RAMALLAH – No próximo ano “o nascimento de um Estado Palestino será celebrado como um dia de alegria para toda a comunidade das nações”, diz o Primeiro Ministro Palestino, Salam Fayyad, numa entrevista exclusiva ao Haaretz.
Enviando saudações de Pessach à comunidade judaica, Fayyad espera que os israelenses também participem nos festejos pelo nascimento de um novo Estado.
“Está chegando a hora deste bebê chegar”, diz ele, “e achamos que ele virá em torno de 2011. Esta é a nossa visão, e um reflexo de nossa vontade de exercer o nosso direito a viver com liberdade e dignidade no nosso país, onde nascemos, ao lado do Estado de Israel em completa harmonia”, diz Fayyad, 58.
Ele também deu as boas-vindas ao anúncio do ‘Quarteto’, há duas semanas em Moscou, que apóia o plano da Autoridade Palestina [AP], em agosto 2009, de estabelecer um Estado dentro de 24 meses.
Fayyad diz que os palestinos querem um Estado independente e soberano, enfatizando que não estão “a procura de um país de restos – de um Estado ‘Mickey Mouse’. Ele e seus assessores planejam que ele nasça durante o primeiro mandato de Barack Obama; observa que os governos anteriores dos EUA só se dedicaram seriamente ao conflito no final de seus mandatos.
“Se por uma razão ou outra, até agosto de 2011, o plano não tiver dado certo… na forma de fatos concretos positivos, a realidade impor-se-á por si mesma ao processo politico para produzir o resultados”, diz Fayyad.
O primeiro-ministro acrescenta: “Prevejo que estaremos maduros em termos de fatos positivos, e ao longo do caminho que abrirmos com nossos vizinhos israelenses, teremos iniciado um processo de transformação, de um conceito para uma possibilidade, para a realidade.
Ele diz que o premier Benjamin Netanyahu sucumbiu aos colonos que, “não refletem a visão da maioria dos israelenses; nós [palestinos e israelenses] partilhamos valores”, diz ele, observando que “a paz será feita entre iguais, não entre senhores e escravos”.
Fayyad, que se posicionou na linha de frente da oposição popular à ocupação, critica as políticas de Israel nas manifestações em Bil’in e Na’alin e de alvejar manifestantes: “É esperar demais dos palestinos que não reajam”.
“É direito de uma nação oprimida dizer ‘basta’’, diz Fayyad. Não se deve esperar de ninguém que aguente injustiça, ainda menos os palestinos, que têm sofrido longas décadas de ocupação. Não foi isto que defenderam Gandhi e Martin Luther King?
“Os colonos têm um tremendo poder sobre o governo israelense. É puro fanatismo: a exclusão da possibilidade de que alguém ali fora possa ter uma opinião um pouco diferente – numa forma indigna e muitas vezes violenta.
“Com relação ao ethos sionista, bem, Israel é uma terra bíblica, com muitas colinas e espaços vazios que eles não usam. Por que eles não ocupam esses espaços, e nos deixam construir o nosso país?”?
HAARETZ: As demandas americanas sobre Israel estão nos levando à direção correta? Concorda com o argumento de que terminar o nosso conflito ajudará a conter o Irã?
FAYYAD: “O conflito na região não tem nada conosco; é entre radicais e moderados. É claro para mim que acabar com o conflito israelense-palestino é de interesse nacional para os EUA. O mundo deveria fazer o que puder para ajudar – em seu próprio interesse também”.
“A questão não deve ser vista como se os EUA quisessem tomar partido, que o estivessem fazendo para beneficiar os palestinos às expensas dos israelenses. E para que os EUA tenham sucesso, não é visível outro caminho. Basicamente, para o mundo conseguir nos ajudar a receber o que queremos, ambos os lados devem ser confiáveis.
H: Autoridades próximas a Netanyahu insistem que vocês estão usando a questão de assentamentos para evitar um acordo negociado e ganhar tempo até que a comunidade internacional imponha seu plano sobre Israel.
F: “É uma forma de este governo tentar trivializar a questão, como se fosse uma questão de ficar girando – que os palestinos tenha só agora acordado para esta realidade e decidido criar um caso.
“Se o mundo todo é incapaz de assegurar algo tão básico como parar com isto [ampliação e construção de assentamentos], evitar que isto continue a acontecer, quão seguros podemos ficar de que o processo politico, uma vez relançado, será capaz de trazer resultados nas questões maiores e permanentes? É uma questão de credibilidade.
“Qualquer um diria ter sido um erro aceitarmos uma situação em que não fossemos capazes de interromper a expansão de assentamentos durante negociações. Isto é óbvio. Mas muitas coisas não foram previstas na euforia de 1993 [Acordos de Oslo]”.
H: De acordo com suas informações, existe uma moratória real na atividade de assentamento na Cisjordânia?
F: “Todos indicadores mostram que ela não está funcionando. Existia uma séria fenda na própria moratória, ainda antes dos 1.600 apartamentos em Ramat Shlomo e mesmo antes do caso Giló. Isto desvendou as profundas rachaduras associadas com o conceito de moratória que foi implementado pelo governo israelense.
“Sabíamos desde o início que excluir Jerusalém Oriental do conceito da moratória iria se tornar um problema.
“Essencialmente a forma como o conceito de moratória foi colocado, do jeito em que Jerusalém é definida por Israel, é um rombo. Certamente não é algo que é levado a sério pelo governo de Israel. E deveria ser”.
H: Como sair disto? Nenhum líder atual poderia prometer parar de construir em Jerusalém Oriental…
F: “Pode-se encontrar uma forma, particularmente desde que a inerente estrutura de fraqueza associada ao conceito de moratória que foi proposta por Netanyahu for exposta.
“Em algum momento alguém aí tem que se levantar e assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo… Não é isto que se espera de nós, palestinos?
“Precisamos que cada um ajude o outro a levanter, e não nos afundarmos uns aos outros. Precisamos de um entendimento completo sobre de onde o outro lado está vindo. Eu sustento que nós temos isto, nós entendemos que existem narrativas completamente diferentes, diametralmente opostas.
“Não espero, entretanto, que a nossa narrative seja aceita por Israel. Mas, da mesma forma, aceitar que Netanyahu diga que a narrativa histórica israelense é a base para um acordo justo, é demais”.
H: Vocês podem construir um Estado Palestino enquanto o Hamas controlar Gaza e vocês não conseguirem realizar eleições?
F: “O povo em Gaza está também olhando para nós, e dizendo que também querem uma vida melhor. Veja como estamos fragmentados na Cisjordânia. Mas Gaza você pode percorrer toda de norte a sul, leste e oeste, 10 ou 20 vezes por dia. O que nos levou um ano para fazer na Cisjordânia pode ser feito em dois meses em Gaza.
“Quem diria alguns anos atrás que haveria esta transformação de mentalidade? Não muitos achavam que seria possível. Viaje para lá de Ramalah e veja por si mesmo. É uma nova realidade.
H: O que vocês estão fazendo para deter o incitamento contra Israel?
F: O incitamento pode tomar várias formas – coisas ditas, coisas feitas, provocações – mas há formas de lidar com isto. Estamos lidando com isto”.
H: Você concordaria em deixar a questão de Jerusalém para um estágio posterior do processo?
F: “De jeito nenhum. Ele deve ser trabalhado desde o início. As negociações não devem ser sobre princípios, devem ser sobre procedimentos, acomodações, acessos.
“Vemos isto politicamente. Politicamente, sentimos o direito de ter um Estado da Palestina sobre as terras que foram ocupadas em 1967, incluindo Jerusalém Oriental.
“Mas a questão de Jerusalém é um conflito político, e não acredito que ela devesse ser remetida a qualquer outra esfera, seja cultural ou religiosa. Isto seria o mais errado e contraproducente”.
H: Seu plano leva em consideração a necessidade de absorver refugiados?
F: Claro. Os palestinos teriam o direito de residir no Estado da Palestina.
[ Entrevista por AKIVA ELDAR publicada no Haaretz em 02|04|10 e traduzida por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR.]