Normalização – uma trilha para a paz

No mundo árabe e islâmico, chama-se de “normalização” ao processo de construir relações abertas e recíprocas com Israel em todos os campos, incluindo o político, econômico, social, cultural, educacional, legal e de segurança.

Aqueles que rejeitam tal “normalização” estão divididos em dois grupos:  

Um acha que Israel foi estabelecido em terras islâmicas e palestinas e às expensas do povo palestino, os legítimos donos da terra, que conseqüentemente sofreram a sina de refugiados fora de seu país.

O outro grupo aceita a “normalização”, mas apenas após Israel retirar-se de territórios palestinos e terras árabes ocupadas em 1967 (outros acrescentam que antes da normalizaçãoo direito de retorno a Israel também deve ser alcançado).  

Enquanto a discussão com o primeiro grupo é ideológica, com o segundo ela é política. Trata-se por um lado do preço da paz e do nível de renúncias e concessões recíprocas que pode ser feita para alcançá-la. Do outro, é sobre o processo de paz e se este deve incluir alguma forma de engajamento e diálogo com o outro lado.

Mas, seria possível chamar de “normalização” às atuais formas de engajamento e diálogo entre os dois lados? Normalização, por definição, só pode ser alcançada entre dois Estados. E como não existe Estado Palestino, tal normalização ainda não é possível. Mas então quais são os objetivos das atuais formas de engajamento e diálogo, se não se referem a normalização?

O processo de engajamento começou entre grupos marxistas nos dois lados, imediatamente após o estabelecimento de Israel. Era uma continuação das relações entre camaradas membros dos mesmos partidos antes de 1948. O engajamento oficial da OLP começou nos anos ’70 com o que ao tempo foi chamado de “movimentos progressistas judeus que apóiam os direitos do povo palestino”. Esse engajamento oficial foi sujeito a mudanças no objetivo nacional palestino (a partir de 1974). Da “libertação de toda a Palestina”, passou-se a aceitar o “estabelecimento de uma Autoridade Nacional em qualquer área liberada” (Resolução do Conselho Nacional Palestino – CNP em 1974), e finalmente ao “estabelecimento de um Estado Palestino ao lado de Israel” (Resolução do  CNP em 1988).

Antes da Declaração de Princípios Israelense-Palestina de 1993 (Oslo), o engajamento palestino-israelense combinava negociações em canais secretos entre autoridades dos dois lados e negociações extra-oficiais (track II) entre acadêmicos e líderes de ONGs. Ambos os caminhos procuravam formas de avançar rumo à solução de Dois Estados. Alguns palestinos consideravam então que este era uma forma de luta pelos direitos nacionais.

Além desses dois canais, sempre existiu desde 1967 um terceiro – a “via da solidariedade”, onde organizações israelenses de esquerda realizam atividades em solidariedade ao povo palestino.

Após os Acordos de Oslo (1993), foram desenvolvidas novas abordagens de cooperação pessoa-pessoa.  Um estudo deste autor revelou que estas incluem: cooperação pessoa-pessoa entre acadêmicos, jovens, mulheres, etc..; formas de “cura para reconciliação” (healing for reconciliation), incluindo famílias enlutadas; e a “coordenação e preparação em separado das respectivas populações” para construir o apoio para acordos de paz sugeridos, abordagem que levou ao Documento Nusseibeh-Ayalon e à Iniciativa de Genebra.

Embora esta terceira categoria seja um tipo de engajamento político que se pode aceitar ou rejeitar, ela não pode ser adequadamente rotulada de normalização, especialmente se tal termo for usado como uma acusação de colaboração com o outro lado às expensas dos direitos palestinos. A segunda abordagem inclui reunir famílias enlutadas para a cura. Como tal, pode ajudar a criar mais entendimento para os direitos das pessoas dos dois lados, o que por sua vez ajudará a criar a paz entre as populações e não apenas entre líderes.

É a primeira abordagem que atraiu maiores críticas. O que mais se ouviu é que seus projetos criam uma imagem falsa de relações “normais” (algo diferente da normalização acima definida), como se não houvesse ocupante e ocupado e os dois lados fossem de alguma forma equivalentes. Em boa parte, esta crítica se originou de avaliações feitas pelos próprios promotores de contatos pessoa-pessoa, com o objetivo de modificar seus projetos futuros de forma a não confundir a realidade, mas sim trabalhar com essa realidade rumo a uma solução que não prejudicasse os direitos de qualquer dos lados.

Por trás da retórica política e das acusações, a maior parte daqueles do lado palestino que estão engajados em projetos conjuntos o estão porque acreditam sinceramente que este é um caminho para chegar a uma solução de Dois Estados. Eles também enxergam que os grupos no outro lado também têm a mesma crença sincera. Como resultado, acham que boicotar ou evitar trabalhar com aqueles grupos seria prejudicial à solução de Dois Estados.

Não quero sugerir que as relações entre os dois lados sejam fáceis. Os palestinos envolvidos em projetos conjuntos são nacionalistas altivos, assim como os israelenses. Isto muitas vezes cria muita tensão para que os dois lados possam criar um campo em comum.

Apesar desta dificuldade, esta abordagem mantém-se como um caminho para a solução de Dois Estados.

O problema não é o fato de as atividades conjuntas existirem. Mas que elas não sejam suficientes para fazer uma diferença determinante.


WALID SALEM, palestino, é co-diretor da Society for Democracy and Community Development in East JerusalemEscreveu vários livros e artigos sobre temas como democracia, cidadania, direitos de jovens, desenvolvimento da sociedade civil processo de paz israelense-palestino e refugiados.



















[ publicado pelo  bitterlemons-international.org em 15|11|07 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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