A força deve dar lugar à diplomacia!


O Oriente Médio é uma área estratégica, no plano econômico, geopolítico e militar. Tem sido palco de disputas por hegemonia entre países da região, bem como entre potências mundiais, ao longo da História. É fator de preocupação permanente em todo o planeta, pelo arsenal bélico – inclusive nuclear – que ali se encontra, sempre propício a conflagrações sem controle político ou diplomático.

É neste contexto que o conflito palestino-israelense se enquadra e já perdura por mais de seis décadas. Ele é um problema complexo, melhor compreendido por uma seqüência de imagens do que por um instantâneo.

De todo modo, é bom frisar que nesse filme não há “bandidos” nem “mocinhos”, embora setores da mídia e da esquerda mundial o mostrem e defendam de forma unilateral. Na lógica definida por Bertrand Russell como “a crença na virtude dos oprimidos”, acabam sendo exibidos apenas os  trágicos fenômenos que ocorrem entre os palestinos.

Em 1947, resolução da recém-nascida ONU determinava a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe e um judeu. No ano seguinte, os judeus aceitaram-na e fundaram o Estado de Israel. Os árabes palestinos não aceitaram a divisão e, apoiados pelos exércitos dos países árabes vizinhos, atacaram o novo país, que numa guerra de sobrevivência acabou expandindo as fronteiras, que foram estabilizadas em 1949, na chamada Linha Verde.  

Durante a Guerra Fria, as superpotências utilizaram todos os países da região como peões e durante muitos anos todos os países árabes se recusaram a reconhecer o Estado de Israel. As guerras foram se sucedendo e, em 1967, Israel ocupou a Cisjordânia, Gaza, as colinas de Golan, o Sinai e Jerusalém Oriental.  

Com a devolução do deserto de Sinai ao Egito, se normalizaram as relações diplomáticas com este país. Mais tarde também foram normalizadas as relações com a Jordânia, quebrando-se assim a frente de rejeição árabe à existência de Israel.


Desligamento

Israel retirou-se do território de Gaza, forçando os israelenses que ali viviam a abandonar os assentamentos lá existentes. Mas Ariel Sharon, ao invés de capitalizar politicamente os líderes moderados da Autoridade Palestina  – dispostos a negociar o processo de paz com Israel –  preferiu um “desligamento unilateral”, o que acabou fortalecendo o grupo fundamentalista Hamas, que reivindicou a retirada como resultado da sua “luta armada”.

Com este cacife eleitoral, e mais a bandeira de acabar com a corrupção administrativa da Fatah, o Hamas – que tem entre seus principais objetivos declarados eliminar os judeus do “sagrado solo palestino” (o que inclui todo o Estado de Israel) – venceu as eleições parlamentares palestinas em 2006. 

Inicialmente, houve alguma esperança de que o grupo iria abandonar a prática terrorista, uma vez que passava a ter a responsabilidade de governar cerca de 1,5 milhão de habitantes sem recursos e com complexas ligações geo-econômicas com Israel.


Hamas: Prioridade é Eliminar Israel

Lamentavelmente, a sensatez não se verificou.  . Apoiado pelo regime islamista do Irã, o Hamas acabou expulsando da Faixa com violência os membros da facção rival Fatah, assumindo o controle absoluto e total do território e iniciou a implantação das leis fundamentalistas islâmicas em todos os aspectos da vida da população. E recursos preciosos são dispendidos na luta armada contra o “inimigo sionista”.  

A principal tática destas atividades terroristas, desde que uma cerca que envolve a Faixa praticamente impediu o envio de homens-bomba para Israel, é a de lançar mísseis que atingem indistintamente áreas civis.  A cada ação foi correspondendo uma retaliação israelense, o que tem tornado cada vez mais intenso o sofrimento das populações em ambos os lados da fronteira.


Após uma trégua de seis meses intermediada por Egito, foram retomados os ataques com dezenas de foguetes lançados diariamente contra o sul de Israel, tornando a situação insustentável.

O Estado de Israel viu-se obrigado a reagir para defender o seu território e os seus cidadãos. No entanto, a ação israelense segue a tática de uma guerra clássica, no combate a uma espécie de guerrilha urbana que utiliza civis como “escudos humanos”, numa sociedade que não hesita em lançar até “homens bomba”.  Para atingir objetivos militares, é praticamente impossível evitar perdas inocentes.

 

Decisão Equivocada

Os intensos bombardeios por ar e mar e a invasão da Faixa de Gaza por soldados israelenses já causaram perdas humanas e materiais, contribuindo para uma escalada da espiral do ressentimento, do ódio e da violência.  Da mesma forma que os foguetes Qassam lançados contra Israel, os bombardeiros da Faixa de Gaza estão semeando uma geração de pessoas que terão ódio do adversário com quem um dia terão que viver em paz.

Como já vem sendo demonstrado desde a Guerra do Vietnã, a via militar não está resolvendo mais nenhum conflito regional no mundo.  Está claro para as grandes potências que uma guerra nuclear é uma guerra de soma zero que não tem vencedores nem vencidos. Por outra parte, a guerra clássica não tem condições de vencer táticas utilizadas por grupos como o Hamas. Assim, a decisão do governo israelense de atacar Gaza foi equivocada.


Dois Estados Já

É imperativo o cessar fogo imediato com o fim dos bombardeios e a retirada das tropas israelenses da Faixa de Gaza para a retomada do diálogo e das negociações entre as forças do “campo da paz” palestinas, árabes e israelenses, com o auxílio de iniciativas internacionais as mais amplas possíveis por uma paz justa e duradoura para os povos da região. 

A única solução para essa delicada questão encravada no Oriente Médio é a de “DOIS ESTADOS PARA DOIS POVOS”, concepção que já havia sido institucionalizada pela ONU em 1947, numa Assembléia Geral dirigida pelo Brasil.  Um processo de paz deve levar rapidamente à criação do Estado da Palestina – ao lado do Estado de Israel – nos territórios de Gaza e Cisjordânia, sendo que Jerusalém sediaria ambas as capitais.

O prosseguimento deste conflito aprofunda as tensões e o fosso entre os dois povos irmãos, sobretudo afetando a população civil democrática israelense e palestina que, há 60 anos, luta pela paz.  

 Cada gota de sangue derramado leva ao fortalecimento de grupos fundamentalistas em todo o Oriente Médio, ao isolamento do Estado de Israel e também das lideranças políticas seculares da Autoridade Palestina.


Brasil Pode Ajudar

Um cessar-fogo é urgente, mas a atuação internacional é indispensável, primeiramente porque ambos os lados não se reconhecem. Em primeiro lugar, essencial a participação do Egito, país árabe que faz fronteira com Gaza e tem relações com o Hamas e também com Israel.

Também o Brasil teria uma posição privilegiada nas articulações, uma vez que conta com a simpatia dos povos israelense e palestino. Um batalhão do exército brasileiro fez parte das forças da paz da ONU acantonadas em Gaza após a guerra do Sinai em 1956.  A diplomacia brasileira apóia consistentemente o estabelecimento de um Estado Palestino ao lado do Estado de Israel, desde a própria resolução da ONU que decidiu a partilha da Palestina.

A complexidade e importância estratégica do conflito exige a interferência de órgãos multilaterais e das grandes potências mundiais. No vácuo da transição presidencial norte-americana, tem despontado a iniciativa da comunidade européia, com destaque do presidente francês que, como os brasileiros, também conta com confiança de árabes e israelenses.


Obama vai mudar?

A expectativa é de que Obama deverá efetivamente dinamizar a atuação diplomática dos EUA no Oriente Médio, empreendendo a saída do atoleiro criado por Bush na região.  E, com a imperatividade de um cessar-fogo em Gaza, a questão israelense-palestina deverá conquistar, logo no seu primeiro dia de mandato, uma grande prioridade. 

O governo Bush há tempos perdeu o poder de mediação com os palestinos, uma vez que sempre tendeu a se alinhar com a direita israelense. Ele, assim como os últimos governos israelenses, desperdiçaram a chance de ouro de terem como interlocutor legítimo na Autoridade Palestina o líder Mahmoud Abbas, muito mais moderado que o antecessor Arafat.

Com Hillary Clinton como Secretária de Estado, Obama trará uma equipe experiente em negociações com israelenses e palestinos, com relações de confiança sólidas de elementos do governo da AP e do campo da paz israelense.


Esperança

Uma atitude responsável do governo norte-americano seria Bush antecipar-se à posse de Obama e – à semelhança do ocorrido no auge da crise financeira americana – convidar o presidente eleito para atuar na questão. Juntos, enviariam uma delegação de alto-nível, comandada talvez pela Secretária de Estado Condoleezza Rice e sua sucessora nomeada, Hillary Clinton para atuar na mediação do conflito.

Antes de mais nada, é urgente acordar um cessar-fogo e atender à situação calamitosa da população de Gaza. Para isto, as fronteiras da Faixa de Gaza com o Egito deveriam ser abertas e guarnecidas por forças internacionais. Estas agilizariam a entrada e saída de ajuda humanitária, produtos e pessoas, impedindo a entrada de armamentos.

Restabelecida a calma, ficará novamente provado, ao custo de perdas humanas irrecuperáveis, que não existe solução militar para o conflito israelense-palestino.

O reinício de negociações entre a Autoridade Palestina e Israel, para criação de um Estado Palestino, deverá ocorrer o quanto antes, se possível aproveitando o momento da posse do novo governo americano e da mobilização internacional em torno do conflito de Gaza.

A paz definitiva deverá ocorrer, mediante negociações para o estabelecimento de um Estado Palestino, ao lado do Estado de Israel, incluindo os territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza, tendo Jerusalém Oriental como capital.

Caso haja um esforço diplomático consistente, esta guerra poderá acelerar a retomada do processo de paz no Oriente Médio e a criação do Estado Palestino, processo que teria o potencial de gerar toda uma reconfiguração geo-política e de neutralizar o avanço do islamismo fundamentalista.


Moisés Storch e Dina Lida Kinoshita são membros da coordenação dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA. Especial para o Magazine Terra.


ASSISTA em 10/01/2009 – Manifestação em Tel Aviv: CESSAR-FOGO JÁ ! 

> Milhares de israelenses convocados pelo Movimento Paz Agora protestaram diante do Ministéria da Defesa em Tel Aviv na noite deste sábado, 10/01, exigindo um cessar-fogo imediato.

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