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Mulher, judia, estrangeira, comunista, companheira de Luis Carlos Prestes – Olga Benario tinha muitos motivos para ser perseguida no Brasil da ditadura Vargas. A deportação para a Alemanha nazista, e a morte num campo de concentração, representaram apenas a culminância do martírio. É mérito do escritor Fernando Morais (votei nele para a Academia Brasileira de Letras!) ter recuperado esta sombria, mas emocionante saga. Conversei com Fernando logo depois que o livro apareceu; ele me contou de seu assombro diante do desconhecimento, em nosso país, da história de Olga, que, na Alemanha (Oriental) era até nome de rua.
Olga foi uma heroína, mas não a única. Faz parte de uma linhagem de admiráveis mulheres, judias e revolucionárias, que hoje figuram nas páginas da História. Foi o caso de Rosa Luxemburg. De uma família de classe média, formada em Direito na Suíça, Rosa casou-se com um alemão e foi viver em Berlim, onde se tornou líder da ala esquerda do movimento socialista e fundou, junto com o também revolucionário Karl Liebknecht, a Liga Spartacus (o nome homenageia o lendário gladiador que chefiou uma rebelião contra o Império Romano).
Foi o caso de Emma Goldman. Nascida na Europa Oriental, de família pobre, ela, como muitos, emigrou para os Estados Unidos, onde se tornou anarquista militante e líder de movimentos operários.
Foi ainda o caso de Simone Weil. Também de uma família de classe média (o pai era médico), Simone nasceu em Paris. Menina prodígio, já na infância dominava o grego e vários idiomas. Estudou filosofia e já na Faculdade mostrava simpatia pelo ideário comunista. Formada, foi trabalhar em fábricas, para assim entender como viviam e pensavam os trabalhadores. Alistou-se para lutar na Guerra Civil espanhola de 1936, mas não chegou a entrar em combate: queimou-se com água fervendo. Na Espanha, desiludiu-se com o marxismo, converteu-se ao cristianismo. Durante a ocupação nazista da França deixou o país, foi para a Inglaterra, onde trabalhou para o governo francês no exílio liderado por Charles De Gaulle.
Como Olga, estas mulheres tiveram fim trágico. Rosa Luxemburg passou longos períodos na prisão, o último destes depois de uma fracassada rebelião da Liga. E, na prisão, ela foi assassinada por soldados, seu corpo sendo jogado às águas de um canal próximo.
Doente (tuberculose), Simone Weil recusava tratamento e alimento, em sinal de solidariedade ao povo francês. Acabou morrendo em 1943. O ato que deveria ser a culminância na carreira de Emma Goldman terminou de maneira patética: junto com outros anarquistas ela planejou um atentado contra Henry Frick, conhecido industrial que reprimira com violência uma greve em sua fábrica. O problema é que não tinham dinheiro para comprar o revólver. Emma Goldman resolveu se prostituir para isso, sem muito sucesso. O complô foi descoberto, ela foi deportada e passou o resto da vida vagando de país em país até falecer, em 1940.
Formam uma irmandade espiritual, estas mulheres. Uma irmandade cujo denominador comum é o idealismo, a bravura – e a sina trágica. Lutaram até o fim. Mesmo que tenham escolhido a causa errada, merecem nosso respeito.
Moacyr Scliar é médico sanitarista e escritor gaúcho, membro da Academia Brasileira de Letras e dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA
[ publicado na Carta Maior em 28/08/04 ]
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