Isto me aconteceu quando eu saía da Igreja San Pietro in Vincoli, em Roma: decidi fazer a última coisa que o povo judeu precisaria: fundar uma nova organização judaica.
A inspiração foi a despretensiosa mas sublime igreja de San Pietro in Vincoli [St. Peter in Chains], enfiada num canto da cidade. É lá que fica o Moisés, a monumental escultura em mármore de Michelangelo.
Não há nenhuma representação mais perfeita do empreendimento sionista contemporâneo do que este primeiro de todos os ideólogos sionistas – a melancólica linguagem dos olhos da escultura traduz sentimentos simultâneos de traição, desilusão, ira e o se agarrar à esperança desafiando qualquer com senso.
Esta é a Basílica do Indivíduo Removido. Ninguém é mais deslocado do que este príncipe que não consegue se sentir em casa no seu Egito natal, mas que será para sempre impedido de entrar naquele lugar prometido ao qual sabe pertencer.
À época da Renascença, o destino truncado de Moisés extendeu-se à própria escultura, jogada aqui por 500 anos num purgatório bem cuidado, uma Diáspora permanente, bem menos longa e talvez mais adequada que aquela – a bem mais famosa S.Pedro do outro lado da cidade – que foi originalmente oferecida e depois recusada a Michelangelo.
Haveria um tempo melhor, então, para pensar em terras prometidas?
Em particular, haveria uma hora melhor para pensar sobre o que separa Israel de um futuro de verdadeira calma e confiança?
Este é, afinal, o desafio fundamental que Benjamin Netanyahu enfrenta quando ele se revira para montar uma política exterior.
Este também é um desafio importante para Barack Obama, quando ele deita o tabuleiro para uma solução regional ambígua frente aos conflitos árabe-israelense e os pan-muçulmanos.
Quando os dois se reunirem nas próximas semanas, a imprensa estará bem atenta para nuances de terminologia e concessões entre cada lado sobre a natureza do futuro Estado Palestino.
Então, o que pode um frio Moisés em mármore dizer-nos sobre uma linha de ação ou um caminho para a paz?
Isto é o que eu tirei de San Pietro in Vincololi, e de um profeta do judaísmo, islamismo e cristianismo que segura tábuas junto ao seu manto: os judeus têm que acabar a ocupação, pelo bem do sionismo.
Eis, então, o manifesto. O documento de fundação dos Sionistas Contra a Ocupação:
1. Não Terás Outros Deuses Diante de Mim.
2. Não Farás um Ídolo para Vós.
3. Não Ajoelharás Perante Eles.
4. Não Usarás o Nome do Senhor em Vão.
É hora de reconhecer que os assentamentos são o Bezerro de Ouro das atuais gerações de crentes judeus.
Os assentamentos arrebanharam muitos delírios na ortodoxia, pela servidão à terra, mesmo de ortodoxos que se recusam a reconhecer plenamente a legitimidade do Estado de Israel. Eles procuraram trsnformar a colonização num sinônima de sionismo, mesmo quando o assentamento conflita com os interesses estratégicos e diplomáticos de Israel.
É hora de reconhecer que a colonização da Cisjordânia é um mandamento que não veio de Deus, mas de alguns rabinos, e muito freqüentemente de políticos.
5. Não Roubarás, Nem Cobiçarás o Que é do Próximo.
6. Não Matarás.
7. Honrarás ao Teu Pai e à Tua Mãe, para que Teus Dias Sejam Longos na Terra que o Senhor Teu Deus Está Dando a Ti.
Tanto os judeus quanto os palestinos têm direitos válidos à Terra Santa. Para a Terra Santa for compartilhada, israelenses e palestinos terão que sacrificar reivindicações legítimas, pelo bem de um futuro de vida, um futuro que honre os ancestrais e torne possível que as crianças cresçam e sejam felizes.
Finalmente, e mais importante, é hora de os judeus reconhecerem o quão letal é a ocupação, para a própria idéia de manter um Estado judeu.
Quando judeus de direita dizem que toda a Terra Santa, a Cisjordânia, Gaza além do próprio Israel pertencem apenas aos judeus, eles estão de fato deslegitimando Israel. Estão juntando combustível aos argumentos do Hamas, que vê todo Israel, a Jerusalém Ocidental, assim como Haifa e Sderot, como terra árabe ocupada.
No final, para que Israel continue a ser no futuro um Estado judeu, isto não depende tanto do que os palestinos digam. Depende mais do que os judeus fizerem.
8. Não Silenciarás.
9. Não Desviarás o Olhar.
10. Usarás a Palavra Ocupação.
É hora de seguir o exemplo de Ariel Sharon e chamar de ‘ocupação’ o que ela é. É hora de os sionistas se erguerem e declarar seu forte apoio a Israel e sua forte oposição à ocupação. Não pelos palestinos. Por Israel.
“Controlar 3.5 milhões de palestinos não pode continuar para sempre”, disse Sharon numa reunião seminal de líderes estupefatos do Likud – Netanyahu entre eles – em maio de 2003. “Vocês querem permanecer em Jenin, Nablus, Ramalah e Belém?”
“A idéia de ser possível continuar mantendo 3,5 milhão de palestinos sob ocupação – sim, isto é ocupação, vocês podem não gostar da palavra, mas o que está acontecendo é ocupação – é ruim Israel, e ruim para os palestinos, e ruim para a economia israelense”, disse Sharon.
Se os últimos 40 anos servirem como indicação de algo, os palestinos serão capazes de sobreviver à ocupação. Mas um Estado de Israel saudável não o conseguirá.
[ publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]