Este é seu significado profundo. E, como tal, é de fato uma revolução tremenda que toca a vida de cada um de nós. Senti essa revolução quando imigrei sozinho para Israel aos 16 anos. Só então, quando desembarquei em Haifa do navio ‘Artza’, parei de ser um objeto da ação de outras pessoas e me tornei um sujeito. Só aí me tornei uma pessoa com controle sobre si mesma e independente de outros.
– O senhor chegou em Israel no inverno de 1951. Austeridade. Não tinha ninguém. Isto não era deprimente?
O navio trazia um grande transporte de crianças de Marselha. Era muito lotado, mas alegre. Lembro de nós de pé no ‘deck’ vendo o Monte Carmel se aproximando. O solo se aproximando. O solo da Terra de Israel. E quando desembarcamos, algumas pessoas realmente se ajoelharam e beijaram a terra. Eu não o fiz. Mas havia um tipo de sentimento estranho por ter chegado. De que esta era a última parada.
– Como foi a última parada?
A última parada de uma peregrinação sem rumo, de mudanças de identidade. De uma certa falsidade da qual eu era parte. De não ser você, não ser si mesmo. E aqui, você de repente enquadra essa falsidade. Algo de artificial é descascado, algo que às vezes podia ter sido assustador, algo como ficar se justificando, explicando porque você estava ali. Mas aqui, em Israel, não era mais preciso explicar nada ou justificar nada, e isto foi um grande alívio. Você ainda não sabia hebraico, não sabia ainda o que seria de você. Estava sozinho, não tinha nada. Mas tinha o forte sentimento de que chegara ao fim a jornada intolerável que atravessou.
– O senhor é um esquerdista bem conhecido, um historiador crítico. E agora está ‘saindo do armário’ revelando-se como um sionista da velha escola, um verdadeiro nacionalista israelense.
Sou um sionista da velha esquerda, tanto no sentido nacional quanto no social. Caso queira, sou um nacional-israelense. Alguns dos meus amigos pelo mundo sem dúvida não o aceitarão bem, mas eu jamais lhes pedi para me aceitarem bem. Uma pessoa que passou pela Segunda Guerra Mundial e viu o estabelecimento de um Estado e imigrou sozinho antes de ter 16 anos, chegou aqui pelo único propósito de viver num Estado-Nação judeu.
SIONISMO SECULAR
Existem aqui duas dimensões. Uma dimensão é que eu não acredito ser possível defender nossa existência aqui sem um Estado-Nação.
Não tenho ilusões. Acho que se os árabes pudessem nos aniquilar, eles o fariam com alegria. Se os palestinos, os egípcios e todos aqueles com que assinamos acordos de paz pudessem fazer com que nós não estivéssemos aqui, ficariam felizes.
Como conseqüência, ainda enfrentamos um perigo existencial, e a força é ainda nossa política de segurança para sobreviver. E mesmo que eu seja contrário à ocupação, e mesmo que eu deseje que os palestinos tenham direitos iguais aos meus, entendo que preciso da estrutura de um Estado-Nação para me defender.
Mas aqui vem outra dimensão. Eu não tenho religião. Não conto com a segurança da religião ou do seu amparo. Assim, sem a estrutura de um Estado-Nação, continuaria sendo uma pessoa desconectada, deficiente. Eis um paradoxo. Hoje os elementos religiosos são os que falam em nome de um nacionalismo que não aceito, porque ele não aceita o outro nacionalismo – o palestino.
Na verdade, a nossa necessidade – a dos israelenses seculares – pela estrutura de um Estado-Nação é muito maior do que a dos religiosos. Se você tirasse Israel de mim, eu ficaria sem nada. Estaria absolutamente nu. Por isto Israel é tão importante para mim. E não posso tratá-lo como um ‘fait accompli’, regular e normal. Eu o trato como algo que precisa ser constantemente resguardado, algo que temos que assegurar que não se desfaça em nossas mãos. Porque as coisas se desmancham facilmente – isto já aprendemos. E às vezes muito rápido: de um dia para o outro.
OCUPAÇÃO MATA ISRAEL
O senhor está recebendo o Prêmio Israel no 60º aniversário do país. Tudo em volta está crescendo, Israel florescendo. 57 anos após o senhor ter pisado nessas praias, a qual perigo de se desmanchar o senhor se refere?
O perigo é que, por causa da ocupação de 1967, o sionismo tornar-se-á em retrospecto um movimento colonial. Já agora estamos numa situação semi-colonial da qual não estamos conseguindo nos libertar. Se não mostrarmos suficiente força mental para evacuar boa parte do que existe além da Linha Verde, chegaremos a um impasse.
Em ambas essas situações, vejo a liquidação do sionismo. Um Estado colonialista acabará despertando uma revolta terrível da população ocupada, e um Estado binacional não levaria a qualquer solução e terminaria num banho de sangue.
Eu não vim a Israel para viver num Estado binacional. Se eu quisesse viver como minoria, poderia ter escolhido lugares nos quais fosse mais seguro e mais agradável viver como minoria.
Mas tampouco vim a Israel para ser um dominador colonial. Aos meus olhos, o nacionalismo que não seja universalista, que não respeite o direito nacional de outros, é um nacionalismo perigoso.
Por isto, acho que o tempo está pressionando. Não temos tempo. O que me preocupa aqui é que a vida boa que temos aqui, o dinheiro, a bolsa de valores e casas a preços de Manhattan estão provocando uma terrível ilusão. Afinal, é claro que as coisas não poderão continuar assim por mais cem anos. Não sei nem se poderiam continuar por mais 10 anos.
Minha geração, a da primeira década da existência do país, e para a qual a própria existência do Estado é um milagre, está aos poucos saindo do palco. E para nós é uma tragédia ver o que está acontecendo. Para mim, é o fim do mundo.
Porque uma pessoa quer garantir o futuro para seus filhos e netos. Como cidadão, quero assegurar o futuro da sociedade na qual vivo. E como pessoa, aspiro deixar algo, deixar minhas impressões digitais. Quero saber que, quando eu partir, minhas filhas e netas continuarão a ter aqui uma vida normal. É tudo o que queria.
Mas hoje não vejo garantida uma vida normal. Nem o futuro das minhas filhas e netas. E isto realmente me assombra. Assombra-me saber que o que hoje existe pode se desmanchar amanhã.
[ entrevista de Zeev Sternhell por Ari Shavit – publicada no Haaretz dm 25|09|08 e traduzida por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR –