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Uma das coisas mais impressionantes no processo de paz de Oslo é que – desde que foi criada a Autoridade Palestina, em 1994 – os ministros da educação de Israel e da AP jamais se encontraram. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu irá se reunir com o presidente Mahmoud Abbas. O ministro da defesa Ehud Barak continuará se encontrando com o premier da AP Salaam Fayad. Outros ministros israelenses e palestinos continuarão a se encontrar, mas quanto aos ministros da educação – nenhuma reunião é prevista entre eles.
A ex-ministra da educação Yuli Tamir estava mais do que disposta a acrescentar sua contraparte palestina, Lamis Alami. Mas Alami respondia que servia a um governo tecnocrático cuja função era assegurar que o sistema educacional funcionasse, e não entrar em assuntos de natureza controversa, como conteúdo curricular. Mesmo o pacifista Fayyad tentou ajudar na marcação de um encontro, mas não houve progresso.
O antigo ministro da educação palestino Naim Abu Hummous me disse certa vez, quando eu saía de uma reunião com Yasser Arafat onde levantei o tema da educação para a paz, que a questão dos livros didáticos palestinos e como eles apresentavam Israel era um assunto da alçada do presidente da AP, e não do ministro da educação.
É importante observar que a questão dos livros didáticos palestinos foi muito exagerada. Os textos são mais problemáticos pelo que eles não contêm do que pelo que realmente apresentam sobre Israel, judeus, História, mapas, etc… Desse ponto de vista, os textos escolares israelenses não são muito melhores.
Alguns dos temas problemáticos nos livros-texto e currículos incluem os que tratam da História. Existe pouca ou nenhuma chance de que israelenses e palestinos compartilhem o mesmo entendimento e interpretação da História da terra e do conflito entre seus povos, e ambos têm um direito claro a apresentar sua própria versão da História em seus livros escolares.
Ambos os povos lutaram por suas liberdades e libertação; seus alunos precisam conhecer sua História como um elemento essencial da construção coletiva das suas nações e na definição de suas identidades. Textos históricos precisam refletir as visões próprias de cada lado sobre sua História e devem desafiar os estudantes a se identificar com seus passados como ligação com o presente e ao futuro.
Os Estados tendem normalmente a relacionar uma visão “nacional” unificada da História, como forma de desenvolver o ethos da sociedade – uma memória coletiva compartilhada sobre a qual os cidadãos desenvolvem seu sentimento de patriotismo e lealdade. Usualmente, há muito pouco espaço para visões alternativas ou outras vozes. E se estas visões alternativas existem, a sua legitimidade e acuracidade são muitas vezes questionadas e até mesmo referidas como algo próximo à traição, como visões pós-sionistas da História são muitas vezes citadas em Israel.
Israelenses e palestinos têm direito às suas próprias visões de suas próprias Histórias e ninguém pode contestar esse direito básico. As duas narrativas históricas coletivas refletem suas lutas nacionais no contexto de um conflito longo e sangrento no qual o “outro” tem sido um inimigo terrível. Esta é uma visão legítima da História. Para que esta apresentação não seja considerada dogmática ou como vendo o outro lado como uma não-entidade ou uma entidade que não deveria existir, é importante referi-las, ambas, à decisão estratégica dos dois lados da fazer a paz e resolver o conflito por meios pacíficos, baseados no reconhecimento mútuo e com base em dois Estados para dois povos.
Seria também sábio que os livros escolares em Israel e Palestina apresentassem vozes explicando a perspectiva do outro sobre o conflito e o processo de paz. É importante que os estudantes dos dois lados tenham uma “pitada” da narrativa do outro lado. Não como forma de convencer alguém da justificativa da narrativa do outro, mas como meio de aumentar a capacidade dos alunos entenderem o mundo complexo em que vivem. Neste contexto, seria possível, por exemplo, que estudantes palestinos lidassem com temas difíceis como o Holocausto e seu impacto sobre as visões de mundo israelense e judia e (não como comparação) permitir a estudantes israelenses entenderem o impacto da Nakba sobre os palestinos.
Vale notar o revolucionário trabalho sobre narrativas históricas que foi realizado por um grupo de professores israelenses e palestinos sob a direção e iniciativa dos professores Dan Baron e Sami Awdan, do PRIME. Esses professores prepararam livros-texto para nível secundário contendo as narrativas em paralelo (em lados opostos da página).
Jerusalém
é a Cidade Santa para as três religiões monoteístas. Isto está declarado claramente nos livros palestinos. Entretanto, além dessa afirmação genérica, a presença judaica – histórica, religiosa e moderna – está ausente. Os livros se referem a Jerusalém como tendo sido sempre uma cidade árabe. Esta não é uma representação verdadeira do fato histórico e os textos precisam ser historicamente precisos. Jerusalém é a capital do Estado de Israel e, como resultado do acordo de paz futuro, parte de Jerusalém será capital do Estado da Palestina. Os livros-texto terão que refletir esta nova realidade futura sobre Jerusalém.
É incorreto ignorar a presença judaica e a afinidade judaica por Jerusalém. Existem fatos comprovados sobre a presença judaica e sua conexão à cidade. É errado ignorá-lo, pois isto põe em questão a intenção política de se ignorar tais fatos. Novamente, o leitor poderia facilmente supor que a AP enxerga o futuro de Jerusalém como um lugar sem judeus e israelenses. A causa palestina não se fortalece ignorando as conexões religiosas e históricas dos judeus com Jerusalém.
Da mesma forma, é incorreto que textos didáticos israelenses ignorem, como o fazem, a conexão nacional dos palestinos a Jerusalém, em vez de apenas se referirem, de maneira muito insignificante, à conexão islâmica à cidade. Isto tampouco faz justiça à importância de Jerusalém para os árabes e muçulmanos do mundo inteiro.
Os temas concernentes à História recente são na maior parte tratados nos níveis mais altos da escola secundária. Isto permite estimular a capacidade de desafio dos estudantes e engajá-los num processo de pesquisa e descobrimento. Os livros-textos de ambos os lados deveriam fazer referências verdadeiras e fatuais ao processo de paz de Oslo e às sua falhas ao longo dos anos. A OLP, representando o povo palestino, assinou acordos com o Estado de Israel, baseados no reconhecimento mútuo. O processo de paz fracassou em produzir os resultados desejados dentro de um cronograma acordado. Há justificativas completas por ambos os lados para apresentar a sua visão com respeito ao processo de paz, assim como de todas as violações dos acordos cometidas por ambos. A definição de uma abordagem adequada deveria assegurar que os dois lados se mantenham comprometidos a fazer a paz com o outro e continuem a defender com firmeza a visão de dois Estados para dois povos.
Os textos precisam estimular os estudantes a entenderem o que ocorreu de errado com o processo de paz e algumas das lições que podemos aprender do passado. Os alunos devem ser desafiados a entender as posições oficiais de ambos os lados nas negociações.
Os alunos devem ter a oportunidade de ler os acordos, pelo menos seus elementos mais importantes, e de entender o que se esperava que deles emergisse. Deveriam ser estimulados a se engajar na pesquisa sobre os acontecimentos dos últimos anos. Pesquisa e investigações devem ser parte da forma como ensinamos sobre o outro, para promover a educação para a tolerância, o entendimento e a paz.
Gershon Baskin é co-presidente do Israel/Palestine Center for Research and Information – www.ipcri.org
[ publicado no Jerusalem Post em 20|04|09 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]