Com os olhos de todo o mundo voltados para a última rodada de negociações israelenses-palestinas, e com os jornalistas estrangeiros ocupados observando o território palestino a procura de sinais de novas atividades de assentamento, como se fossem um misterioso indicador de coisas por vir, devem haver milhos de questões nas mentes de todos. O que se tornou nos últimos anos o modelo convencional paz, a solução de dois Estados, está agora sendo testado. Esperamos que passe neste teste. Mas, com uma casa fraturada no lado palestino, um governo de mente estreita no lado israelense, e uma comunidade internacional pateticamente impotente, as perspectivas de sucesso parecem diminutas.
Os moralistas militares no lado israelense pesarão meticulosamente, até o ultimo indivíduo, o número de civis palestinos cujas vidas podem ser sacrificadas pela vida de um soldado israelense. Enquanto palestinos, de nível moral equivalente – mas talvez com menos atenção a números ou a distinções entre soldados e civis – irão tirar vidas israelenses com igual convicção moral. Assim, então, são as nossas ingênuas crenças narcísicas sobre nós mesmos embora, verdade seja dita (e uma vez invocados termos transcendentais), nada diferencia o sangue judeu do árabe, ou vice-versa, e árabes podem muito bem ser judeus em algum outro mundo ou o contrário, sendo que suas identidades ‘neste mundo’ são de fato tão descartáveis, ou dispensáveis, quanto máscaras num baile a fantasia.
Outras vozes recentemente têm defendido outros caminhos para uma solução. Novamente, porém, é difícil ver como progressos acordados em comum podem ser feitos nesses caminhos. De certa forma, Israel tornou-se vítima de seu próprio poder, que o forçou a ficar sozinho nesta conjuntura na capacidade de identificar e buscar soluções para sua situação aflitiva. Mais possivelmente procurará ‘meias-medidas’, necessariamente com lideranças palestinas ‘meio’ representativas, esperando, de alguma forma que, em algum tempo de um futuro mais distante, esta ‘contenção’ do problema irá de alguma forma ajudar a faze-lo desaparecer. No lado palestino, por sua vez, é o poder de sua própria retórica que tradicionalmente vitimou os palestinos.
Sob tais circunstâncias, parece que precisamos esperar e nos preparar para, não somente para os resultados a longo-prazo de convergências de massas de população e o colapso de espaços urbanos – tornando a partilha geográfica de quaisquer descrições uma moeda superada do passado – mas também a pressão avassaladora de um sistema moral binário, onde carcereiros e prisioneiros são confinados no mesmo espaço reduzido, com cada lado se tornando mais vítima de sua maligna máscara tribal a cada dia.
A questão de quem sou, ou do que alguém é, sempre foi para mim uma fonte de mistério. Um desdobramento particular deste mistério que me incomoda, perturbando constantemente a minha paz de espírito, especialmente como alguém cuja vida inteira foi engolfada no que muitas vezes parece ser um conflito sem sentido, é quanto ao porquê de, por um ponto de vista lógico, eu ou qualquer outro deveria lutar ou combater por qualquer coisa, qualquer que fosse a causa, mesmo se esta fosse a preservação da própria vida, um pedaço de terra, uma pedra ou uma identidade tribal.
Meu menosprezo moral por guerras tribais e minhas contestações sobre fronteiras de diversos tipos e tamanhos não deve ser entendida como o refúgio de um quietismo latente – uma crença de que sofrer o infortúnio com serenidade é a única doutrina racionalmente defensável. Bem ao contrário, sou um grande crente no ativismo, ou em agir como forma de ser. Mas, tal ativismo, creio – esta crença que agora sendo abraçada por uma matiz do racionalismo Kantista – deve primeiramente ser em favor dos valores humanos universais e não por preconceitos tribais. Se luto pelos direitos palestinos, só posso me permitir fazer isto na extensão, em termos racionais, em que eu possa considerar minha defesa de tais direitos como exemplo específico de minha defesa de direitos humanos universais. Minha luta ou ativismo, no caso, seria racionalmente defensável. Mas só na medida em que tenha sido feita em virtude deste princípio moral universal.
Não acho que o anjo da paz se foi, ou que esteja por nos abandonar para sempre. Mas penso que nosso desafio como amantes da paz, como seres humanos, está sendo afastado para mais longe do que nunca. Isto certamente demanda que sejamos pacientes.
Mas, mais do que nunca, também exige que tenhamos fé em nós mesmos – na mágica que existe dentro de nós. Por mais impossíveis que as coisas possam parecer, ainda podemos fazê-las acontecer.
[ Discurso de Sari Nusseibeh ao receber o Prêmio ‘Siegfried Unseld’ em 28/09/10, junto com Amos Oz, em Berlim, ]
Este artigo, assim como “Uma luta trágica”, discurso de Amós Oz na ocasião da premiação, foram publicados pela New York Review of Books e traduzidos por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR.