Independência de Israel
Em 14/05/1948, o Reino Unido renunciou ao Mandato da Palestina, retirando suas tropas. No mesmo dia, em meio a uma onda de violência entre as comunidades árabe e judia, foi proclamada a Declaração de Independência do Estado de Israel, considerada como o principal marco do sionismo político.
Nela se lê:
“… O ESTADO DE ISRAEL será aberto à imigração de judeus de todos os países de sua dispersão; promoverá o desenvolvimento do país em benefício de todos os seus habitantes; será baseado nos preceitos de liberdade, justiça e paz ensinados pelos profetas hebreus; defenderá total igualdade social e política para todos os seus cidadãos, sem distinção de raça, credo ou sexo; garantirá total liberdade de consciência, culto, educação e cultura; protegerá a santidade e inviolabilidade dos templos e lugares sagrados de todas as religiões; e se dedicará aos princípios da Carta das Nações Unidas.”
“… Em meio a uma brutal agressão, instamos ainda aos habitantes árabes do Estado de Israel para que retornem aos caminhos da paz e façam sua parte no desenvolvimento do Estado, com total e igual cidadania e a devida representação em seus órgãos e instituições – provisórios ou permanentes”.
“… Oferecemos paz e boa-vizinhança a todos os Estados vizinhos e seus povos, e os convidamos a cooperar com a nação independente hebraica para o bem comum de todos…”
A resposta oficial veio no dia seguinte. O Secretário-Geral da Liga Árabe, Abdul Pasha, anunciou a intenção de deflagrar “uma guerra de extermínio e um inesquecível massacre do qual se falará como dos massacres mongóis e das Cruzadas…”.
O nascente Estado judeu foi imediatamente atacado por exércitos regulares dos países árabes vizinhos. O incipiente Exército de Defesa de Israel conseguiu conter os ataques. Após meses de combates sangrentos, repeliu a invasão e ampliou suas fronteiras.
O choque entre os dois movimentos nacionais, competindo pela mesma pequena terra, é alimentado pelo que Uri Avnery chama de ‘Duelo de Traumas’. “Os judeus trazem consigo o velho trauma da perseguição dos judeus na Europa – massacres, expulsões em massa, a Inquisição, pogroms e o Holocausto…”. A defesa contra ataques árabes era sentida como a batalha pela sobrevivência de alguém que por pouco acaba de escapar de ser assassinado.
Naqba dos Palestinos
Pelos árabes-palestinos, os imigrantes judeus eram percebidos como novos colonizadores. A memória coletiva é de uma secular opressão colonial, desde o Império Otomano até o Império Britânico, repleta de insultos e humilhações. Contrastando com os gloriosos dias dos califas árabes, cujo domínio ultrapassara o Oriente Médio e o norte da África, alcançando toda a Península Ibérica.
A vitória de Israel em 1948 significou o que os palestinos chamam de “Naqba” (Catástrofe). Conforme Avnery, “a guerra iniciada pelos árabes após o plano de partilha foi inevitavelmente uma ‘guerra étnica’, onde cada lado buscava conquistar tanta terra quanto possível e remover a população do outro lado…”.
Ao final da guerra, não havia sobrado um judeu das milenares comunidades da Cidade Velha de Jerusalém e Hebron, e nenhum kibutznik do bloco Etzion. Mas os israelenses podiam afinal comemorar sua independência.
Para os árabes da Palestina, o resultado foi uma tragédia nacional: tiveram sufocados qualquer anseio por autodeterminação. O restante do território que a ONU lhes havia destinado foi tomado pelo Egito e a Jordânia…
A “Naqba” foi também uma catástrofe humanitária para 750 mil palestinos, deslocados pela guerra para acampamentos de refugiados nos países vizinhos. Boa parte deles e seus descendentes são até hoje mantidos por fundos da ONU, em condições miseráveis, sem quaisquer direitos de cidadania.
Judeus em número semelhante seriam expulsos de paises árabes, onde tinham vivido por várias gerações. Foram acolhidos em Israel e outras comunidades judaicas. Muitos fugiram para o Brasil, despojados de seus bens e cidadania, e se tornaram cidadãos brasileiros. Mas aos refugiados de nenhum dos lados foi permitida a volta ao antigo lar ou concedida qualquer compensação.
Socialismo e Globalização
As principais lideranças de Israel em seu nascimento eram da corrente sionista-socialista. Criaram um modelo inovador, onde os maiores bancos, indústrias e empreiteiras eram de propriedade do Estado ou da Histadrut, confederação dos sindicatos de trabalhadores.
Desenvolveu-se uma rede de transportes coletivos por todo o território, onde os ônibus pertenciam a uma cooperativa dos motoristas. Os kibutzim – fazendas auto-geridas com propriedade coletiva dos meios de produção e divisão por igual do rendimento entre seus membros, independentemente de função ou qualificação – fizeram de uma terra infértil um grande exportador de frutas e flores. A Kupat Cholim, instituto de previdência e saúde, assegurava serviços de alta qualidade a todos cidadãos.
Por vários anos, Israel figurou entre os países ocidentais com melhor distribuição de renda, ao lado dos escandinavos.
Não mais. A globalização e uma série de governos de direita foram minando a estrutura econômica igualitária. As grandes empresas foram privatizadas e recursos públicos foram progressivamente desviados de programas de bem-estar social para investimentos na colonização dos territórios conquistados em 1967.
Hoje, Israel tem cerca de 1/3 de sua população abaixo da linha de pobreza. Há anciãos sobreviventes do Holocausto que não tem o básico para viver, enquanto se gastam milhões em infra-estrutura para assentamentos na Cisjordânia.
Nacionalismo Palestino
Não houve, durante o domínio egípcio e jordaniano sobre parte da Palestina, qualquer iniciativa de organização de instituições políticas que visassem a soberania dos próprios palestinos naqueles territórios. Os árabes palestinos se viam antes de tudo como “membros da grande nação árabe”.
A identidade nacional árabe-palestina foi se forjando no exílio, em função da sua trajetória de sofrimento como povo destituído da terra. Por uma trágica ironia da História, um fenômeno idêntico ao que havia gerado a identidade nacional judia, o sionismo.
O nacionalismo palestino desenvolveu-se de fato após a Guerra dos Seis Dias. Com a tomada por Israel dos territórios de Gaza e Cisjordânia, seus habitantes deixaram de ser governados por “irmãos árabes” (Egito e Jordânia). Seriam agora controlados por uma sociedade estranha, com outra língua, outros costumes, outra religião. Se antes nem se dizia que viviam em “territórios ocupados”, agora o ocupado tinha uma “cara” diferente do ocupante, o que acelerou a definição de uma identidade nacional específica na luta pela independência.
Exército de Defesa ou Ocupação?
Por mais de 30 anos, existiu um absoluto e unânime repúdio à existência de Israel pelo mundo árabe. Prevalecia em todo o Oriente Médio o nacionalismo pan-árabe, que tinha como principal denominador comum a rejeição à existência em seu meio de um país soberano judeu.
Israel nasceu e se desenvolveu cercado de inimigos. Desde sua fundação, boa parte de seus recursos econômicos e humanos teve que ser canalizada para sua defesa. Além da Guerra pela Independência, sofreu ataques militares maciços de seus vizinhos, que chegavam a ameaçar sua sobrevivência, em 1967 e 1973, além de ser fustigado por constantes atentados terroristas.
A ameaça física sempre foi real, e particularmente sensível para um povo que acabava de sobreviver a um genocídio. O Exército de Defesa de Israel (Tsahal), um autêntico exército popular, é a instituição mais respeitada do país. A imagem do jovem soldado israelense passou a representar a transição de um povo humilhado e massacrado para um povo corajoso que sabe se defender.
Esta imagem começou a mudar após a euforia da vitória na Guerra dos Seis Dias. Os jovens passaram a ser designados para apoiar a ocupação dos territórios de Gaza e Cisjordânia. Imagine-se a auto-estima de alguém que passa os dias dificultando a passagem de seres humanos de sua própria casa para o trabalho, correndo o risco de ser apedrejado ou baleado. Sujeito a agressões dos próprios colonos que recebe a missão de defender. O número de casos de suicídio é significativo. Muitos se drogam ou saem do país ao final do serviço militar.
A ocupação está destruindo as bases morais da sociedade israelense.
Racha a Frente da Rejeição
O bloqueio árabe começou a ruir em 1979 com o tratado de paz de Israel com o Egito. Em 1994, a paz entre Israel e Jordânia inaugurou uma nova era de relações diplomáticas e econômicas.
Iniciaram-se em Oslo conversações secretas entre representantes de Israel e da OLP, que culminaram em setembro de 1993 no reconhecimento mútuo dos direitos nacionais dos dois povos.
Em 2002, a Arábia Saudita apresentou um plano de paz – aprovado pela Liga Árabe e recentemente ratificado – propondo a normalização de relações de todos os países árabes com Israel em troca da devolução das terras ocupadas em 1967 e uma solução acordada para os refugiados palestinos.
Do lado de Israel, apesar de sucessivos governos de direita que promoveram a expansão de colônias nos territórios ocupados, formou-se um verdadeiro consenso nacional de que deve ser criado um Estado Palestino independente naqueles territórios, e deixou de ser tabu a divisão de Jerusalém para sediar as capitais dos dois países.
Hoje temos um primeiro-ministro em Israel e um presidente na Autoridade Palestina, eleitos ambos com a plataforma de implementar uma solução de Dois Estados. Israel desmantelou as colônias e retirou as tropas de Gaza.
Entretanto, a frágil coalizão de governo israelense, desgastada pelo fiasco na última guerra no Líbano, depende de concessões a partidos retrógrados, o que a vem imobilizando para qualquer avanço significativo.
O presidente da AP, por sua vez – sem nada para apresentar ao seu povo como retribuição à sua disposição para a paz – perdeu o controle de toda a Faixa de Gaza para um grupo islamista que tem por princípio destruir Israel.
Do Conflito Nacional para o Religioso
O grande perigo para a paz é o progressivo deslocamento do conflito do eixo nacional-secular para o do fanatismo religioso, que se acelerou com a ascensão do Hamas em Gaza e também se traduz nas pressões de sionistas-religiosos radicais. Entre fanáticos é praticamente impossível o entendimento.
Esta mudança é parte de uma ameaçadora onda global de crescimento do poder e agressividade de correntes obscurantistas islamistas que rejeitam valores como democracia e direitos humanos. Do Talibã (Afeganistão), à Irmandade Muçulmana (Egito e Jordânia). Do Hizbolá (Líbano) ao Irã, que desenvolve a bomba atômica ao mesmo tempo em que sustenta grupos terroristas e prega abertamente a destruição de Israel.
A tendência só poderá ser revertida pela melhoria das condições de vida de populações despossuídas e pelo fortalecimento de lideranças progressistas e moderadas.
Nenhuma oportunidade de diálogo pode ser desperdiçada, independente dos esforços dos extremistas que sempre tentarão sabotar o processo de paz.
A comunidade internacional deve investir no fomento desse processo e na viabilização econômica de um Estado Palestino independente ao lado de Israel.
Que Sionismo?
Há quem diga que o sionismo, enquanto movimento de libertação nacional do povo judeu, se esgotou no momento da criação do Estado de Israel.
O principal objetivo da ideologia sionista, o de ‘assegurar um lar nacional que sirva de refúgio seguro para todos os judeus’ está, porém, ainda longe de se realizar: Israel é hoje, paradoxalmente, o lugar onde é mais provável um indivíduo ter sua vida ameaçada pela sua própria condição de judeu.
As bases libertárias e humanistas que inspiraram a criação de Israel estão abaladas pelo controle de milhões de palestinos privados de direitos civis.
Israel, enquanto Estado democrático com maioria judaica, só pode sobreviver com o fim da ocupação e a criação de um país que garanta auto-determinação e dignidade humana aos árabes palestinos, na Faixa de Gaza e Cisjordânia.
Os radicais defensores da “Grande Israel” bíblica – do Mediterrâneo ao Jordão – arvoram-se de serem os autênticos representantes do sionismo. Na verdade, o estão matando.
Assim como os extremistas que pregam “varrer a entidade sionista” e eliminar os judeus de toda a “Palestina Histórica” mandatária, eles precisam ter seu radicalismo silenciado pela voz dos milhões que reconhecem reciprocamente os anseios nacionais de judeus e árabes na Terra de Israel/Palestina.
Israel canta em seu Hino Nacional: “… Ainda não perdemos nossa esperança de dois milênios – sermos um povo livre em nosso país, na Terra de Sion, Jerusalém”. Os palestinos têm um anseio semelhante, inclusive quanto a Jerusalém. Igualmente legítimo. A solução para uma paz justa e duradoura já foi concebida há mais de 60 anos: a partilha daquele pequeno território em DOIS ESTADOS PARA DOIS POVOS.
Não basta um exército forte que defenda o país daqueles que rejeitam sua simples existência. A ocupação e a colonização dos territórios palestinos conquistados em 1967 já se provaram ser mais uma ameaça do que uma garantia de segurança. A perenidade do Estado de Israel está condicionada a uma paz justa, ao lado de um Estado Palestino viável e soberano, ambos integrados na geopolítica do Oriente Médio.
A paz com os vizinhos árabes e palestinos trará a segurança para os israelenses, que poderão redirecionar suas energias para a construção da sociedade justa e eqüitativa idealizada por seus fundadores.
Moisés Storch é coordenador dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA – www.pazagora.org.
Artigo publicado na revista ‘Política Democrática’ (Ano VI – nº 20) e revisado pelo autor.