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Como os israelenses enxergam a presente evolução do conflito israelense-palestino?
A palavra-chave parece ser “ignorância”. Exceto por algumas centenas de pacifistas, os israelenses não tem idéia das realidades da ocupação: na melhor das hipóteses têm uma extremamente vaga idéia de como se parecem os postos de controle, o sítio, o muro de separação e a catástrofe econômica nos territórios. Uma ignorância institucionalizada tem sido a política israelense por pelo menos 10 anos para manter os palestinos fora da consciência israelense.
As raízes do processo podem ser encontradas nos anos de Oslo. O continuado “fechamento” dos territórios ocupados, combinado com uma massiva importação de trabalhadores estrangeiros, para tirar os palestinos do mercado de trabalho, deixou as ruas israelenses virtualmente livres de palestinos. Israelense que costumavam visitar os territórios para compras ou turismo foram desestimulados pela atual violência e por advertências e proibições oficiais.
A separação física é complementada pela mídia. O canal público de TV israelense não tem um “correspondente nos territórios” há 3 anos. O Ha’aretz é o único jornal israelense que regularmente dá boa informação sobre os territórios ocupados, mas que é marginalizada mesmo neste diário de pequena circulação.
Desde a erupção da última intifada, os territórios ocupados se tornaram ainda mais uma propriedade privada do exército israelense. Ativistas estrangeiros são deportados, israelenses são impedidos de entrar, jornalistas são cooptados ou deixados de fora. A faixa de Gaza cercada eletronicamente é um buraco negro, o muro de separação, a suprema encarnação da ideologia de encobrimento terá o mesmo efeito na Cisjordânia. Não é coincidência que ambos os lados do muro foram agora atribuídos a controle militar.
A população israelense é mantida no escuro sobre o que se passa a apenas 20 minutos de carro de Tel-Aviv, ou logo após (ou mesmo dentro) dos limites municipais de Jerusalém. Mesmo o parlamento (Knesset) enfrenta dificuldades nas suas raras tentativas de obter do exército informação confiável.
Uma inédita discussão sobre direitos humanos nos territórios pelo Comitê Parlamentar de Constituição, Lei e Justiça, encontrou recentemente uma extrema relutância por parte do exército para fornecer fatos e números básicos. O presidente do Comitê, Michael Eitan, (do Likud) admitiu: “Não estou certo de que as autoridades responsáveis estejam sabendo do fato de que há brutais violações de direitos humanos na região”.
A consciência israelense – o que os israelenses sabem, o que não sabem, e o que pensam saber – é moldada em grande extensão pelo exército, que tem colocado com sucesso agentes em posições chaves do governo (desde o primeiro-ministro e o ministro da defesa para baixo), em vários partidos políticos, na mídia, e em todos os centros israelense de poder, com a única exceção do Ministério das Finanças, que se reporta diretamente a Washington e ao FMI. Ao contrário da Turquia, onde o envolvimento excessivo do exército na política é publicamente enfrentado e percebido como um problema nacional, o fato de que Israel é conduzido principalmente pelo exército é totalmente negado, e o país ainda é apresentado em casa e no estrangeiro como se fosse uma democracia ocidental.
A ignorância Institucionalizada tem tornado a opinião pública israelense muito facilmente manipulável. Mesmo que no longo prazo uma enorme maioria dos israelenses se oponha consistentemente à ocupação e apóia a retirada dos territórios palestinos, incluindo o desmantelamento dos assentamentos, no curto prazo uma população confusa pode ser conduzida a apoiar qualquer coisa que a propaganda oficial sugira, seja uma guerra, um muro, ou um vago “plano de paz”.
O muro pode servir como uma boa ilustração. O que os israelenses apóiam ao apoiar o muro? Considere-se uma questão típica, tirada da recente pesquisa do Projeto Peace Index realizado mensal.mente pelo Steinmetz Centre for Peace Research da Universidade de Tel-Aviv: “Nesses dias, uma cerca de separação entre Israel e os palestinos está sendo erigida. Embora a localização precisa da cerca seja ainda desconhecida, é claro que pelo menos parte dos assentamentos judeus nos territórios irá ficar de fora da cerca. Sob essa circunstâncias, você apóia ou se opõe à construção da cerca?”
Lembre-se que a maioria dos israelenses supõe que o muro está sendo construído mais ou menos ao longo da Linha Verde (fronteira de 1967). O impacto dele sobre os palestinos – aqueles selados atrás dele, aqueles que perdem suas terras por causa dele, aqueles espremidos entre ele e a Linha Verde – não é mencionado na questão, como se estivesse ausente da consciência israelense.
Mencionar assentamentos deixados fora do muro como a única informação de fundo não deve ser visto como apenas etnocêntrico. Também insinua que o muro deve levar ao desmantelamento deles, com o que a maioria dos israelenses concorda. Sob essas falsas colocações, não surpreende que 60% dos entrevistados o apóie, (aproximadamente a mesma proporção daqueles que apóiam o fim da ocupação ou o road map).
Mas esse apoio é profundamente ancorado num quadro de ignorância. Se os entrevistados soubessem que o muro está cortando profundamente a Cisjordânia, tirando dela suas terras mais férteis, que uma “Cerca Oriental” também foi projetada para circundar os palestinos por todos os lados e deixar o Vale do Jordão em mãos israelenses, que o muro não levaria ao desmantelamento de assentamentos, mas ao contrário aceleraria sua expansão, que vem infligindo ainda mais despossessão e empobrecimento aos palestinos – em resumo, se eles soubessem que o muro não trata de por um fim na ocupação, mas sim de aprofundá-la, os resultados da pesquisa poderiam ser muito diferentes.
Seja o muro, o roadmap, a Hudna, ou a nova imagem fabricada de Sharon como um “líder moderado”, a ignorância das realidades atuais leva a grande maioria dos israelenses, que na verdade se opõe à ocupação, a apoiar medidas que a perpetuam.
Parece que só um projeto intensivo, bem organizado e documentado de informação, que incessantemente abasteça a mídia com informação sobre a vida atual nos territórios ocupados, pode reduzir a facilidade com que os israelenses tem sido mais e mais manipulados.
Ran HaCohen ensina no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Tel-Aviv e trabalha como tradutor e crítico literário para o diário israelense Yedioth Achronoth.
[ publicado no al-Ahram em 10/08/03 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]