Um evento distante e confuso

 
No dia em que o primeiro-ministro Yitzhak Rabin foi assassinado, há 15 anos, as regras do jogo democrático em Israel mudaram. E sua sociedade foi ainda mais cindida.
 
Desde então, a consciência da população foi envolvida numa luta entre duas visões de mundo: Uma de um Israel como um país esclarecido, moderno, secular, progressista e democrático, vivendo em paz e parceria com o povo palestino;  por outro lado, um Israel como  terra de fanáticos, nacionalistas, religiosos, fascistas, racistas, etnocratas, desconectado dos seus vizinhos.
 
Da perspectiva do assassino Yigal Amir, a eliminação do primeiro-ministro foi uma execução perfeita e bem sucedida.
 
Afinal, como Dália Rabin, filha do finado primeiro-ministro observou há algumas semanas numa cerimônia militar, “aos olhos dos atuais recrutas, o assassinato é apenas uma página nos livros de História”.
 
Como isso aconteceu? Ao longo dos anos, a responsabilidade do sistema político e do establishment rabínico foi desbotando, turvando e se apagou. Esquecemos que Rabin foi assassinado por causa da trilha política que ele defendia – os Acordos de Oslo e um acordo de paz com os palestinos. E também foi assassinado por ter sido o primeiro chefe de governo a assinar um acordo de coalizão com os partidos árabes israelenses.
 
Nós esquecemos que havia elementos nacionalistas, fundamentalistas e rabinos fanáticos que acreditavam que um governo eleito e um Knesset soberano que contava com o apoio de eleitores árabes eram ilegítimos. Assim, argumentavam, Rabin não tinha o mandato necessário para ceder qualquer parte da Terra de Israel.
 
Esses mesmos elementos incitaram e inflamaram a população, criando uma atmosfera na qual o primeiro-ministro e suas políticas eram deslegitimados.
 
Os incessantes  gritos de “[Levem] os criminosos de Oslo à justiça!”, as proclamações rabínicas de ‘din rodef’ que autorizavam os ‘perseguidos’ [o povo israelense] a eliminar o ‘perseguidor’ [Rabin]; as infames incitações contra Rabin gritadas da Praça Zion em Jerusalém – incluindo o discurso do atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Tudo isso plantou as sementes para o assassinato de Rabin.
 
No seu interrogatório pelo Shin Bet, o assassino Amir admitiu que não teria realizado o ato sem uma sanção rabínica. Até hoje, Amir se recusa a revelar quais rabinos foram, de fato, cúmplices diretos do crime.
 
Naquele tempo, as agencies de segurança não fizeram nenhum esforço para rastrear esses rabinos e levá-los à justiça. Até esta data, rabinos continuam a inflamar e emitir normas haláchicas, que funcionam como leis para eles. Recentemente, o rabino Dov Lior, do assentamento Kiriat Arba expressou apoio ao panfleto “A Torá do Rei”, do rabino Yitzhak Shapiro, que perdoa o assassinato de árabes. Lior, não por coincidência, estava entre os principais incitadores contra Rabin.
 
Extremistas no governo

Rabino Dov Lior pregando aos discípulos

Rabino Dov Lior pregando aos discípulos

Vale lembrar que antes do assassinato de Rabin, o incitamento já perdoava matar árabes. Por exemplo, o volume vergonhosamente chamado de “Baruch HaGever”,  do rabino Yitzchak Ginsburgh, elogiava Baruch Goldstein por ter massacrado, em 1994, 29 árabes que oravam na Tumba dos Patriarcas. Não é preciso mencionar que Ginsburg jamais foi submetido a  julgamento.
 
O prolongado domínio de Israel sobre 3 milhões de palestinos criou um conjunto de leis para colonos e outro distinto para palestinos. Errou quem pensou que apesar do domínio não-democrático nos territórios, poderíamos manter o jogo democrático dentro da Linha Verde.
 
Então, 15 anos atrás, só uma margem de fanáticos nacionalistas e religiosos buscavam deslegitimar os deputados árabes do Knesset. Hoje, o governo inteiro abraça tal política.
 
A ala extremista continua a crescer. Anos atrás, seus membros se concentravam nos pequenos assentamentos ideológicos a leste da Linha Verde. Hoje, seus membros são parlamentares legitimamente eleitos e que desafiam a democracia de Israel.
 
Há duas décadas, o Knesset baniu os representantes do rabino racista Meir Kahane. Hoje, um declarado kahanista, Michael Ben-Ari, com gestos selvagemente incitadores, tramples on the sobre os princípios básicos da Declaração de Independência que promete “igualdade, sem distinção de religião, raça ou gênero
 
Em vez de defender o caráter democrático do Estado, os deputados racistas do Knesset impugnam seus adversaries politicos e estão tentando, implantar uma série de leis discriminatórias, tal como a do “juramento de lealdade”, a lei da Naqbab – leis que revogariam a cidadania,  leis permitindo a comunidades judias proibir que árabes morem nelas, entre outras, todas designadas a discriminar a minoria de 20% de árabes do país e retratar os árabes-israelenses como inimigos do Estado. As críticas de dentro e do exterior, sobre a política de assentamentos levou a um reflexo para amordaçar qualquer coisa que se oponha ao consenso reacionário local, como o ataque contra o ‘New Israel Fund’ [ONG que recolhe fundos para ONGs progressistas]
 
Netanyahu, em seu discurso no Knesset marcando o 15º aniversário do assassinato de Rabin, disse que é um portador da tocha da política de Rabin.
 
Parafraseando literalmente palavras de Rabin, Netanyahu declarou que Rabin ofereceu “menos que um Estado para os palestinos” ,,, e nós [o governo Netanyahu] propomos “um Estado desmilitarizado que reconheça Israel”. Será mesmo?
 
Na prática, as conversações ‘de proximidade” entre Israel e os palestinos estão atoladas por causa da recusa de Netanyahu em aceitar o pedido de Obama para estender o congelamento de construções por mais dois meses. Quando o governo continua a publicar licitações para obras em Jerusalém Oriental, e quando Avigdor Lieberman, ministro do exterior, declara na Assembléia da ONU que passarão algumas décadas antes que seja possível a paz entre Israel e os palestinos, não deverá causar surpresa se nos encontrarmos caindo num abismo perdendo a democracia.
 
Nem é surpresa que o assassinato de Rabin seja hoje pouco mais que um evento distante e confuso. 
 

Zahava Galon foi deputada do Knesset pelo partido Meretz.
 

[ publicado em 11|11|10 no Jerusalem Post e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

Zehava Galon

Zehava Galon

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