Jerusalém precisa ser dividida

O presidente Barack Obama não distribui benesses dos EUA por metade do preço como, por exemplo, um congelamento temporário da construção de assentamentos. Para receber o generoso pacote de incentivos americanos posto diante dele, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem que entregar uma lista de assentamentos judeus que serão apagados do mapa. Esta lista deve incluir Hebron e Shiló, o Vale do Jordão e o norte do Mar Morto, e também Jerusalém Oriental.

Jerusalem Velha

Jerusalem Velha

No mapa pendurado no escritório de Netanyahu, essas amplas faixas de território estão rotuladas “Jerusalém”; em outros mapas pelo mundo, são anotadas como “territórios ocupados”. Nenhum país reconhece a anexação de 70 km2 do território da Cisjordânia dentro dos limites municipais de Jerusalém (cuja área era de 6,4 km2 sob o domínio jordaniano). Opor-se a uma retirada de Jerusalém Oriental irá sem dúvida levar ao fracasso das negociações  e das as costas para uma solução de dois Estados.

O ex-primeiro-ministro Ehud Barak tem o crédito de ter feito a primeira tentativa de quebrar o tabu sobre a divisão política de Jerusalém (de qualquer outra forma, Jerusalém continuou dividida). Ehud Olmert seguiu os seus passos e desenhou uma linha entre os bairros judeus e árabes de Jerusalém Oriental.

Pesquisas de opinião têm mostrado que a população israelense judia começou a resistir a falsos clichês que foram usados para encobrir a falta de qualquer ação pela cidade mais pobre de Israel. Muitos foram criados acostumados à idéia de que teremos que abrir mão do campo de refugiados de Shuafat e um quarto de milhão de palestinos. Desde o início da discussão sobre o congelamento de assentamentos, quase não houve um único dia sem que Netanyahu ou seus porta-vozes publicassem uma nova manchete glorificando o mito da “capital eterna que jamais será dividida”.

Cidade de David - Jerusalém Oriental

Cidade de David - Jerusalém Oriental

Alguns clichês falsos:


Netanyahu: “Israel não vê nenhuma relação entre o processo de paz e a política de planejamento e construção em Jerusalém, que não foi mudada em 40 anos… A construção em Jerusalém nunca interromperá o processo de paz”.

Os Fatos:  Após a decisão de Netanyahu no início de 1997 (no seu primeiro mandato como primeiro-ministro) de construir o bairro de Har Homá na Jerusalém Oriental, a Liga Árabe reuniu uma sessão de emergência. Seu secretário-geral, Ismat Abdel Magid condenou a política de “judaizar Jerusalém, que objetiva criar fatos consumados à véspera de negociações para um acordo definitivo”. O rei Hussein da Jordânia despachou uma mensagem rude a Netanyahu, advertindo que o plano iria levar a um incêndio de emoções. O Egito expressou preocupação pelo prejuízo que o projeto infligiria no processo de paz. O presidente dos EUA, Bill Clinton, prometeu ao chefe da Autoridade Palestina, Yasser Arafat que iria pressionar Netanyahu para congelar os planos. Mas o líder israelense rejeitou todos os apelos. O Hamas ganhou uma nova vitória contra o processo de paz.

Netanyahu: “Jerusalém é unida, a capital do povo judeu e sua soberania é irreversível”.

Os fatos: Conforme o road map, aprovado em maio de 2003 pelo governo Sharon (onde Natanyahu era um ministro senior), o acordo permanente que deveria ser assinado em 2005 incluiria “uma solução acordada, justa e realista para a questão dos refugiados e uma resolução negociada sobre o status de Jerusalém”.  Também dizia que na primeira fase, o governo de Israel iria reabrir o escritório de comércio palestino e outras instituições então fechadas na Jerusalém Oriental.   Mais ainda, dois primeiros-ministros israelense já determinaram o precedente de que a soberania sobre Jerusalém Oriental era discutível.

Netanyahu: “Todos os moradores de Jerusalém podem comprar casas em qualquer parte da cidade”.

Os fatos: Existe uma cláusula da ILA – Administração das Terras de Israel, permitindo anular a compra de uma casa se o comprador não fosse cidadão israelense ou com direito de imigrar com base na Lei de Retorno (em outras palavras, que não fosse judeu).


Uma reportagem investigativa publicada por Nir Hasson neste 5 de novembro (“O governo deu terras de Jerusalém Oriental, sem licitação”) mostrou a relação simbiótica entre o governo e elementos da direita, que objetivam por os árabes para fora de Jerusalém Oriental. O governo de Netanyahu foi o primeiro a conceder à ONG Elad o parque nacional ‘Cidade de David”, sem licitação. Um diretor da ONG declarou no passado que o objetivo do grupo é “tomar a posse de áreas de Jerusalém Oriental para criar condições inalteráveis na Bacia Sagrada em torno de Cidade Velha”.

 Mesmo em Jerusalém, mentiras repetidas muitas vezes não se tornam verdadeiras. A vertade era e continua sendo: ou Jerusalém irá se tornar a capital de dois povos, ou Israel tornar-se-á o Estado de dois povos.

 

[ publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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