecida mas experiente em redes sociais.
Esta revolução, como aquela dos colonos de décadas atrás, tem o potencial de transformar tanto Israel quanto o judaísmo como um todo.
É por isto que a direita anti-concessões e pró-assentamentos, corretamente, vê ONGs, organizações de direitos humanos e seus apoiadores pró-justiça social no exterior, como as mais imediatas das ameaças. É aí que a direita está investindo sua energia legislativa. Mas não é o futuro de um Israel judeu e democrático que esses ativistas ameaçam. É o domínio do emirato dos assentamentos que eles realmente põem em perigo.
Esses ativistas têm um segredo que o governo até aqui não foi capaz de combater. Eles descobriram uma forma de curvar os gigantes inchados que mandam nas instituições governamentais. Ocultos pela massa, os pés sobrecarregados dos gigantes são tomados por calos, joanetes e gota. E aí, eles simplesmente desabam.
Eles encontram feridas potencialmente dolorosas, vulneráveis e dolorosas, e apertam. Funciona. O gigante se descobre incapacitado.
Dois alvos: alguns dos mais poderosos gigantes do país. Dois, entre muitos exemplos:
Sheikh Jarrah, a manifestação atrativa, improvisada e brilhante que se materializa a toda tarde de 6ª feira em Jerusalém Oriental, tem enfurecido o movimento de colonos, o prefeito de Jerusalém, o pró-assentamentos Nir Barkat e a Comissão de Planejamento Regional de Jerusalém, ainda mais desafiadora e ainda mais pró-assentamentos.
El Araqib, a pequena aldeia beduína no Neguev que o JNF [Jewish National Fund], auxiliado pela ILA [Autoridade de Terras de Israel] e mais de mil policiais, demoliu repetidamente – pelo menos 18 vezes! – para abrir caminho à generosa doação de uma floresta do grupo evangélico cristão ‘God TV’. Os moradores beduínos, apoiados por ativistas de direitos humanos e outras ONGs, voltaram novamente para reconstruir sua aldeia após cada vez que as máquinas pesadas do JNF e da ILA a arrasavam.
É assim que soa uma revolução: os príncipes estão em desordem. Alguns dos príncipes e princesas de sangue azul, como Tzipi Livni e Dan Meridor, herdeiros de comandantes da milícia Irgun de antes da independência, acreditam abertamente agora e trabalham por uma solução de dois Estados, uma Palestina independente ao lado de Israel, com uma grande retirada israelense da Cisjordânia.
Para todo lado que se olhar bem, os ventos estão mudando.
Os próprios ativistas que os israelenses pró-ocupação vêem como seus piores inimigos – o PAZ AGORA, os vários beneficiários de doações do ‘New Israel Fund’, como a ‘Associação pelos Direitos Civis em Israel’, e vários outros grupos independentes – estão mostrando as obras da ocupação, simplesmente jogando luz sobre elas.
O romancista britânico Ian McEwan, ao receber no domingo o Prêmio de Literatura de Jerusalém, falou sobre os “contínuados despejos e demolições, e as incessantes compras de casas palestinas em Jerusalém Oriental, do processo de direito de retorno oferecido a judeus mas não a árabes”.
Também marcou a ocasião doando dez mil dólares para uma importante ONG , ‘Combatentes da Paz’, cujo site destaca que “reúne ex-soldados israelenses e ex-combatentes palestinos. Esses ex-combatentes saem em duplas falando em público pela tese de que não pode haver solução militar para o conflito”.
Assim como a revolução dos colonos foi por longo tempo energizada e apoiada por grupos judeus do exterior, esta nova revolução para um Israel socialmente justo já trouxe mudanças e energia nova para as maiores comunidades da Diáspora.
Embora efetivamente boicotada pelo embaixador de Israel em Washington, Michael Oren (nascido nos EUA), e pela recente Assembléia Geral das Federações Judaicas da América do Norte, a Conferência 2011 do ‘J Street’ (26/2 a 1º/3) parece que irá fazer jus à denominação de “o maior encontro de todos os tempos de ativistas pró-Israel e pró-paz”.
Em 14 de março, em Berkeley, na costa Oeste, a Magazine Tikkun, que não hesita em se descrever como “fortemente pró-Israel” com uma perspectiva progressista e crítica, comemorará seu 25º aniversário. Entre os homenageados da noite estará o juiz Richard Goldstone.
Esta revolução apenas começou, mas está ganhando força dia a dia. Há pouco, ela foi reforçada pela indicação do primeiro juiz gay de Israel, um revés desastroso para a legislação macartista determinada pelo apoiadores dos colonos, e um alento para a suspensão da construção no assentamento de Har Homá.
Esta revolução está apenas começando. Ela será travada no ciberespaço e nas ruas das cidades, em áreas ocupadas e no Israel mesmo, em sinagogas americanas e, no fim, em todo o mundo judeu. Esta revolução objetiva não apenas o fim da ocupação, mas o começo de um novo Israel. Desta vez, não para colonos. Para os israelenses!
[ Publicado no Haaretz em 23/02/2011 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]