Esta conversa com o historiador Prof. Zeev Sternhell, por ocasião de sua premiação com o Prêmio Israel, teve a intenção de se concentrar em idéias e no aspecto político. Algo sobre o Iluminismo e o Anti-Iluminismo na Europa. Sobre as raízes do Movimento Trabalhista. Sobre o papel da lei e do Ministro da Justiça Daniel Friedmann e o Primeiro-Ministro Ehud Olmert. E uma comparação provocativa entre os colonos e os ‘pés-negros’ [epíteto usado para os franceses na Argélia] também não machucaria. Nem uma caracterização sobre o risco de Israel tornar-se uma teocracia incorrigível dominada por clérigos obscurantistas ultra-ortodoxos.
Entretanto, uma pergunta casual sobre a infância de Sternhell na Europa dos anos ’40 redirecionou a conversa. Sentado numa poltrona de couro preto em seu modesto apartamento em Jerusalém, o historiador de idéias começou a contar a história da sua própria vida. É uma história da qual só muito pouco pode ser contado no espaço disponível para uma entrevista de revista semanal.
Aqui vão alguns fatos que não aparecem na história. Em meados dos anos ’50, Sternhell era um comandante destacado e carismático da brigada de infantaria Golani. Seu amor incurável pelo Exército de Defesa de Israel levou-o a participar da Guerra dos Seis Dias (1967), da Guerra do Yom Kipur (1973) e da Guerra do Líbano (1982). Nos anos ’70, escreveu uma tese de doutorado sobre o nacionalismo francês e começou a ser identificado como um dos principais intelectuais da esquerda israelense.
Nos anos ’80, ele despertou furor na França quando sustentou – em seu livro “Nem Direita, Nem Esquerda: A Ideologia Fascista na França” [“Neither Right Nor Left: Fascist Ideology in France”, Princeton University Press] que o governo de Vichy não foi imposto à França, mas expressou uma autêntica corrente conceitual francesa que havia preparado o terreno para o advento do fascismo.
Nos anos ’90, ele fomentou um debate em Israel, também, quando defendeu – em seu livro “The Founding Myths of Israel “, Princeton University Press – que o histórico Movimento Trabalhista não era realmente socialista e que seu principal objetivo era conquistar a Palestina. Na última década, Sternhell ocupou-se em analisar o Iluminismo como eixo central da História moderna da Europa. Publicou também ousados artigos no Haaretz contra a direita nacionalista e a direita econômica, contra o capitalismo israelense e contra a ocupação. Aos olhos de muitos, Sternhell é o herdeiro de Jacob Talmon, Yehoshua Arieli e Yeshayahu Leibowitz como professor que toma conta do portão, acadêmico assertivo e crítico que contesta ‘verdades’ do establishment que se recusa a admitir.
Agora, porém, com sua esposa Ziva e sua filha Yael escutando da sala ao lado, Sternhell não está sendo nem assertivo nem crítico. Ele ajusta os óculos sobre o nariz e fixa seu olhar num ponto não identificado no espaço, de onde parece tirar suas palavras. Reflexivo, às vezes emocionado, ele é tão preciso quanto possível. Evoca imagem após imagem, pessoa após pessoa, período após período, enquanto tenta cuidadosamente relatar sua história judaica-israelense. É um conto de fraqueza e poder, crença e heresia, identidades dinâmicas. É uma história que às vezes toma até o narrador de surpresa ao contá-la.
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