Nenhuma explicação pode justificar ou passar uma borracha no crime que foi cometido. E nenhuma desculpa pode explicar as estúpidas ações do governo e do exército israelense.
Israel não enviou seus soldados para matar civis a sangue frio. Esta seria a última coisa que desejaríamos. Mas, uma pequena organização turca, fanática em suas visões religiosas e radicalmente hostil a Israel, recrutou para sua causa várias centenas de pacifistas e defensores da justiça.
Conseguiram atrair Israel para uma armadilha, porque sabiam como Israel reagiria, sabiam como Israel é movido e compelido, como um marionete, a reagir da forma que fez.
Quão inseguro confuso e atemorizado deve ser um país, para agir como Israel agiu! Com uma combinação de força militar excessiva, e uma fatal ausência de previsão sobre a intensidade da reação dos que estavam no navio, matou e feriu civis. E o fez fora de suas águas territoriais, como um bando de piratas.
Esta percepção não implica em concordar com os motivos, abertos ou ocultos, e muitas vezes maliciosos, de alguns participantes da flotilha de Gaza. Nem todos eles são humanistas amantes da paz. As declarações de alguns pregando a destruição do Estado de Israel são criminosas. Mas esses fatos são simplesmente irrelevantes no momento. Tais opiniões não merecem a pena de morte.
Estas ações de Israel não são mais do que a continuação do vergonhoso bloqueio de Gaza, que por sua vez é a perpetuação da abordagem de punho de ferro do governo de Israel, que está disposto a arruinar a vida de um milhão e meio de gente inocente na Faixa de Gaza, para obter a libertação de um soldado aprisionado. Por mais precioso e amado que este possa ser.
E este bloqueio é conseqüência natural de uma política truculenta e calcificada, que sempre volta a recorrer ao uso de forças massivas e exageradas, em todas situações decisivas, onde a sabedoria, a sensibilidade e o pensamento criativo seriam necessárias.
O escritor David Grossman protesta em Sheik Jerrah, Jerusalém Oriental
E de alguma forma, todas essas calamidades – incluindo os últimos eventos mortais – parecem ser parte de um processo corruptor maior, que está afligindo Israel. Sente-se um sistema político podre e inchado, alarmado pela desordem produzida ao longo dos anos por suas próprias ações e equívocos. E sem esperança da possibilidade de desatar o imenso nó que amarrou, torna-se ainda mais inflexível frente a desafios prementes e complexos, nesse processo perdendo as qualidades que um dia caracterizaram Israel e sua liderança – vitalidade, originalidade e criatividade.
O bloqueio de Gaza fracassou. Já fracassou há quatro anos. Isto significa que ele não é meramente imoral, mas também impraticável e, na verdade, piora toda a situação, como estamos revendo nesta mesma hora. E também prejudica os interesses vitais de Israel.
Os crimes dos líderes do Hamas, que vêm mantendo cativo o soldado israelense Gilad Shalit por quatro anos, sem permitir uma única vez que a Cruz Vermelha o visite, do Hamas que disparou milhares de foguetes desde a Faixa de Gaza sobre cidades e vilarejos israelenses, são atos que precisam ser tratados com firmeza, utilizando os vários meios legais disponíveis a um Estado soberano. O atual cerco a uma população civil não é um deles.
Eu gostaria de acreditar que o choque das ações enlouquecidas desta 2ª feira, levará a uma reavaliação de toda a idéia do bloqueio, libertando por fim os palestinos dos seus sofrimentos e limpando Israel do seu desgaste moral. Mas a nossa experiência nesta região trágica nos ensina que acontecerá o contrário: os mecanismos de resposta violenta e os ciclos de vingança e ódio. Nesta 2ª iniciou-se uma nova rodada, cuja magnitude ainda não se pode imaginar.
Acima de tudo, esta operação insana mostra o quanto Israel declinou. Não é preciso exagerar esta afirmação. Qualquer um que tenha olhos para ver entende e sente isto. E ainda existem aqui os que buscam converter a sensação natural e justificada da culpa israelense numa afirmativa estridente de que o mundo todo é culpado. Está cada vez mais difícil de conviver com a nossa vergonha.
DAVID GROSSMAN é um dos três expoentes da literatura contemporânea israelense, ao lado de Amós Oz e A. B. Yeoshua. Como eles, é veterano ativista do Movimento PAZ AGORA, tendo sido signatário da DECLARAÇÃO CONJUNTA ISRAELENSE-PALESTINA e do ACORDO DE GENEBRA.
Traduzico pof Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR.