Quando vai à guerra, todo país tem um objetivo. Como Carl von Clausewitz mostrava, uma vitória militar não pode ser um objetivo em si. Seu significado é puramente tático. Algumas grandes vitórias militares terminaram numa catástrofe nacional para os vitoriosos, a começar pela vitória de Aníbal sobre os romanos, que tinha sido um dos maiores triunfos na História, e chegando à Guerra dos Seis Dias – uma vitória brilhante que terminou num desastre histórico.
Assim é que a população [de Israel], ainda hipnotizada pelo sucesso da recente campanha de retaliação, conseguida a um preço humano terrível, precisa ser lembrada de que a vitória tem que ser medida por seus resultados políticos. E que o verdadeiro objetivo é a paz.
Neste contexto, é interessante ver que, apesar de sua derrota militar, o Hamas já assegurou uma série de conquistas que o auxiliarão no futuro. Já foi reconhecido pelo Conselho de Segurança da ONU como a força dominante em Gaza e, mesmo sendo uma organização terrorista, sai da guerra como vítima.
Isto foi causado pelo uso diário por nós de um enorme poder de fogo, que pode ter sido necessário a nível tático, mas acabou gerando uma guinada na opinião pública mundial, mesmo entre governos amigos. Apesar de o Hamas operar de dentro de centros populacionais, a maioria dos telespectadores tomam o partido deles ao verem os corpos das crianças de Gaza.
Os EUA e a França não poderiam aparecer na ONU ignorando as mortes de civis em Gaza. E ao optar entre a indiferença israelense à opinião pública de seus países, seus presidentes elegeram alinhar-se a estas. Em Washington, George W. Bush e Condoleezza Rice explicitamente voltaram as costas para a política de Israel como último acorde de seus mandatos, pavimentando o caminho para o novo presidente.
Não esqueçamos que muitas das perguntas mais difíceis não são questionadas. O horror em Gaza não penetrou totalmente nas mentes dos israelenses. Por exemplo, era necessário matar as mulheres e filhos do chefe das milícias do Hamas, Nizar Ghayan, ou os civis que se refugiaram na escola da UNRWA? As mortes de famílias inteiras, incluindo crianças, pesarão na nossa consciência. Esta guerra será lembrada como a mais violenta e brutal da nossa história.
Precisamos imaginar que o romancista A.B. Yehoshua irá se arrepender de sua carta aberta a Gideon Levy, publicada nesta página. É inteiramente possível que, à medida que os testemunhos desta guerra se acumulem em ambos os
lados, irão lançar uma luz ainda mais forte sobre a guerra.
Mas agora precisamos olhar para o futuro. Como o objetivo da guerra é obter ganhos políticos, a devastação ocorrida em Gaza precisa ser usada para o lançamento vigoroso, sob auspícios internacionais, de negociações para uma paz completa.
Esta guerra precisa ser nossa última, e seria melhor se terminasse como a Guerra de Yom Kipur em 1973. Assim como Henry Kissinger, o então Secretário de Estado, impediu que o exército israelense aniquilasse o 3º exército egípcio, permitindo ao Egito sair com dignidade do campo de batalha, é melhor acabar os combates em Gaza com o Hamas vencido, mas ainda de pé.
Se a luta for parada já, terminará o terrível sofrimento da população, mas também precisa haver uma vitória que evite uma desnecessária humilhação do inimigo. Talvez, desta forma, sejamos capazes de virar para uma nova página.
Um exame da realidade demonstrará que não podemos aceitar o engavetamento dos passos necessários para chegar a um acordo na Cisjordânia, incluindo a evacuação de assentamentos em nome da “unidade nacional”.
Algumas pessoas já estão à espera de enterrar qualquer iniciativa pelo progresso na Cisjordânia, explorando o fato de que os soldados que entraram em Gaza na “operação chumbo fundido” incluíram filhos de pessoas que tinham sido despejadas de suas casas em Gush Katif [colônias evacuadas de Gaza] – colonos ou sionistas-religiosos – que a direita costuma apresentar como seus partidários.
Quanto ao interesse nacional de Israel, Gaza tem importância menor. O futuro de Israel como Estado judeu irá ser determinado na Cisjordânia. Por esta razão, devemos acabar com a ocupação, chegar a uma solução nas Colinas de Golan e estabilizar a região para lidar com o problema maior do programa nuclear iraniano.
A rotina do “Israel enlouquecido” não pode ser repetida. Esgotaram-se as reservas de boa-vontade e entendimento pelas necessidades particulares de Israel. A comunidade internacional não sancionará, sem consentimento, um ataque contra o Irã.
Agora que ficou visível que nada pode deter os israelenses, algumas pessoas acham necessário limitar a liberdade de ação do Estado judeu. Israel irá agora ser considerado um país cujas reações desproporcionais demandam supervisão e restrição.
Um dia poderemos nos lamentar de que nos faltou a sabedoria necessária para parar a matança em Gaza, num estágio bem anterior.
[ publicado no Haaretz em 18|01|09 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]