Um passo perigoso

As'ad Ghanem
As’ad Ghanem

É difícil não ficar impressionado pela atitude compreensiva de Akiva Eldar com Salam Fayyad, primeiro-ministro da Autoridade Palestina. Durante sua entrevista sobre o plano de Fayyad para declarar um Estado Palestino em 20100 (no Haaretz de 02|04: “Teremos um Estado no ano que vem”), Eldar deixou o primeiro-ministro apresentar seu plano sem levantar uma única questão desafiadora. Qualquer questão assim poderia revelar a fraqueza desse plano.

Fayyad planeja declarar o Estado, e talvez esteja de fato preparando o terreno para isto na área que está sob controle do seu governo. Pode-se assumir que sua declaração irá receber as bênçãos de vários membros do Quarteto (União Européia, ONU, EUA e Rússia). Não porque estejam convencidos de que declarar um Estado trará o fim do conflito, mas porque isso lhes permitirá deixar o assunto dizendo que resolveram o conflito. Com efeito, a “criação do Estado” irá eximi-los do compromisso de encontrar uma solução justa e abrangente para o problema palestino e o conflito israelense-palestino.

Todas as partes têm interesse em achar uma solução justa, que permita a transição de um estado de conflito para um estado de paz, e resolva todo um leque de questões que vão além da questão de acabar a ocupação. O plano Fayyad, porém, não marcaria o fim do conflito, mas o começo de uma nova etapa dele.

Quais são os problemas básicos nessa iniciativa, de um ponto de vista palestino?

Por um lado, seria mais uma declaração, e não um verdadeiro estabelecimento de um Estado. Se tal entidade for criada, será um protetorado que governaria apenas metade da Cisjordânia – sem Gaza ou Jerusalém. Mais ainda, não resolveria nenhuma das principais questões do conflito: refugiados, Jerusalém, a injustiça histórica sofrida pelos palestinos, ou a divisão de recursos naturais. Nem equacionaria o assunto dos prisioneiros palestinos, pois podemos assumir que a criação do “Estado” de Fayyad não levará à sua libertação. O mundo esperará que esse “Estado” se comporte como Estado, enquanto será preciso um visto israelense para entrar e sair dele.

O presidente Shimon Peres pode ter acertado ao descrever Fayyad como o Ben-Gurion palestino, em termos de visão. Mas, politicamente, supondo que esta proposta realmente seja efetivada – Fayyad estaria de fato implementando o plano do ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e da direita israelense em geral. Estaria estabelecendo um mero protetorado, assumindo a administração dos assuntos municipais dos palestinos.

No futuro, o mundo verá a luta palestina como similar a vários outros casos no mundo no quais dois países lutam por territórios disputados, e pouco mais. O passo de declarar um Estado minará seriamente a legitimidade da luta palestina contra as injustiças causadas por Israel, que vão além da questão da terra.

Salam_fayyad haaretz

Salam Fayyad em Ramalah

O próprio Fayyad é visto pelos palestinos como um marionete americano. Seu governo não é legítimo, mesmo conforme a constituição palestina, que limita o mandato de um governo de transição a um ano, após o que precisam ser feitas eleições para formar um governo eleito, e não nomeado. Historicamente, Fayyad foi trazido de fora para o turbilhão político palestino, pela administração do então presidente George W. Bush, com o apoio do governo Sharon, para que ele seguisse as suas ordens. Nas eleições gerais legislativas de 2006, o apoio a Fayyad, que concorreu com Hanan Ashrawi numa lista independente, foi mínima – em torno de 1,5% do total de votos. E cooperou com o presidente da AP, Mahmoud Abbas na desestabilização do legítimo governo do Hamas então eleito, até que a confusão resultante levasse à sua substituição por um governo cujos membros são na maioria considerados por muitos palestinos como colaboradores de Israel e não seus próprios representantes.

A declaração do Estado causaria uma onda sem precedentes de violência, de todos os lados. As vítimas, como sempre, seriam palestinas. Por exemplo, o que faria o governo Fayyad se colonos atacassem áreas sob controle do novo Estado Palestino? Como responderia o seu governo quando o exército israelense prendesse palestinos naquelas áreas? Como ele reagiria se outro país da região decidisse expulsar seus refugiados palestinos para seu declarado Estado, e Israel os detivesse na fronteira com a Jordânia? As respostas a estas e muitas outras questões provariam que na verdade o Estado de Fayyad é um passo muito perigoso vis-à-vis tanto os palestinos quanto a possibilidade de um acordo de paz razoável.

Finalmente, Fayyad afirma que o seu governo será capaz de realizar em Gaza em dois meses o que demandaria um ano inteiro na Cisjordânia. Este é outro exemplo de como ele engana a população. Um estudo publicado recentemente por um acadêmico palestino de renome, o Prof. Yezid Sayigh do King’s College de Londres, demonstrou que as conquistas do governo do Hamas em Gaza são muito superiores aos do governo de Fayyad na Cisjordânia em vários campos, como administração pública, segurança interna e combate
à corrupção.


O Dr. As’ad Ghanem leciona na ‘School of Political Sciences’ da Universidade de Haifa.

[ publicado no Haaretz em 09|04|2010 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]


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